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Trilhando os caminhos da formação em serviço no SUS

No documento EDUCAÇÃO POPULAR, EQUIDADE E SAÚDE (páginas 72-76)

DESCOBERTAS E DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO DE UM PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL

2. Trilhando os caminhos da formação em serviço no SUS

Ao planejarmos uma viagem, precisamos pensar nos recursos que precisaremos para fazê-la; em quem vamos convidar para ir conosco; e nas rotas que pretendemos percorrer para chegar no local pretendido. Nessa viagem de descentralização da residência e construção de um novo PRMS, delimitamos os parceiros da viagem, ou seja, os principais atores, construtores da residência; colocamos na mochila os recursos indispensáveis, nossos repertórios e valores: o diálogo; o respeito às diferenças; a amorosidade; o planejamento democrático e participativo, a escuta sensível e acolhedora, os princípios e diretrizes do SUS e as normativas do MS e do MEC. Por fim, traçamos as rotas pretendidas, que foram: a formação em serviço; a Educação Permanente e a Educação Popular em Saúde.

2.1 Parceiros da viagem: os principais atores construtores da

Residência Multiprofissional em Saúde

Vários são os(as) parceiros(as) que nos acompanham nessa viagem formativa pelos territórios da APS do SUS. Destacamos a seguir os principais atores.

a) As equipes de saúde que constituem os cenários de práticas: ESF, Gestão em Saúde, Vigilância em Saúde, Serviços de Saúde Mental

As atividades da residência são desenvolvidas nas ESFs Santa Rita e São José Operário, no município de Marau. Estes cenários permitem uma ambientação apropriada para o ensino e a pesquisa. As unidades de Saúde recebem estudantes de graduação de medicina da UFFS-Campus de Passo Fundo, com um foco de aprendizagem ambientado no SUS, com um olhar multidisciplinar. Nesse contexto, todos os profissionais das equipes se envolvem no processo-ensino aprendizagem. Este cenário também visa proporcionar a prática do planejamento em saúde adaptada ao contexto local no cotidiano da ESF. Dentro dessa prática do planejamento, destaca-se a análise dos dados para que possamos fazer uma avaliação sistemática e integral para a melhoria da qualidade do serviço.

A partir da residência, foram oportunizados espaços para o diálogo com o controle social, especialmente com o Conselho Local de Saúde (CLS), o que

permite ao residente conhecer e colaborar como trabalhador integrante de equipes multiprofissionais, para o fortalecimento das ações de participação popular.

Nas ESFs também se desenvolvem ações de vigilância em saúde, vinculadas a ações programáticas com prioridade institucional, local, municipal, estadual ou nacional. Exemplos de algumas dessas ações são o programa nacional de imunizações, acompanhamento de agravos de notificação compulsória, cuidado a pessoas portadoras de Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus, cuidado a pessoas com sofrimento psíquico, entre outras.

As residentes também realizam atividades vinculadas à Gestão Municipal com a Coordenação de Ações em Saúde. Este setor é responsável por coordenar as ações de promoção e prevenção em saúde que envolvem as equipes de ESF. Este cenário desenvolve atividades visando potencializar a gestão, especialmente no que se refere à rede de serviços municipais e institucionais, além de incentivar o desenvolvimento de ações para fortalecer a construção de Políticas Municipais em Saúde.

No segundo ano da residência, as residentes realizam estágios no Centro de Atenção Psicossocial-CAPS I do Município de Marau, onde acompanham atividades como acolhimento, oficinas terapêuticas, rodas de conversa, atendimentos individuais e acompanhamento de familiares de pessoas que demandam este serviço de saúde mental.

Outro espaço em que as residentes desenvolvem seus estágios curriculares é a Vigilância de Saúde, que realiza o monitoramento, avaliação e controle das ações em saúde, bem como colabora para prevenção das doenças imunopreveníveis e de seus agravos. Estão compreendidas, neste setor, as vigilâncias: epidemiológica, sanitária, ambiental e a saúde do trabalhador.

No contexto das equipes de saúde do SUS, as residências emergem como possibilidade de problematização da realidade no cotidiano e de articulação deste com as instituições de ensino em busca da integração de residentes, docentes, usuários, gestores, trabalhadores e profissionais de saúde. Além disso, as RMS tendem a permitir a permeabilidade das ações educativas no cotidiano das práticas de saúde, vislumbrando o desenvolvimento da EP aos profissionais vinculados aos serviços de saúde (BRASIL, 2005; HAUBRICH, 2015; ARNEMANN e CONDESSA, 2018).

