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3 O REGIME JURÍDICO DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO EM SEU

4.1 O Banco de Experiências e a Audiência do Plano Diretor

4.1.2 Bancos de Experiências no Paraná

4.1.3.2 São José: macrozoneamento e participação popular (2001-2004)

A cidade de São José também possui obrigatoriedade de elaboração do PDP, uma vez que, segundo do Censo IBGE de 2000, possuía 173.559 habitantes e já integrava região metropolitana e aglomeração urbana. O Banco de Experiências disponível trata-se da temática de “Participação na definição do macrozoneamento e diretrizes estratégicas na revisão do Plano Diretor” e os procedimentos iniciaram-se em 2003401.

De caráter acessório à capital catarinense, por sua proximidade, o município de São José desenvolveu-se, inicialmente, na produção de insumos agrícolas enviados para Florianópolis; depois da década de 1970, sua economia diversificou-se, mediante instalação

400 Todos os dados utilizados para este item foram retirados da ficha padrão do Banco de Experiências do

Muncípio de São José. BRASIL. Ministério das Cidades. Banco de Experiências de Planos Diretores Participativos. São José. Participação na definição do macrozoneamento. Disponível em: <http://www.cidades. gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/ExperienciasEstados/SaoJose_ParticipacaoSC.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2014.

de indústrias (impedidas de fixarem-se em Florianópolis) e pela ampliação do comércio, a fim de atender a demanda das populações migratórias de outras partes do Estado, principalmente pelo alto custo imobiliário da capital402. A expansão da malha urbana ocorreu de maneira desordenada, conforme o Banco de Experiência, em razão da falta de legislação de ordenamento do uso e ocupação do solo403.

Nesta experiência, há relatos da existência de cultura de associativismo em alto do grau de desenvolvimento, fator que colaborou, nos termos do relatório estudado, na organização e na “participação dos delegados no processo de revisão do Plano Diretor”; eram, há época, 35 associações comunitárias de diversos segmentos da comunidade mas, principalmente ligados à Igreja Católica404.

A metodologia utilizada na organização dos trabalhos para o processo de revisão do PD de São José, em 2003, consistiu na contratação de consultoria da Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catariana, da Universidade Federal de Santa Catarina (FEESC/UFSC), responsável também pela elaboração do Código de Obras, Postura e Meio Ambiente da cidade, com análise de equipe da Secretaria Extraordinária para o Desenvolvimento Urbano da Prefeitura405.

Os eventos de divulgação, comunitários e setoriais, de leituras técnica e comunitária, oficina de planejamento estratégico (com os 40 delegados eleitos) e, por fim, o de fechamento da proposta de projeto de lei para envio à Câmara de Vereadores, ocorreram entre maio de 2003 e outubro de 2004406.

No item recomendações, alertas e aprendizados, retira-se do Banco de Experiências de São José: (i) “dificuldade em envolver os representantes do legislativo no processo de discussão do Plano, o que pode levar a alteração no Projeto de Lei durante a tramitação na Câmara de Vereadores”; (ii) nos eventos comunitários houve debate de assuntos diversos aos do projeto do novo Plano Diretor, fator identificado pela equipe de consultoria de grande importância para flexibilização do debate entre técnicos, população e poder executivo; (iii) utilização de linguagem acessível para a população, com bom rendimento para os delegados eleitos, porém “o plano diretor permanece distante da grande maioria da população, mesmo havendo empenho em convocar audiências aos a finalização de cada etapa”; (iv) dificuldade de conciliar o processo participativo com a demanda de tempo e logística: “capacitação,

402 Ibid. 403 Ibid. 404 Ibid. 405 Ibid.

construção de agendas de reuniões, temas e metodologias de participação, mobilização, divulgação ampla e em linguagem adequada, etc.”, ocorrendo, desta forma, “choque” da participação popular com a “linearidade e rigidez – de tempo e de recursos”407.

