• Nenhum resultado encontrado

experiência pautada na Educação Popular

No documento EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE (páginas 92-96)

O Curso de Formação Histórica e Política para Estudantes das Áreas da Saúde, ou Curso FHP, não se produz de forma dissociada de outros processos da EP&S e dos encontros entre atores institucionais.

4 Charles Maguerez foi um engenheiro francês envolvido em processos de capacitação de adultos, apoiados por uma agência francesa denominada SATEC. Desenvolveu, ao que se sabe, uma única obra de caráter mais técnico que pedagógico, voltada para a capacitação de trabalhadores analfabetos da África de colonização fran-cesa (citada na bibliografia). Esteve no Brasil na década de 1960, em atividades pedagógicas de extensão rural no Estado de São Paulo, das quais Juan Díaz Bordenave também participou e nas quais conheceu o Método do Arco, que levou para a Pedagogia da Problematização.

FORMAÇÃO HISTÓRICA E POLÍTICA PARA ESTUDANTES DAS ÁREAS DA SAÚDE EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE

No campo da EP&S, a proposta de desenvolver processos formativos em diversos níveis já fazia parte das discussões dos coletivos ANEPS-Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de EP&S, GT-EPS-Grupo de Educação Popular e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva-ABRASCO, Rede de Educação Popular e Saúde (REDEPOP) e Articulação Nacional de Extensão Popular em Saúde-ANEPOP. Entre os anos de 2010 e 2015, diversas iniciativas foram discutidas e concretizadas por esses coletivos, com apoio do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria da Gestão Estratégica e Participativa na Saúde-SGEP, e no marco da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS (PNEPS-SUS).

O Curso FHP nasce de diálogos e reflexões acerca da importância da formação política de graduandos e daquelas indagações que já vínhamos tecendo a respeito das possibilidades de se instaurar processos formativos pautados pela EP&S dentro da grade curricular, como atividade de extensão. Os atores institucionais que teceram as primeiras reflexões a respeito dessa formação foram docentes e pesquisadores do Rio de Janeiro, especificamente da Faculdade de Enfermagem da UERJ e da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz.

Uma primeira proposta de Curso, a ser financiado pela SGEP, foi desenhada em 2012, e compôs um conjunto de ações de comunicação e formação a serem desenvolvidas pela UERJ. A ideia preliminar era pouco ambiciosa: buscar parcerias de algumas instituições formadoras da área da saúde no Estado do Rio de Janeiro, tanto públicas como privadas, por meio de contato com docentes que reconhecíamos como pessoas sensíveis à temática e comprometidos com a formação crítica (DAVID et al., 2018).

Ocorre que a informação circula — e, ao circular entre outros companheiros docentes e pesquisadores de outros estados do país, começamos a receber pedidos de adesão e a vocalização do desejo de contribuir no projeto. Ao longo de 2013, pudemos agregar 23 universidades e centros formadores públicos e privados de 13 Unidades Federativas e mais o Distrito Federal, apresentados no Quadro 1:

Quadro 1 - Instituições de Ensino Superior participantes do Curso Formação Histórica e Política

Estado Instituição de Ensino Superior

Alagoas Universidade Federal de Alagoas - Faculdade de Medicina - Núcleo de Saúde Pública/Laboratório de Educação Popular Bahia Universidade Federal da Bahia - Instituto de Humanidades, Artes e Ciências - Bacharelado Interdisciplinar em Saúde Ceará Universidade do Estado do Ceará - Centro de Ciências da Saúde - Curso de Enfermagem Distrito

Federal

Escola Superior de Ciências da Saúde Universidade de Brasília (UnB)

Goiás Universidade Federal de Goiás - Faculdade de Enfermagem e Faculdade de Odontologia Minas

Gerais Universidade Federal de Minas Gerais – Núcleo de Estudos Trabalho & Educação Paraíba

Universidade Federal da Paraíba – Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários – Coordenação de Educação Popular (COEP) - Centro de Ciências da Saúde - Departamento de Promoção da Saúde; Departamento de Fisioterapia, Departamento de Fonoaudiologia e Departamento de Enfermagem Clínica

Pernambuco Universidade Estadual de Pernambuco – Núcleo Integrado de Saúde Coletiva

Piauí

Universidade Federal do Piauí (Campus Senador Helvídio Nunes de Barros – Picos) - Bacharelado em Enfermagem

Universidade Federal do Piauí (Campus Amílcar Ferreira Sobral - Floriano) - Bacharelado em Enfermagem

Universidade Federal do Piauí (Campus Ministro Reis Veloso - Parnaíba)

Universidade Federal do Piauí – Centro de Ciências da Saúde/ Bacharelado em Medicina

Universidade Federal do Piauí – Centro de Ciência da Saúde/Bacharelado em Odontologia

Rio de Janeiro

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Enfermagem Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Instituto de Nutrição