Nesta perspectiva, as RMS podem ofertar espaços potentes para a educação baseada na interdisciplinaridade e pautada na integração entre os

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diferentes profissionais. A proximidade com outros profissionais da saúde visa desenvolver atributos e habilidades necessárias em um trabalho coletivo, que preconiza que profissionais de diferentes áreas desenvolvam suas atividades e aprendam conjuntamente, de modo interativo, melhorando a colaboração e qualidade da atenção à saúde. Desse modo, a formação multiprofissional e interdisciplinar complementa e fortalece o ideário do SUS, fornecendo subsídios para a construção de um projeto de sociedade que contemple a concepção ampliada de saúde (MIRANDA NETO, LEONELLO e OLIVEIRA, 2015; OMS, 2010; ARNEMANN e CONDESSA, 2018).

b) Instituições Formadoras e Gestores do SUS

As parcerias interinstitucionais entre GHC, UFFS e a Prefeitura de Marau, através da SMS, são estratégicas na construção deste PRMS. As instituições formadoras têm o compromisso de garantir a condução pedagógica e a viabilização de tudo o que se refere à gestão da COREMU, do PRMS, dos processos pedagógicos, das exigências do MEC e MS e da Certificação de residentes.

Os Gestores do SUS, em especial a gestão da SMS, têm a responsabilidade de conduzir e dar conta da elaboração, implementação e monitoramento técnico e político do sistema de saúde, assim como de garantir a carga horária da preceptoria das ações no PRMS; têm ainda que fazer a interlocução com o legislativo, que garantiu a lei do apoio financeiro em formato de bolsa-preceptoria para o desempenho dessa função, e os encaminhamentos relativos a interlocuções interinstitucionais com a UFFS.

Um estudo sobre as percepções de coordenadores da Atenção Básica sobre as RMS (LUNAS JUNIOR, BARRETO e VASCONCELOS, 2014) demonstrou que a formação dos profissionais de saúde tem sido desenvolvida desarticulada da gestão setorial, do debate crítico sobre os sistemas de estruturação do cuidado e do controle social. Reitera-se, assim, a pertinência dos PRMS serem desenvolvidos em parceria com os municípios, visando à absorção desse tipo de profissional especializado pelos municípios adjacentes.

Corroboramos com as ideias dos autores, pois a formação em serviço depende diretamente da estrutura e organização da RAS local e regional do

município que se constitui como campo de formação da RMS. No momento em que se propõe a ofertar os serviços de saúde do seu município, os(as) gestores(as) municipais se comprometem em oferecer os recursos necessários para que o processo de formação possa ocorrer com qualidade. Tal pactuação é, habitualmente, formalizada por meio de Termos de Cooperação Técnica entre as instituições parceiras.

Destacamos que o processo de descentralização da RIS/GHC, iniciado em 2013, iniciou por meio da pactuação com o gestor municipal, que na época manifestou formalmente o interesse em liberar seus trabalhadores para realizar o Curso de Especialização em Saúde da Família e Comunidade - Gestão, Atenção e Processos Educacionais, já com a intenção de acolher futuramente a RMS em seu município.

Nossa intenção com esse relato é ressaltar a importância do apoio e comprometimento dos gestores do SUS para viabilizar que seus serviços de saúde se constituam como cenários de práticas para a RMS. Além da carga horária dos trabalhadores destinada à função de preceptoria e da valorização destes trabalhadores por meio da previsão de remuneração específica para essa função, ao firmar um Termo de Cooperação Técnica para receber a RMS, o gestor municipal se compromete em manter um esforço constante no sentido da qualificação da sua de rede serviços de saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, a fim de atender às necessidades de formação de competências e habilidades de trabalhadores para atuar nesse cenário. c) Os(as) Preceptores(as), Tutores(as) e docentes

O processo formativo da RMS vem contando com a equipe de preceptoria de campo (da Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade/Saúde Coletiva) e de núcleo (Enfermagem, Farmácia e Psicologia), com profissionais da saúde vinculados ao município de Marau/RS.