Em conclusão, com as informações deste banco de dados, pode-se afirmar que houve desacordo com o EC, art. 40, § 4º, inciso I. A dificuldade de conciliar o debate também com os representantes do legislativo, que não comparecerem nas reuniões. Reafirma-se que é de competência do legislativo e executivo organizar o debate com a participação da população e associações representativas, mediante audiência pública.

Ainda, no texto estudado, ficou implícito que o legislativo faria alterações no texto do projeto enviado, em desacordo com o posicionamento do Poder Judiciário. No julgado de Ação Direita de Inconstitucionalidade n° 142.426-0/0-00, o Tribunal de Justiça de São Paulo definiu:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR N° 35/10.10.2006 DO MUNICÍPIO DE LENÇÓIS PAULISTA, QUE DISPÕE SOBRE O "PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO, AS AÇÕES ESTRATÉGICAS, O SISTEMA E O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE LENÇÓIS PAULISTA, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS" SUSTENTADA INCONSTITUCIONALIDADE DE TRECHO DO INCISO II, DO ART. 17, E DO INCISO X, DO ART. 35, MANTIDOS E PROMULGADOS PELO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL APÓS REJEIÇÃO DOS VETOS APOSTOS PELO ALCAIDE ÀS EMENDAS LEGISLATIVAS N° S 5 E 10, QUE OS ACRESCENTAVA - DEPOIS DE OUVIR E DEBATER COM A POPULAÇÃO E COM AS ASSOCIAÇÕES REPRESENTATIVAS DOS VÁRIOS SEGUIMENTOS DA COMUNIDADE, QUEM ELABORA O PLANO DIRETOR E DETÉM INICIATIVA DE EM LEI TRANSFORMÁ-LO, COMO INSTRUMENTO BÁSICO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO E EXPANSÃO URBANA, É O CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL, POIS DITO PLANO, NOS EXPRESSOS TERMOS DO § 1 ° DO ART. 40 DA LEI N° 10.257/10.07.2001 (ESTATUTO DA CIDADE) É PARTE INTEGRANTE DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO MUNICIPAL, DEVENDO O PLANO PLURIANUAL, AS DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS E O ORÇAMENTO ANUAL INCORPORAR AS DIRETRIZES E AS PRIORIDADES NELE CONTIDAS. À CÂMARA MUNICIPAL, POR CONSEGUINTE, CABE

APROVÁ-LO, COMO EXPRESSA LITERALMENTE O § 1° DO ART. 182 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SEM PODER VIA EMENDAS MODIFICÁ-LO, AINDA MAIS SE DESSE PROCESSO ALIJOU O POVO E O DIREITO QUE ESTE TEM DE INFLUENCIÁ-LO - VIOLAÇÃO AOS

ARTIGOS 4º, 5°, 37, 47, II E XIV, 144, 180, CAPUT E II, E 181 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - AÇÃO PROCEDENTE408. (sem grifos no

original)

Desta forma, não cabe ao Poder Executivo alterar a legislação de planejamento da cidade, construída democraticamente, nos termos do EC, como lhe é permitido pelo processo

407 Ibid.

408 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ação Direta de Inconstitucionalidade. N°

legislativo comum. O entendimento da doutrina brasileira traz as mesmas diretrizes. Pilati leciona que, hodiernamente, o Prefeito possui a função de administrador, “pois auxilia, subsidia, atende e cumpre as deliberações da Assembleia [...]; e à Câmara de Vereadores, que não define o conteúdo do Plano Diretor, mas aprova ou veta. Não aprovado volta à discussão; aprovado, é Lei”409. Assim, não cabe ao legislativo, modificar o conteúdo do texto elaborado

de maneira coletiva e democrática pelo Estado, Sociedade e Indivíduos. Seu papel, especificamente no que diz repeito ao PD, é de aprovar ou vetar o projeto encaminho para a Câmara.

