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3 O REGIME JURÍDICO DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO EM SEU

4.2 Expectativas e balanço crítico dos Planos Diretores Participativos: pontos comuns

Fabricio Leal de Oliveira e Rosane Biasotto reconhecem que uma das grandes promessas do EC/2011 está baseada na “possibilidade da intervenção pública”460, isto é, na

participação popular para a construção do PD. Este, enquanto instrumento da Política Urbana, é o meio essencial para que, mediante a audiência pública, a população possa, desta forma, se manifestar com discernimento.

459 VIAMÃO. Lei Nº 3.530, de 29 de dezembro de 2006. Institui o plano diretor, define princípio, políticas,

estratégias e instrumentos para o desenvolvimento municipal e para o cumprimento da função social da propriedade no município de Viamão e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camaraviamao.rs.g ov.br/wp-content/uploads/2013/01/plano_diretor.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015.

460 OLIVEIRA, Fabricio Leal de; BIASOTTO, Rosane. O acesso à terra urbanizada nos planos diretores

brasileiros. In: SANTOS JÚNIOR, Orlando; MONTANDON, Daniel Todmann. (Orgs). Os planos diretores

municpais pós-estatudo da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital; Observatório

No contexto, desde a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, e no prazo final para a elaboração dos PDPs, incialmente para 2006 e estendido para em 2008 (art. 50, EC/2001), o prazo foi curto para a compreensão dos novos instrumentos e também para elaboração para leis municipais. É sabido que, no prazo de dez anos, a lei que instituiu o PDP de cada cidade deverá ser revista (art. 40, § 3º, EC/2001) e, desta forma, o reconhecimento dos entraves no planejamento urbano será de grande valia para que as experiências futuras tenham maior êxito na articulação entre governo e sociedade civil. De todo o modo, a avaliação periódica de políticas públicas e de instrumentos que viabilizam a redução de desigualdades, tem o valor intrínseco de motivar (ao menos) a superação dos defeitos encontrados.

Diante de todo o exposto, a título de fechamento desse capítulo, cabe ponderar os pontos relevantes e características em comum das análises feitas, a fim de colaborar com a afirmativa de que existe um déficit de efetividade da participação popular para gestão democrática do território urbano brasileiro.

As 11 cidades analisadas dos três Estados do Sul país possuem suas peculiaridades e preocupações diversas, certamente: a cidade de São José do Norte/RS, por exemplo, possui parte de sua área em APP e UC, com ocupações irregulares e de risco, e com dificuldades na regularização fundiária; o Município de Viamão/RS, no seu turno, mantém reservas de comunidades tradicionais (indígenas, remanescentes de quilombos e colônia de pescadores), com pressões econômicas para a supressão ou redução dessas áreas; enquanto na cidade de Maringá/PR, parte da população que foi aos debates, não visualizava os problemas socioespaciais decorrentes do crescimento acelerado em região metropolitana.

Dessas experiências, chamou à atenção a cidade de Santa Maria/RS que foi a única a relatar a inclusão de crianças e adolescentes em atividades escolares vinculadas à elaboração do PDP, com intuito de estimular a percepção da importância da cidadania. Esta atitude refletiu nos pais e nos professores, de maneira direta e indiretamente. O município também criou o Escritório da Cidade (espaço físico de acesso à população para acompanhar os procedimentos realizados internamente pela equipe responsável da atualização do PD), muito embora tenha sido pouco utilizado pela população. Por fim, o Banco de Experiências de Santa Maria destacou a participação da Câmara de Vereadores em todos os procedimentos de elaboração do Plano, incluindo os executivos e técnicos. Esse dado, único das onze cidades analisadas, conferiu eficiência na aprovação do projeto em lei, na Câmara Municipal, uma vez que não havia muito a ser verificado no texto por parte dos vereadores.

São José/SC, ao contrário, não contou com a participação da Câmara de Vereadores nessas etapas, “por dificuldades em envolver os representantes do legislativo”, tanto que o projeto foi alterado durante a tramitação e aprovado, com texto muito diferente daquele acordado em audiência pública, pela população e pela administração executiva. A lei do PD, dessa forma, foi questionada no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mediante Ação Direta de Inscontitucionalidade n. 2010.079409-8. O Tribunal entendeu que não houve, de fato, o cumprimento da previsão legal de participação popular em audiências públicas.