Universidade Federal Fluminense - Instituto de Saúde da Comunidade - Departamento de Planejamento em Saúde e Departamento de Saúde e Sociedade

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Campus Macaé) – Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, Curso de Enfermagem e Obstetrícia e Curso de Nutrição Universidade Federal do Rio de Janeiro (Campus Fundão) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva e Faculdade de Medicina

Faculdade Arthur Sá Earp Neto - Faculdade de Medicina

Universidade Centro Universitário Augusto Motta - Curso Bacharel em Enfermagem Rio Grande

FORMAÇÃO HISTÓRICA E POLÍTICA PARA ESTUDANTES DAS ÁREAS DA SAÚDE EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE

Estado Instituição de Ensino Superior

Santa Catarina

Universidade Federal de Santa Catarina - Centro de Ciências da Saúde - Departamento de Nutrição

Universidade do Planalto Catarinense – Pró-Reitoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação (Curso de Enfermagem, Curso de Medicina e Curso de História)

Universidade do Vale do Itajaí – Curso de Pós-Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho

Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Programa de Mestrado em Políticas Sociais, Dinâmicas Regionais e em Ciências da Saúde; Curso de Psicologia e Curso de Enfermagem

São Paulo

Universidade de São Paulo (Campus Ribeirão Preto) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Universidade de São Paulo (Campus São Paulo) - Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva

Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Metodologia de Ensino, Departamento de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Educação, Departamento de Educação Física e Motricidade Humana, Unidade de Atendimento à Criança

Sergipe

Universidade Federal de Sergipe – Departamento de Serviço Social, Departamento de Medicina, Departamento de Terapia Ocupacional, Departamento de Farmácia, Departamento de Enfermagem, Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde, Pró-Reitoria de Extensão

Universidade Federal de Sergipe (Campus Lagarto) - Departamento de Educação em Saúde

Fonte: David et al, 2018.

O desafio seguinte foi o de desenhar um processo efetivamente participativo e dialógico para a construção do projeto do Curso. A modalidade de extensão universitária já havia sido definida, assim como negociada nas instâncias universitárias da UERJ para fins de futura certificação. Ainda assim, como construir coletivamente uma proposta nacional capaz de contemplar a diversidade de cenários e territórios?

A opção metodológica foi a de desenvolver uma série de oficinas presenciais trazendo os docentes das universidades para o Rio de Janeiro, para trabalhos de imersão de dois ou três dias, o que foi garantido pelo apoio financeiro da SGEP. Além dos docentes, pessoas de movimentos sociais foram incluídas, representações estudantis e também docentes da UERJ responsáveis pelo desenvolvimento de um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), já que o Curso se desenvolveu na modalidade semipresencial.

Foram realizadas três oficinas: as duas primeiras, em outubro e novembro de 2013, resultaram na construção do Projeto Político-Pedagógico, da identidade visual, das diretrizes para elaboração do material didático-pedagógico e do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), bem como na formação da equipe de coordenação geral do curso. A terceira oficina, realizada em dezembro de 2014, teve como objetivo principal promover uma avaliação da primeira edição do Curso FHP, além de traçar e definir orientações para elaboração de materiais educativos com a produção do curso.

Cabe explicitar que o termo “formação”, trazido para caracterizar o Curso, foi bastante discutido pelo grupo formador, a partir de Cattani e Spíndola (2006):

O termo ‘formação’ foi problematizado e questionado, pois, a rigor, o curso, na modalidade de extensão e semipresencial, não pretendeu conduzir um processo formativo, no sentido mais amplo do termo. No entanto, a ideia de denominá-lo como ‘capacitação’ ou ‘reflexão’ também não pareceu aderir aos objetivos do curso e, ao final, optou-se por manter o termo inicial. Esta opção busca, também, demarcar uma concepção que rompe com a ideia tradicional e mais difundida (e mais restrita) de formação como processo operacional, técnico e subproduto do sistema educacional. Esta alternativa é, portanto, parte de um debate mais profundo e crítico sobre a relação educação-trabalho, numa perspectiva de resgate da positividade do trabalho, na qual o ser humano pode criar e ser recriado, não apenas trabalhar para sobreviver (DAVID et al, 2018, p.7).

Construiu-se como objetivo geral do Curso o de iniciar o estudo da sociedade em que vivemos, com vistas à sensibilização e compreensão, pelo estudante e profissional, do contexto das políticas e da defesa dos direitos sociais e do SUS. Achamos que não seria um curso extensivo, e que sua função seria a de despertar o estudante para uma visão crítica a respeito da sociedade, mas não exclusivamente pautada por determinada forma de pensar.

O Projeto do Curso previu, assim, uma organização em formato modular em três partes, porém necessariamente tendo como ponto de partida a própria realidade do estudante. Por isso, optou-se, no Módulo 1, por iniciar o ensino e debate da questão social a partir do espaço da universidade, e dos sentidos que a formação profissional possui no mundo de hoje. Outros temas, como trabalho e acesso desigual à universidade, serviram como disparadores para a apresentação de leituras sobre as principais abordagens teóricas do pensamento social.