Outra dificuldade encontrada no procedimento de debate e reuniões com a comunidade e com os delegados eleitos de São José, refere-se à metologia aplicada, tanto no diálogo com o população, como na conciliação de prazo de elaboração do projeto de lei e dos recursos disponíveis para tanto. É evidente que tais dificuldades de metodologia de diálogo refletem na falta de parâmetros claros na lei do EC. Entende-se que o balizamento do papel de cada ator social com diretrizes procedimentais para as audiências públicas, não somente com caráter de recomendação, como atualmente é estabelecido pela Resolução Federal do Conselho das Cidades nº 25/2005, é fudamental para o bom funcionamento dos trabalhos em audiências públicas.

Muito embora esse processo de modificação do PD de São José tenha ocorrido em momento anterior à públicação da Resolução nº 25/2005, observa-se que sua elaboração veio sanar dúvidas frequentes nos debates, na divulgação das audiências, enfim, no procedimento a ser empregando quando da modificação ou elabroação do PD. O banco de experiências divulgado não contempla as datas de envio à Câmara Municipal, nem de aprovação ou não aprovação da lei.

Recentemente, as Lei nº 4.904, de 08 de dezembro de 2009 (que altera o Plano Diretor de São José – lei 1.604/85), Lei nº 4.923, de 09 de dezembro de 2009 (que regulamenta a outorga onerosa do direito de construir) e Lei nº 4.930, de 10 de dezembro de 2009 (que regulamenta a transferência do direito de construir) foram analisadas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mediante Ação Direta de Inscontitucionalidade n. 2010.079409-8, Rel. Des. Cesar Abreu, por falta de participação popular nos procedimentos de alteração das legislações referidas. A decisão cautelar entendeu que não houve cumprimento dos dispositivos legais do EC, na obrigatoriedade de audiência pública, e suspendeu a eficácia das duas últimas leis citadas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ/SC. LEGITIMIDADE ATIVA DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA COMARCA. CÂMARA DE VEREADORES. ÓRGÃO DO QUAL EMANOU O ATO NORMATIVO IMPUGNADO (VÍCIO FORMAL NO PROCEDIMENTO LEGISLATIVO DE ELABORAÇÃO DAS LEIS OBJURGADAS). INFORMAÇÕES A SEREM PRESTADAS, NO PRAZO DE 30 DIAS, NOS MOLDES DO ART. 6º E PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 12.069/2001. LEI N. 4.904/09: ADEQUA OS ARTS. 1º E 3º DA LEI N. 1.604/85 (PLANO DIRETOR) AO ESTATUTO DA CIDADE (LEI FEDERAL N. 10.257/01).INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE VISLUMBRA, POR ORA, ANTE A DESNECESSIDADE, EM TESE, DA PARTICIPAÇÃO POPULAR. LEIS N. 4.923/09 (DISCIPLINA SOBRE A OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR ) E N. 4.930/09 (REGULAMENTA A TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR) . PROCESSO LEGISLATIVO. INEXISTÊNCIA DA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA

PÚBLICA COMOMODO DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA

POPULAR.CONFRONTO APARENTE COM OS ARTIGOS 1º, IIIE IV (CF,

ART. 1º, II E III); 16, CAPUT (CF, ART. 37, CAPUT );111, X (CF, ART. 29, II) E 141, III, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PRESENÇA DO PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PARCIALMENTE410. (sem grifos no original)

A autuação do Ministério Público tem se mostrado essencial para trazer à tona a confusão e os interesses que estão por trás do planejamento urbano no país. Pilati esclarece que a dificuldade está em compreender a essência do processo que é participativo e não representativo: “é processo diferente do tradicional [...] aprova ou rejeita o projeto da instância popular, mas não toca no conteúdo, que é da alçada do processo participativo”411. Em caso de

rejeição, continua o autor, “rediscute-se na pior das hipóteses, submete-se a referendo popular o projeto, na forma do Estatuto da Cidade”412. Ocorre que, sem os procedimentos fixados na

legislação nacional (EC), as dificuldades, aliadas aos diversos interesses em torno do espaço urbano, serão persistentes.