Essa questão remete ao instrumento da gestão democrática que, como já demonstrado, consiste também na fiscalização e acompanhamento por parte da coletividade. O Ministério Público deve assumir papel importantíssimo na produção do espaço urbano, tanto que no Banco de Experiências de São José do Norte/RS ficou estabelecida a obrigatoriedade do acompanhamento do órgão para as regularizações fundiárias, ponto principal do PD daquela cidade.

Na quase totalidade das análises, há relatos da dificuldade em conciliar o curto tempo para construção do PD e a falta de estrutura (técnica e financeira). Entretanto, o ponto crucial, que toca diretamente o problema de pesquisa proposto, é a inconsistência das metodologias a serem empregadas para a efetivação da participação popular, bem como a total falta de consenso sobre o sentido e a finalidade das audiências públicas. Londrina/PR foi o único município que relatou facilidade na organização dos trabalhos com recursos próprios. Algumas cidades contrataram consultorias particulares para auxiliarem nos procedimentos de organização dos trabalhos, bem como na coordenação dos debates comunitários. Ressalta-se que a cidade de Bagé/RS foi a única a relatar que obteve financiamento da Caixa Econômica Federal, que custeou a contratação da empresa de consultoria LATUS – Consultoria, Pesquisa e Assessoria de Projetos LTDA. Os municípios de Pelotas/RS e de Santa Maria/RS contrataram a mesma empresa de consultoria Fundação Cepa (Centro de Estudos e Projetos Ambientais com sede em La Plata, Argentina e em Porto Alegre/RS) e verificou-se que a metodologia empregada (Ideias Força) é a mais próxima às recomendações do Guia Plano direito Participativo: Guia para a Elaboração dos pelos Municípios e Cidadãos, criado pelo Ministério Público e CONFEA. Já o município de Araucária/PR relatou dificuldades na organização das metodologias de trabalho, principalmente pela ideia, por parte da Prefeitura da época, de que o PD é uma atividade estritamente técnica.

Araucária/PR também relatou a dificuldade de integração das Secretarias Municipais e que, depois de algumas das oficinas realizadas com a população, não foram repassadas informações de debates internos para a comunidade.

Por seu turno, Castro/PR relatou limitações no fortalecimento de grupos historicamente excluídos. Nos debates, tais grupos tinham menor autonomia de decisão do que grupos dominantes e mais articulados: exemplificando, foi proposto que o projeto do PD preveria incentivo ao pequeno produtor rural. O texto encaminhado para a Câmara não continha a palavra “pequeno”, o que possibilitou a inclusão de incentivo a qualquer produtor rural, inclusive latifundiário.

A vontade da população em participar se mostrou um ponto positivo: Pelotas/RS, por exemplo, possui forte intenção participativa, muito embora o relatório tendo apresentado grupos de pessoas sem vinculação de representações, o que os deixa, na prática, fora do debate de interesses. Já Viamão/RS relatou que as comunidades tradicionais foram as mais ativas nas audiências públicas. O Município de Chapecó atentou para o fato que nem sempre foi permitida a manifestação da população nas audiências, fator que enfraquece a ideia de construção coletiva do Plano de cidade desejável por todos. O município, ainda, relatou a enorme falta de conhecimento dos assuntos debatidos por parte da população.

No município de Maringá/PR, chamou a atenção o fato de que a maioria da população, acostumada com parques, estruturas novas e centrais, sequer reconhecia a falta de moradia – demanda existente nas periferias da cidade – o que evidencia o muro invisível de segregação entre ricos, classe média e pobres. Fatores como a mercantilização do espaço e o embelezamento de áreas centrais acabam por esconder as mazelas do desenvolvimento acelerado. O direito à cidade sustentável engloba a moradia e a qualidade de vida de toda a população, bem como o ambiente ecologicamente equilibrado, sem distinções de classes ou distritos.

