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Várias políticas públicas têm sido implementadas para promover, proteger e apoiar o AME, dentre elas a IHAC, uma estratégia internacional que tem como objetivo transformar as

práticas, políticas e estruturas dos serviços de saúde para apoiar o AM por meio da implementação dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno, bem como a adoção do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (BRASIL, 2010). A IHAC é amplamente adotada no Brasil e tem resultado em melhora significativa no apoio ao início e duração do AME. Essa revisão dos Dez Passos em 2018 pela UNICEF e OMS, ainda não foi traduzida e incorporada nas diretrizes brasileiras, percebendo-se avanços com mudanças que também podem beneficiar os prematuros, como por exemplo o Passo 9 – Aconselhar as mães quanto ao uso apropriado e os riscos de mamadeiras, bicos e chupetas. No entanto, tal iniciativa foi concebida para apoiar o AME em RN saudáveis a termo em maternidades, e mesmo com as recentes atualizações não considera em sua totalidade o contexto complexo e altamente tecnológico das unidades neonatais e as dificuldades de amamentar o prematuro, sendo, muitas vezes, privado dos benefícios do AME.

A IHAC expandida para o cuidado integrado lançada em 2009 pela OMS/UNICEF, designa a Comunidade Amiga da Mãe e da Criança, a alimentação complementar Amiga da Criança, os consultórios Amigo da Criança e as unidades neonatais Amigas da Criança (WORLD HEALTH ORGANIZATION; UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND, 2009). Porém, nesse documento, as adaptações para as unidades neonatais são brevemente mencionadas e não estão adaptadas à situação especial dos prematuros e crianças doentes e suas mães (NYQVIST et al., 2013).

O mesmo ocorre com a recente revisão do guia de implementação da IHAC (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018), a qual abrange atividades especificamente pertinentes à promoção, proteção e apoio ao AM em estabelecimentos que prestam serviços de maternidade e neonatos em padrões globais. Apesar dos cuidados aos RN pequenos, doentes e prematuros, muitas vezes, ocorrem nas mesmas instalações e serem atendidos pela mesma equipe de bebês a termo e, portanto, também seguirem as recomendações incluídas na IHAC convencional, este documento não fornece orientações específicas e detalhadas para este grupo. Portanto, apesar da IHAC convencional abranger práticas em todas as áreas de um hospital, incluindo as unidades neonatais, nem todos os Passos se aplicam às UTIN da mesma maneira que às maternidades (TAYLOR et al., 2011).

Mesmo essa iniciativa não sendo específica para prematuros internados, alguns estudos mostram sua eficácia também nesta população vulnerável. A implantação da IHAC contribuiu para aumentar o índice de AME de RN internados em uma unidade neonatal durante a hospitalização e nos primeiros seis meses de vida. Ao comparar as taxas de AME no ano

anterior ao início do processo da IHAC (1994) com as taxas no ano em que o hospital estudado cumpriu todos os Passos propostos (1998), constatou-se que, durante a internação, houve um aumento de 39,8% nas taxas de AME e o uso de fórmulas foi anulado nesse período. O tempo mediano da amamentação durante os seis primeiros meses de idade também melhorou, de 12 dias em AME antes da implantação da IHAC para 45 dias após o cumprimento de todos os Passos, além dos bebês nascidos em 1998 terem quase quatro vezes mais chance de receber AME durante os primeiros seis meses de vida em relação às crianças nascidas em 1994 (VANNUCHI et al., 2004).

O impacto da IHAC sobre as taxas de AM em bebês admitidos diretamente em uma UTIN dos Estados Unidos foi avaliado antes da política ser implementada (1995) e quando foi concedido o credenciamento de Hospital Amigo da Criança (1999). As taxas de início do AM, definidas com ingestão de qualquer leite humano durante a primeira semana de alimentação na UTIN foram de 34,6% em 1995 e aumentaram significativamente para 74,4% após a acreditação da IHAC. A ingestão de leite humano exclusivo em bebês com duas semanas de idade aumentou de 9,3% em 1995 para 39% em 1999 (MEREWOOD et al., 2003).