Com base no artigo Competências profissionais e o processo de formação na

residência multiprofissional em saúde da família (NASCIMENTO e OLIVEIRA,

2010), destacamos as principais competências necessárias ao exercício da preceptoria no SUS no atual PRMS/UFFS-Marau: resolução de conflitos,

comunicação, orientação para a comunidade, orientação em Saúde Coletiva, postura ética, trabalho em equipe, empatia, proatividade e valores profissionais.

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Dentre as competências destacadas, consideramos a capacidade para o trabalho em equipe fundamental na preceptoria da RMS, pois o trabalho na ESF se constrói baseado na interação entre os diferentes saberes profissionais e em torno de um mesmo objetivo. Como desafio, destacamos a capacidade para resolução de conflitos, na qual o preceptor constantemente é convocado para mediar situações envolvendo residentes, residentes com a equipe, equipe com usuários do serviço — e precisa manter o propósito de transformar problemas em possibilidades de aprendizado e crescimento.

Já a tutoria, esta se dá por profissionais vinculados à UFFS, tanto dos núcleos profissionais de farmácia, enfermagem e psicologia, como também de campo-área da Saúde Coletiva, que contribuem com o acompanhamento político-pedagógico tanto da preceptoria como de residentes.

Nesse contexto, a tutoria inscreve-se como uma das dimensões que demandam construção e aprendizagem na perspectiva de fortalecer a formação de residentes em saúde em consonância com os princípios do SUS. Assim como o preceptor, o tutor também compõe a função docente-assistencial nos PRMS. A centralidade do fazer dos tutores está na facilitação da equipe multiprofissional, visando promover o diálogo entre os diversos saberes, que originariamente se encontram desarticulados, tendo como foco o território, a relação da equipe com a unidade de saúde e com seus respectivos profissionais (CECCIM et al., 2020).

Além disso, no cenário do PRMS da UFFS/Marau, o tutor, por ser ator representante da instituição de ensino, agrega também uma importante função de mediação entre a Universidade e os serviços que se constituem como campo de formação. Além da função de docência e facilitação de processos pedagógicos, o tutor tem a função de acompanhar todo o percurso de formação, incluindo os processos de avaliação, de residentes, preceptores e dos próprios campos de formação. Em conjunto com a coordenação do PRMS, deve planejar e estimular o processo de formação dos preceptores, bem como mediar as pactuações para o encerramento e abertura de novos cenários de práticas, de acordo com as avaliações e as necessidades identificadas pelos atores que integram a RMS.

d) Residentes da RMS e da Residência em Medicina de Família e Comunidade e Psiquiatria

O trabalhador residente é o ator principal do processo de formação. Ele é, ao mesmo tempo, um trabalhador da equipe de saúde, que possui responsabilidades e atribuições assim como os demais, mas também é um profissional em formação, que durante o período da residência será constantemente atravessado por processos pedagógicos, seja durante as atividades práticas, seja nos momentos de reflexão teórica e pesquisa.

O PRMS conta com residentes dos núcleos profissionais de enfermagem, farmácia e psicologia que prestam processo seletivo em edital aberto pela UFFS, com entrada anual de seis residentes.

Busca-se, neste programa, a articulação com a Residência Médica. Essa articulação se dá na interação curricular nos seminários integrados de reflexão teórica envolvendo o PRMS, o Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade e o Programa de Residência Médica em Psiquiatria.

Costumamos dizer que nenhum residente passará imune a um intenso processo de transformação induzido pelas práticas vivenciadas durante a residência. A expectativa, no caso específico do PRMS/UFFS/Marau, é que esse processo seja permeado pelas tecnologias e valores da escuta, acolhimento, amorosidade, sensibilidade ao encontro e às necessidades do outro. Espera-se que, ao final do percurso, o trabalhador residente não esteja pronto — afinal, nunca estaremos prontos e acabados —, mas que esteja munido de habilidades e competências para atuar no SUS. Que tenha, em sua mochila, os recursos necessários para trilhar os seus próprios caminhos, as suas próprias viagens, nos diferentes serviços de saúde.

2.2 Os Repertórios e as Rotas Pedagógicas da Residência

Multiprofissional em Saúde

A RMS tem por objetivo desenvolver o aperfeiçoamento profissional na Atenção Básica. O residente passa por um período de dois anos por diversas experiências, visando uma reflexão crítica em relação aos processos de trabalho, aprimorando, inteirando e qualificando os núcleos de saberes (BRASIL, 2005).