Por fim, constatou-se que inúmeras foram as metodologias utilizadas em todas as fases dos procedimentos de construção do PD nas cidades analisadas, fator que pode ser considerado positivo ou negativo, dependo da experiência. Ressalta-se que, não obstante as experiências apresentadas tratarem dos primeiros procedimentos participativos pós EC/2001 – o que por si só precisa ser explicitado e analisado –, o que chama mais a atenção e poderia ser argumentado é que, atualmente, quase dez anos depois, as devidas adequações já foram tomadas, seja por utilização das Resoluções do ConCidades ou pela fixação das diretrizes participativas no próprio Regimento Interno de cada Câmara Municipal. Entende-se que a essa fixação diz

respeito tão somente às audiências públicas que ocorrem no legislativo. Outras diretrizes deveriam ser criadas para as audiências convocadas pelo Poder Executivo.

Essas contradições são explicitadas quando se verifica o grande número de processos questionando a participação da população, nos Tribunais do país. Em pesquisa nos três Tribunais do Sul do país, delimitação condizente com os Estados trabalhos acima, apenas nos anos de 2010 a 2014, foram encontrados sete processos julgados procedentes, isto é, tendo sido comprovado que, de fato, os municípios ali julgados não cumpriram com os preceitos da lei do Estatuto da Cidade de 2001 no que se refere à participação popular na construção do PDP. São os julgados:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível Nº

70057716334, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. João Barcelos de Souza Junior,

Julgado em 16/04/2014, DJ 28/04/2014;

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível Nº

70055792865, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Roberto Lofego Canibal,

Julgado em 11/12/2013, DJ 28/01/2014;

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Ação Direta de

Inconstitucionalidade Nº 70029607819, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 25/01/2010, DJ 16/03/2010. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Ação Direta de

Inconstitucionalidade Nº 2010.026764-9, Órgão Especial, Rel. Des. Moacyr de

Moraes Lima Filho, Julgado em 21/05/2014;

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Ação Direta de

Inconstitucionalidade Nº 2010.079409-8, Des. Rel. Salim Schead dos Santos,

Julgado em 07/08/2013;

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Ação Direta de

Inconstitucionalidade Nº 2013.004015-2, Órgão Especial, Rel. Des. Marcus Tulio

Sartorato, Julgado em 17/04/2013.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. Agravo de Instrumento. Nº 4.1059705-

2 (Acórdão), Rel. Des. Maria Aparecida de Lima, 4ª Câmara Cível, Julgado em

20/05/2014, DJ 24/06/2014.

Desta forma, sustenta-se que, ao não definir em seu texto de lei a metodologia ser seguida para organização das etapas de construção do PD, o EC/2001 deixou margem para diversas interpretações, facilitando distorções acerca do instituto da audiência pública. Essa inconsistência resultou, inclusive, na sobrecarga de ações judiciais fulcradas na questão da análise da efetividade (ou não) da participação popular na gestão democrática do planejamento urbano. Faz-se urgente, pois, o investimento teórico e legislativo para o melhoramento do

modelo democrático posto hodiernamente, contribuindo para o debate acerca da participação popular na proteção do ambiente natural e urbano.

CONCLUSÃO

A presente dissertação teve como pretensão verificar a capacidade da gestão democrática do planejamento urbano, consoante os dispositivos legais do Estatuto da Cidade/2001, diante daquele que é o seu instrumento mais inovador: a audiência do Plano Diretor Participativo. Para tanto, três capítulos foram elaborados. O primeiro, de ordem mais teórica-conceitual; o segundo, que contém o mapeamento e interpretação da legislação referente ao instituto e, por último, a explicitação e análise de experiências participativas em onze cidades do Sul do país.

No Capítulo 2 foram abordadas as potencialidades da democracia participativa face à crise de representação política, isto é, a compatibilidade entre democracia representativa e democracia participativa, em busca de soluções jurídicas de ordem coletiva para um problema civilizacional, no sentido mais amplo do termo. Avaliou-se também a evolução dos modelos de planejamento urbano, observando-se que a Constituição de 1988 e a legislação subsequente romperam com os modelos aplicados até final da década de 1980, que não condiziam com a realidade das cidades brasileiras. O modelo de planejamento atual viabiliza a contribuição da sociedade no projeto de cidade a ser construído por todos, nos termos previstos na lei. Concluiu-se que o direito à cidade não se restringe ao usufruto de garantias e bens públicos, mas alcança também um significado mais amplo, que implica o direito de participação da população na construção do projeto de cidade, tarefa compartilhada entre técnicos, administração pública (executiva e legislativa) e sociedade.