Outro estudo traz que, uma década após a implementação das diretrizes da IHAC convencional (1999 - 2009), as taxas de AM nos bebês prematuros e doentes internados em unidade neonatal nível III do Centro Médico de Boston, Estados Unidos, também têm melhorado, principalmente em relação ao início da administração de leite materno por qualquer método. Este início aumentou na primeira década da implantação da IHAC de 74% para 85% dos lactentes internados em UTIN, sendo esta diferença mais expressiva ainda na população negra; e na segunda semana de vida, o leite materno exclusivo passou de 39% em 1999 para 44% em 2009 (PARKER et al., 2013).

Estudos brasileiros também detectaram uma melhora nos índices de AME na alta hospitalar em bebês de alto risco após a implementação de práticas associadas à IHAC. Houve aumento no AME em RN de muito baixo peso para 68,4%, mesmo com uma elevada taxa de AME (57,7%) antes de sua implementação no hospital estudado (PEDRAS; MEZZACAPPA; COSTA-PINTO, 2012); e um aumento de 36,0% para 54,6% do AME em bebês internados em berçários de alto risco de maternidade localizada em Belo Horizonte, após o hospital implementar as diretrizes da IHAC convencional, além de diminuir o AA de 17,2% para 8,2% (BICALHO-MANCINI; VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ, 2004). Este último estudo também verificou um aumento de 2,75 vezes a chance de uma criança de alto risco ter alta hospitalar

sem AME se internada em hospitais que não aderiram às políticas da IHAC (BICALHO- MANCINI; VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ, 2004).

A mudança de postura dos profissionais de saúde que trabalham em unidades neonatais, a decisão da instituição hospitalar em adotar os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno da IHAC e a existência de um BLH no hospital contribuem para a melhoria dos índices de AM num grupo de crianças que apresenta dificuldades peculiares na amamentação, seja para o RN, família ou para a equipe de saúde que assiste esse segmento populacional (VANNUCHI et al., 2004).

Porém, mesmo com algumas pesquisas mostrando o impacto positivo da IHAC convencional também para o AM de bebês internados em unidades neonatais, esta iniciativa não é suficiente e adequada para a promoção da melhoria do AME na população de prematuros e bebês criticamente doentes. Os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno da IHAC não são integralmente respeitados e cumpridos nas unidades neonatais brasileiras devido às especificidades destes bebês de risco. Embora tenham ocorrido avanços na revisão da IHAC de 2018, conforme apontado anteriormente, estas atualizações ainda não foram incorporadas nas diretrizes da IHAC no Brasil.

Segundo o UNICEF e a OMS, embora alguns países tenham aderido à expansão do conceito Amigo da Criança para além das maternidades e serviços de cuidados aos RN a termo e saudáveis, conforme recomendado na revisão de 2009, padrões internacionais ainda não foram desenvolvidos para constituir um conjunto específico de critérios e ferramentas de avaliação para programas devido a diversidade de contextos e aplicação em todo mundo. Aponta-se, por exemplo, a necessidade de diretrizes para melhorar grupos de apoio ao AM fora das maternidades e unidades neonatais que apresentam aspectos únicos e que não podem ser abordados na IHAC (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018).

Apesar da importância em seguir os pressupostos da IHAC, esta estratégia também não vem se mostrando suficiente nos hospitais brasileiros para suscitar atitudes profissionais e rotinas hospitalares favoráveis à manutenção do AM em prematuros internados em UTIN (PEREIRA et al., 2015).

Mães suecas de bebês muito prematuros (menos de 32 semanas de gestação) sugeriram várias modificações e expansões dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno da IHAC, tais como: respeito às decisões individuais maternas sobre o AM; educação da equipe nos conhecimentos e habilidades específicas; orientações sobre lactação no pré-natal, diante do risco de nascimento prematuro; contato pele a pele (Cuidado Mãe Canguru); expressão do leite;

introdução precoce da amamentação; facilidades para a mãe estar presente na unidade 24 horas por dia; preferência da administração do leite da própria mãe; alimentação por semidemanda antes da transição para a amamentação; benefícios especiais da sucção com chupeta; estratégias alternativas para a redução do uso de complemento; uso de mamadeira quando indicado; cuidado centrado na família e ambiente físico favorável; apoio para a presença dos pais; e transferência precoce dos cuidados do bebê para os pais (NYQVIST; KYLBERG, 2008).