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O PRMS – Área de concentração: Atenção Básica, perfaz uma carga horária de 5.760 horas, sendo 20% de reflexão teórica e 80% de formação em serviço. A formação multiprofissional tem caráter interdisciplinar e integra diferentes profissões, desenvolvendo trabalho educativo e pedagógico orientados pelos princípios e diretrizes do SUS. Além disso, busca a articulação das dimensões ensino, serviço e gestão, bem como os campos das ciências biológicas, humanas e sociais, desenvolvendo aprendizagens para a atenção integral e responsabilização pelo cuidado à saúde.

Busca, ainda, aperfeiçoar os atores envolvidos nas práticas de saúde de forma compromissada e integrada com a estratégia da EP, fortalecendo a troca de saberes e experiência entre serviço e ensino de forma ética, comprometida, humanizada, crítica e atuante.

A formação em serviço da residência do primeiro e do segundo ano acontece na Atenção Básica-ESF, desenvolvendo as ações de promoção, prevenção, educação em saúde, estabelecendo vínculos terapêuticos, responsabilização pelo cuidado à saúde, autonomia do usuário, resolutividade da ação assistencial, cuidado humanizado e nos espaços de participação popular/controle social.

O PRMS prevê o compartilhamento do currículo comum a todas as profissões, mas parte da carga horária é reservada para atividades específicas de cada núcleo profissional, sem que ocorram formações independentes.

Essa perspectiva está alinhada à organização do processo de trabalho multiprofissional no SUS, que prevê a noção de campo e núcleo de saberes. Ou seja, existe um campo compartilhado de atuação profissional, bem como atividades específicas de cada profissão, que compõem o núcleo de atuação profissional (CAMPOS, 2000).

Também há processos de aprendizagens através de estágios curriculares, no campo da Gestão, Vigilância em Saúde, Saúde Mental e em ambulatórios especializados, conforme o núcleo de conhecimento. No decorrer desses dois anos, o residente desenvolve um trabalho de pesquisa que será apresentado no final do Curso.

2.3 Nas Rotas, a escolha pela Formação em Serviço, Educação

Permanente em Saúde (EP) e a Educação Popular em Saúde (EPS)

A base metodológica da RMS articula os elementos pedagógicos da formação integrada aos processos de trabalho, EP e EPS. Estas consideram a dimensão educativa do trabalho e os processos de trabalho em saúde que,

colocados em reflexão, produzem novos conhecimentos e transformam os sujeitos envolvidos — que, por sua vez, transformam processos e relações das realidades existentes (FREIRE, 1981).

Cada componente curricular do programa tem seu diferencial metodológico. Os Seminários Integrados contam com a participação de residentes da medicina. A realização de estudos de casos clínicos e de situações e sistemas de saúde, por meio de seminários e com construção compartilhada de saberes, com base nas situações e casos reais trazidos pelos residentes, em diálogo com autores, ajuda no processo de reflexão e aprofundamento das temáticas abordadas.

Nos componentes de Pesquisa em Saúde, o projeto de intervenção e o Trabalho de Conclusão da Residência (TCR) integram a construção de ferramentas de diagnóstico e análise situacional de saúde, planejamento, projetos de pesquisa-intervenção, com o aprofundamento das diferentes vertentes epistemológicas e metodológicas da pesquisa em saúde, bem como a construção, realização, análise e elaboração de artigos científicos a partir desse processo de investigação-intervenção no cotidiano dos serviços de saúde.

Os Seminários de Campo, no primeiro ano, trazem os aportes que fundamentam o campo da Atenção Básica - Saúde da Família e Comunidade - Saúde Coletiva, interagindo com a realidade vivenciada nas ESFs. No segundo ano, oportuniza a problematização no estágio de gerenciamento de Unidades de Saúde e da gestão dos sistemas municipais de saúde, através da metodologia da Aprendizagem Baseada em Projetos, que estimula a interdisciplinaridade neste espaço formativo. No contexto deste espaço teórico, as residentes fazem a escolha de um município da região e buscam conhecer, no cenário da Gestão Municipal da Saúde, as potencialidades e fragilidades — e elaboram um projeto de implantação, expansão e/ou qualificação da Atenção Básica em municípios que possuem convênio com a UFFS.

As metodologias ativas de aprendizagem incentivam e proporcionam atividades relacionadas ao reconhecimento e inter-relação com o outro, trabalho em equipe, busca ativa de informações, aquisição crítica e a construção compartilhada do conhecimento.

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