Em contraponto, a mercantilização da cidade foi apresentada com um dos principais entraves para a ampliação da igualdade socioespacial e, de maneira geral, da concretização de direitos sociais e ambientais. Por fim, para buscar o suporte teórico necessário para compreender todos esses questionamentos no plano do Direito, utilizou-se a obra Propriedade e função social na Pós-modernidade, de José Isaac Pilati. Verificou-se, a partir desta incursão teórica que a dimensão das propriedades especiais constitucionais e o resgate a ideia do coletivo enquanto titular de direitos descortinam a possibilidade de um processo autenticamente participativo na construção do PD.

No Capítulo 3 realizou-se o mapeamento de metas, princípios e instrumentos participativos previstos desde o plano internacional, que permitiram contextualizar de maneira mais adequada o tema central da presente dissertação, até a previsão da audiência pública do

PDP, conforme EC/2011. Com a mesma finalidade, foram apresentadas as orientações e recomendações criadas pela ConCidades (Resolução Nº 25, de 18 de Março de 2005 e Resolução Nº 34, de 01 julho de 2005) no intuito de conferir maior efetividade ao planejamento urbano democrático. Tal capítulo apresentou a importância da participação popular na defesa do meio ambiente, com enfoque na gestão e tutela do meio ambiente urbano. Evidenciou-se, de maneira coerente, a evolução desse instrumento ao longo dos anos, desde os documentos oficiais derivados das Conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, passando pela previsão constitucional até o PDP.

A Convenção de Aarhus foi citada como exemplo comparado de legislação, no âmbito da União Europeia, que estabelece normas de participação claras, com interessante balizamento do papel de cada ator social envolvido: população em geral, membros governamentais e entidades representativas. Fez-se notar, ainda que sem oferecer um posicionamento definitivo, a possibilidade de assinatura e ratificação deste instrumento pelo governo brasileiro. Concluiu-se que, independente de qual o instrumento a ser adotado no Brasil, o grau de sofisticação da referida Convenção torna óbvio o quão necessário é o enfrentamento dessa temática, argumento corroborado com a análise de casos concretos, no âmbito municipal. Também foram apresentados, durante o Capítulo 3, mecanismos legais brasileiros de participação popular (audiências públicas, participação direta e indireta), aplicáveis tanto em tomadas de decisões e construção de metas/planos, como na criação de legislações que visam assegurar um ambiente natural e urbano sadio à qualidade de vida. Fez- se menção também à PNPS e ao SNPS, legislação aprovada em 2014, que prevê diretrizes gerais para assegurar um diálogo direto entre governos e população – iniciativa, esta, bastante positiva, muito embora seus resultados não possam ainda ser avaliados.

A análise do Capítulo 3, à luz do marco teórico constituído do capítulo anterior, permitiu concluir que a forma como as audiências públicas aparecem nos textos legais (assim como a forma pela qual estes dispositivos são geralmente interpretados) não constituem a causa da ingerência dos interesses econômicos e das decisões despidas de legitimidade política e científica (afinal, trata-se de um fenômeno multicausal). Não obstante, pode-se concluir com clareza que a falta de densidade normativa destes dispositivos tende a facilitar e, de certo modo, a viabilizar esta ingerência.

Diante das dificuldades (tanto teóricas quanto práticas) que cercam a temática, dividindo opiniões de acadêmicos, de administradores, e dos atores sociais (organizados ou não), perguntou-se, consoante a metodologia apresentada, pelo sentido das audiências do PDP,

no contexto das transformações do direito e da sociedade neste início de século, alegando que o caráter de “simples consulta” tende a convertê-la em formalismo vazio, obstando a eficácia de ações políticas e dos argumentos de ordem técnica e científica, voltados ao conteúdo substancial do “direito à cidade”, consoante os ideais plasmados na legislação.