Neste contexto, no qual a IHAC não considera os desafios de se amamentar um prematuro, e existe a crescente necessidade de se aumentar as taxas de AM nesta população para a diminuição da morbimortalidade neonatal, pesquisadores do Canadá e países nórdicos desenvolveram uma adaptação dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno para as Unidades Neonatais, denominada IHAC-Neo, a fim de atender as necessidades da assistência em unidade neonatal e ser uma inovação promissora para o aumento do AME, aprimorando as relações pais-bebês e reduzindo a morbimortalidade entre prematuros (HAIEK, 2012; NYQVIST et al., 2012; NYQVIST et al., 2015). Depois de mais de 20 anos da implementação da IHAC convencional, existe a necessidade de se estender a importância dos cuidados de apoio e aconselhamento no AM para as unidades neonatais e para a comunidade (HANSEN et al., 2012).

Esse grupo de pesquisadores e experts em AM tem como objetivo criar um documento com padrões e critérios para cada um dos Três Princípios Norteadores, Dez Passos e com o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. Além disso, objetivam desenvolver ferramentas de autoavaliação e avaliação externa para verificação da conformidade das unidades neonatais às condições exigidas para a designação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança para Unidades Neonatais (IHAC-Neo), bem como oferecer esses documentos aos serviços de saúde internacional, profissionais e outras organizações não governamentais envolvidas na lactação e amamentação para mães de bebês que necessitam de cuidados especiais (NYQVIST et al., 2012).

Os principais objetivos do cuidado ao prematuro hospitalizado devem incluir o apoio e início precoce do AM e lactação das mães, sem atrasos injustificados e sem restrições; rotinas de alimentação que facilitem a amamentação; prevenção do uso de mamadeiras; e esforços para permitir que as mães passem a maior parte do tempo na UTIN (NYQVIST, 2013). A IHAC- Neo, com seus Princípios Norteadores e Passos para o Sucesso do AM em prematuros vem somar esforços para que essas importantes ações sejam realizadas dentro das unidades neonatais.

Os Três Princípios Norteadores incluem diretrizes e atitudes essenciais em todos os aspectos relacionados à lactação e AM nas unidades neonatais, que embasam a IHAC- Neo, sendo: 1) a atitude da equipe deve focar e responder às necessidades individuais de cada mãe no seu contexto; 2) todas as ações devem facilitar a abordagem do cuidado centrado na família e 3) assegurar a continuidade do cuidado entre os períodos pré, peri e pós-natal, bem como após a alta hospitalar (NYQVIST et al., 2012).

A equipe de saúde deve ter um olhar individualizado para as mães, principalmente no que se refere à produção de leite, risco de atraso ou prejuízo no desenvolvimento da identidade materna, separação mãe e filho, ansiedade em relação à alta hospitalar, fatores facilitadores ou dificultadores da lactação e amamentação para torna-se uma “boa mãe”, mães vulneráveis e aconselhamento sensível na amamentação e lactação. O cuidado centrado na família também deve nortear a assistência nas unidades neonatais, tornando os pais como principais cuidadores de seus filhos, garantir e apoiar os direitos dos pais e seus papéis naturais e basear-se no cuidado desenvolvimental. Por fim, o sistema de saúde deve garantir a continuidade do cuidado neonatal e na amamentação, desde o pré-natal até o pós-alta, além de garantir que todos os profissionais da saúde compartilhem o mesmo conhecimento básico desta expansão (NYQVIST et al., 2012). Para atender estes Princípios, a especificidade do contexto das unidades neonatais e as necessidades do prematuro, a primeira versão dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno da OMS/UNICEF foi adaptada de acordo com evidências científicas e práticas fortemente associadas ao aumento da prevalência do AME, fortalecimento do vínculo mãe- bebê e melhora no neurodesenvolvimento do prematuro.