FORMAÇÃO HISTÓRICA E POLÍTICA PARA ESTUDANTES DAS ÁREAS DA SAÚDE EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE

No Módulo 2, a dimensão histórica do desenvolvimento do capitalismo foi recuperada, ainda com base no conceito de desigualdade social — e já introduzindo o campo da saúde como parte do debate.

No Módulo 3, aprofundou-se a discussão sobre a saúde como conquista a partir das lutas sociais históricas de trabalhadores e movimentos sociais. A organização curricular e modular dos conteúdos do Curso está sistematizada no Quadro 2. Quadro 2 - Curso FHP: programa de estudos seg,1undo o módulo, objetivo, aulas e atividades

Módulo Objetivos Aulas/Atividade Modalidade

Módulo 1 Universidade e mudança social: O que é sociedade?

- Problematizar as vivências e reflexões dos estudantes tendo em vista o seu conhecimento prévio e a relação com a proposta do curso; - Discutir o tema Universidade e sociedade a partir da desigualdade de acesso; - Apresentar as principais teorias do Pensamento Social na sociedade.

Aula 1 - Universidade

e mudança social Presencial Aula 2 – Universidade

e sociedade AVA

Aula 3 - Sociedade e pensamento social AVA Fórum de discussão

temático AVA

Módulo 2 Capitalismo e saúde

- Apresentar conceitos básicos e uma noção histórica do capitalismo. - Discutir a desigualdade social e saúde como processo histórico na sociedade capitalista.

Aulas 1- Capitalismo: como se desenvolve e

se transforma AVA

Aula 2 – Desigualdade

social e saúde AVA

Fórum de discussão temático AVA Módulo 3 Capitalismo, lutas sociais e saúde no Brasil

Iniciar a discussão sobre o

desenvolvimento capitalista no Brasil como um processo histórico e sua relação com as lutas sociais e pelo direito à saúde.

Aula 1 – Mercado de trabalho e reprodução

social Presencial

Aula 2 – Urbanização e questão agrária AVA Aula 3 – Lutas sociais e movimentos populares AVA Aula 4 – Acumulação de capital no setor saúde, Reforma Sanitária e SUS AVA Aula 5 – Trabalhadores em saúde: atenção à saúde e organização do processo de trabalho

Presencial Apresentação de

trabalho final pelo

educando AVA

Fonte: Projeto Pedagógico do Curso de Formação Histórica e Política.

A maior parte do material teórico do Curso foi elaborada pelos docentes, divididos em grupos durante o processo de construção do Projeto. O desenvolvimento do Curso foi previsto para ocorrer em dois meses. Os módulos se constituíram de conteúdos sintéticos em formato de apresentação, complementados por vídeos, exercícios e textos de aprofundamento.

Para que o Curso pudesse ocorrer simultaneamente em todas as universidades, os docentes foram distribuídos em turmas com até 30 alunos cada. Caso o grupo quisesse ampliar esta participação, poderia convidar um colega docente e formar novas turmas. Nos locais onde pessoas de movimentos sociais estavam presentes, estas foram convidadas a integrar o processo.

O desenvolvimento do Curso também foi um debate coletivo, que indicou a necessidade de não abrir mão de momentos presenciais para aprofundamento dos debates e um diálogo mais participativo entre todos. Assim, a ideia seria que a primeira aula fosse presencial, com uma exposição por parte de um docente e/ ou pessoa de movimento social, apenas como elemento provocador, seguido de debate e sistematização em grupos menores.

Ao final de cada Módulo, também ocorreram momentos presenciais, de duração de 4 horas, usualmente aos sábados. A ideia foi a de encerrar o Curso com um último encontro presencial, no qual se fez uma avaliação dialógica de todo o processo.

A diversidade marcou todo o processo coletivo, já que algumas universidades produziram o Curso de forma bastante orgânica e integrada ao ensino, com pouca evasão de alunos, enquanto outras passaram por dificuldades, geralmente externas ao Curso, como a própria UERJ, que teve de interromper o processo e fragmentá-lo devido ao evento da Copa do Mundo, que exigia o fechamento da Universidade em alguns períodos, por causa da proximidade com o Estádio do Maracanã. Vale lembrar que um processo de dispersão e evasão de discentes é esperado na modalidade de ensino semipresencial. Ao final, conseguimos certificar 274 estudantes de graduação de todo o país. E as avaliações, nas palavras dos alunos e facilitadores, nos fazem acreditar que o Curso permitiu uma vivência importante de diálogo, reflexão, troca e produção de conhecimentos.

FORMAÇÃO HISTÓRICA E POLÍTICA PARA ESTUDANTES DAS ÁREAS DA SAÚDE EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE

No documento EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE (páginas 92-96)