Esta conclusão parcial foi submetida a teste, a partir deste ponto do trabalho, procurando-se corroborar o argumento com os problemas de efetivação da gestão democrática em experiências empíricas. O Capítulo 4 comportou uma série de análises referente aos dados informados no Banco de Experiências do Plano Diretor Participativo, do Ministério das Cidades, das onze cidades do Sul do país, disponíveis durante o percurso da pesquisa de mestrado: Araucária, Castro, Londrina, Maringá, Chapecó, São José, Bagé, Pelotas, Santa Maria, São José do Norte e Viamão. Buscou-se utilizar um procedimento padronizado de análise para todos municípios em questão. Este procedimento consistiu na descrição dos relatos, mediante informações gerais de cada munícipio (número de habitantes na época da experiência, contexto econômico e social), fixação ou não do munícipio em aglomeração urbana ou região metropolitana, data e descrição das experiências, principais recomendações, alertas e aprendizados da experiência, principalmente no que dizia respeito ao seu caráter participativo.

Desde os primeiros contatos com material do Banco de Experiências, foi possível identificar os seguintes grupos de problemas, dentre outros:

(i) falta de esclarecimento, tanto da população quanto de funcionários públicos, acerca do sentido e da finalidade da gestão democrática;

(ii) a tendência ainda tecnicista, por parte da administração pública, no sentido de que a criação do Plano Diretor é vista como tarefa exclusiva dos profissionais da área;

(iii) a presença permanente de pressões de ordem econômica que tentam obter privilégios do processo de decisão, geralmente com sucesso;

(iv) o cenário de apatia política, isto é, o distanciamento do cidadão dos processos decisórios, principalmente dos grupos sociais mais vulneráveis, com algumas exceções;

(v) o predomínio de informações não disponíveis ou pouco precisas;

(vi) grande número de processos judiciais contestando a legalidade do conteúdo aprovado em lei, o que denota a normalidade do sentimento de insegurança jurídica.

Das análises anteriores, verificou-se que, mesmo com todo o auxílio técnico, profissional e financeiro, bem como incentivos de diversas ordens, por parte do Ministério das Cidades461, existem pontos de divergência ou dúvidas, por parte do poder público e da coletividade, acerca da maneira adequada de condução da audiência pública. Não obstante as recomendações estabelecidas pelas Resoluções Nº 25/2005 e Nº 34/2005, do Conselho das Cidades, a criação dos PDs ainda é considerada um laboratório de ideias, experiências e testes. A importância de análises qualitativas dessas experiências justifica-se pela tentativa de compreensão de todos os instrumentos disponíveis no EC/2001 e, também, a fim de evidenciar possíveis falhas ou insuficiências legislativas e operacionais na gestão democrática, para minimizar as desigualdades socioespaciais do país. A título de amostragem e para comprovar a carência de entendimento ou maiores regulamentações legais, afirmou-se a sobrecarga do judiciário com a temática trabalhada: sete julgados procedentes, dos três Tribunais do Sul do país, reconhecendo que não houve observância na participação popular na elaboração do PDP, de 2010 a 2014. Em outras palavras, os municípios demandados não cumpriram com os preceitos mínimos da lei do Estatuto da Cidade, de 2001, no que se refere à participação popular, mediante audiência pública.

Conclui-se que a lei que regulamenta a Política Urbana não apontou a metodologia a ser utilizada na condução dos debates e tampouco o que deveria ser feito com os resultados obtidos, não obstante a previsão de obrigatoriedade e audiências públicas, sob pena de responsabilização da Administração. As Resoluções do Conselho das Cidades oferecem parâmetros metodológicos para a condução do procedimento de elaboração do PDP (publicidade e ampla divulgação das audiências e dos conteúdos; como formal a equipe que fiscalizará os trabalhos; de que o diálogo com a população de utilizar de linguajar acessível, etc.). Entretanto, há parte da doutrina que entende o Conselho das Cidades está apto a emitir as resoluções, porém, que se tratam de recomendações e orientações, sem caráter coercitivo, podendo ou não ser seguidas. Ainda, há pensadores que afirmam que caberá à Câmara de Vereadores de cada município estipular as diretrizes, bem como o número de audiências públicas necessárias para a construção do PDP, no seu Regimento Interno (utilizando com modelo as diretrizes do ConCidades).