Assim, os Dez Passos desenvolvidos pela IHAC-Neo e específicos para os prematuros e bebês criticamente doentes internados em unidades neonatais são: 1) Ter uma política de AM escrita, rotineiramente comunicada a todos da equipe de cuidado em saúde; 2) Educação e treinamento de toda a equipe no conhecimento e habilidades específicas necessárias para implementar a política; 3) Informar a gestante hospitalizada em risco de um nascimento prematuro ou de um bebê doente em relação ao manejo da lactação e amamentação e os benefícios do aleitamento materno; 4) Encorajar o contato pele a pele mãe-bebê (cuidado canguru) precoce, contínuo e prolongado sem restrições injustificáveis; 5) Apresentar às mães como iniciar e manter a lactação e estabelecer precocemente a amamentação com a estabilidade do bebê como único critério; 6) Não oferecer ao RN qualquer alimento ou líquido a não ser o leite humano, exceto se indicado pelo médico; 7) Permitir que mães e bebês permaneçam juntos 24 horas por dia; 8) Encorajar a amamentação por livre demanda ou quando necessário,

alimentação em semidemanda como uma estratégia de transição para prematuros e bebês doentes; 9) Usar alternativas que não a mamadeira até a amamentação estar bem estabelecida e somente usar chupetas e protetores de mamilos com razões justificáveis; e 10) Preparar os pais para continuar a amamentação e assegurar acesso aos serviços de apoio/grupos após a alta hospitalar (NYQVIST et al., 2013, 2015).

Além dos Três Princípios Norteadores e os Dez Passos adaptados, a IHAC-Neo também está em consonância com o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, visto que é proibido o hospital receber presentes gratuitos, materiais, equipamentos dinheiro ou apoio para educação em serviço de distribuidores de substitutos do leite materno, bem como as mães e familiares. A fixação de cartazes ou outros materiais contra o Código, e as latas de fórmula infantil ficarem a vista também são proibidos pelas normas da IHAC-Neo (NYQVIST et al., 2013).

Evidências demonstram que a implementação das práticas propostas pela IHAC-Neo nas unidades neonatais modificou expressivamente o início e a exclusividade do AM na alta, bem como fortaleceu as famílias para cuidar de seus filhos prematuros (NYQVIST et al., 2012). A IHAC-Neo, a exemplo da IHAC originalmente desenvolvida pela OMS/UNICEF, também estabeleceu um conjunto de padrões e critérios para o monitoramento e avaliação da proposta em consonância com cada Princípio Norteador e os Dez Passos adaptados (HAIEK, 2012).

Considera-se a IHAC-Neo como estratégia promissora para a promoção e apoio ao AME em prematuros, apesar da escassez de estudos sobre o impacto de sua implantação em larga escala, particularmente em países que não participaram de sua concepção e que apresentam indicadores mais elevados de nascimentos prematuros e mortalidade infantil.

O exposto até aqui reforça a prematuridade como um problema de saúde pública no país e as vantagens da amamentação para esse segmento populacional de alto risco com redução da morbimortalidade. Apesar das ações e políticas públicas brasileiras para o incentivo do AM, essas têm sido insuficientes para modificar a prevalência do AME em prematuros, motivando a realização do presente estudo com foco na implementação da IHAC-Neo guiada pela

Knowledge Translation (KT), como inovações, e respectivo impacto na prevalência do AME e

em mudanças nas práticas assistenciais em unidade neonatal rumo a adesão aos Três Princípios Norteadores, Dez Passos e Código que fundamentam a IHAC-Neo.

Cabe assinalar que esta pesquisa integra projeto multicêntrico intitulado “Aleitamento materno em prematuros: impacto da IHAC para Unidades Neonatais”, financiado pelo MS/Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) / Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) / Fundação Bill & Melinda Gates, processo nº 401628/2013- 2. Esse projeto multicêntrico foi realizado em nove hospitais maternidade (cinco intervenção e quatro controle) das cinco regiões do Brasil e conta com a colaboração e parceria com pesquisadoras canadenses e sueca envolvidas na adaptação, implementação e avaliação da IHAC-Neo e no referencial da KT proposto para instrumentalizar esta intervenção a ser testada, no contexto das unidades neonatais brasileiras.