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Apêndice 08 – Parecer do Comitê de Ética em pesquisa UNIJUI

4 CONSTRUÇÃO DOS CONHECIMENTOS PARA A DOCÊNCIA NA

4.2.2. Experiência profissional na profissão de origem

A experiência profissional anterior na área de formação proporciona aos pesquisados vivenciar inter-relações, que contribuem para sua constituição docente, especialmente os saberes disciplinares e pedagógicos.

Valdir, Eduardo, Hermes, Jonas e Clóvis tiveram experiência, na área de atuação, antes do ingresso no magistério e destacam que ela proporcionou o conhecimento da dimensão prática do conteúdo lecionado, o que contribui para a atividade docente porque o repertório é utilizado, nas aulas, como exemplo e analogia. Vejamos três depoimentos:

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práticos por mim vivenciados, principalmente. Eu trago sempre, para os educandos, [...] as experiências vivenciadas em situações de campo ou através de contato com outros professores ou pesquisadores [...]. Então a aula se torna um pouco mais dinâmica (Valdir, 2016).

Desde que entrei na empresa HP venho estudando sistemas operacionais [...]. Então, a ideia de sistemas operacionais, como são construídos e como funcionam é natural, é a disciplina-chave que trabalho. Então, fica muito prático, muito fácil conversar tanto num nível teórico quanto num nível bem prático. Então vem de lá toda essa minha caminhada (Eduardo, 2016).

Depois que me formei atendi no hospital como veterinário, atendimento cirúrgico, clínico e adquiri experiência. [...] Com isso você tem mais credibilidade perante os alunos.... Você vai ser mais confiante, eles vão dizer: “não, o professor está certo”, “ah não, o professor está falando bobagem”. De qualquer forma, isso auxiliou a trabalhar corretamente para dar um diagnóstico, ter uma aceitação grande, ter um reconhecimento (Hermes, 2016).

Carmem e Cláudia são relativamente jovens, ingressaram na docência logo após a conclusão da especialização e, assim, vivenciaram pouco o mundo do trabalho, porém, mesmo com experiência limitada, a consideram subsídio importante para a docência como fonte de exemplos que utilizam para ilustrar os conteúdos ministrados, conforme expressam:

Isso é muito importante, principalmente na área técnica. [...] para trazer exemplos foi fundamental. Também trabalhos que fiz no decorrer da graduação, para conseguir pagar o curso me ajudam a trazer exemplos para o dia a dia. Principalmente porque dou aula de trabalhista e de ambiental. Então isso ajuda bastante. (Carmem, 2016).

Acho que auxilia bastante nos exemplos. Então, muita coisa que vivencio ou troco informações com colegas de outros escritórios, alguns problemas, situações, trago para a aula. Procuro tentar simplificar e trazer para os alunos compreenderem melhor o conteúdo (Cláudia, 2016).

Os relatos reportam uma das fontes do conhecimento pedagógico do conteúdo - a sabedoria adquirida na prática – de Shulman (1986). No caso dos pesquisadoa, a experiência na área de formação fornece subsídios para a seleção das analogias, exemplos, explicações e demonstrações, de que lançam mão na sala de aula para favorecer a aprendizagem.

A experiência em atividades de formação nas empresas onde trabalharam também foi citada como fonte de conhecimentos para a docência por Eduardo, Hermes e Jonas:

O que me ajudou muito foi quando tive que enfrentar turmas de usuários de computadores na HP, a partir de 1989 e tive treinamentos formais ali. Veio um instrutor da HP do México e nos ensinou técnicas de apresentação eficazes, numa época que usava retroprojetor. Então ele nos ensinou a fazer as melhores lâminas, o que colocar nelas, como dominar uma turma, como fazer a turma ficar do teu lado, como resolver problemas de conflito na turma, ou seja, algum aluno com [...] que não está se comportando direito, algum aluno incomodativo, como resolver. [...] o relacionamento [...]. Então tive essa formação e me interessei demais, participei demais desses conhecimentos. E isso, trago até hoje. Então, ali foi um divisor de águas. (Eduardo, 2016).

A experiência profissional ajudou bastante. Como veterinário de campo, trabalhando em contato com produtores, tentando achar um canal de linguagem apropriada. A exigência que a gente sofre para se fazer entender para trabalhar. Basicamente, fui extensionista a minha vida toda. Então, gera situações que exigia uma habilidade muito grande de comunicação, a clareza nas palavras, os exemplos, a forma de preparar uma reunião. [...] Quando entrei na sala de aula, aquela questão da clareza, de ser bem entendido, me ajudou, a postura. O que tive que melhorar foi o método, a forma de usar, por exemplo, os recursos didáticos. Isso, ainda, estou aprendendo. Mas, a comunicação oral é básica. E essa bagagem ajudou bastante. (Valdir, 2016).

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Então, fui à Brasília, fiz algumas capacitações e trouxe então para a gente formatar alguns cursos de formação de gerentes que nós dávamos na região da Grande Florianópolis, e alguns no interior do estado de Santa Catarina. (Jonas, 2016).

Os depoimentos ilustram o conhecimento didático geral, de Shulman (1986), constituído por princípios e estratégias gerais de manejo e organização da aula que transcendem o âmbito da disciplina ministrada, conhecimentos aprendidos em outros contextos, como no ambiente de trabalho. Embora a escola tenha a função, por excelência, de promover o ato educativo, a formação humana e profissional, não é o único espaço de aprendizagem, especialmente na EP, que envolve conteúdos de diferentes naturezas, como os operativos, para os quais a prática profissional tem importantes contribuições.

Jaime, Raquel e Vânia tiveram pouca experiência profissional na área de atuação, pois ingressaram na docência logo após a conclusão do doutorado. O primeiro, na entrevista, comentou que ao concluir o mestrado pretendia trabalhar na área, porém houve um surto de febre aftosa no país que restringiu o campo de trabalho e ocasionou a demissão dos profissionais que estavam em atuação. Por essa razão priorizou os estudos e, ao concluir o doutorado, dedicou-se ao magistério. Vânia trabalhou durante dois anos em atividades fora da área de formação e durante alguns meses numa empresa enquanto aguardava o ingresso no doutorado. Raquel informou que durante o mestrado se dedicou à pesquisa e optou por continuar os estudos e, por isso, não desenvolveu atividades profissionais na área, mas aponta a falta de experiência prática como fator limitante para sua docência:

Eu acho que me faz falta a vivência prática porque tenho uma visão muito mais acadêmica do que prática. E desde que iniciei no instituto, procuro conversar com os meninos que estavam no campo, que têm o pai agricultor e aí eles trazem mais informações sobre essa questão prática. Então estou gostando porque é uma troca com algumas informações, eu passo o científico para eles. Então está sendo muito legal. (Vânia, 2016).

Na EP, os conhecimentos adquiridos por meio do trabalho na área em que o profissional atua – antes ou concomitantemente ao exercício da docência, um aspecto bastante valorizado pelos alunos –, que os consideram como dimensão prática do aprendizado, ou seja, os conhecimentos transmitidos pelo professor adquirem sentido quando balizados em suas próprias experiências profissionais. Isso porque muitos alunos de cursos técnicos trabalharam/trabalham na área e tanto podem opor resistência quando os conhecimentos nele estudados se contrapõem ao que vivenciam, quanto podem contribuir de forma bastante produtiva funcionando a prática como uma base sobre a qual os novos conhecimentos vão sendo incorporados e reelaborados. Pelo fato de cursos técnicos envolverem processos e

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modos de operar, ou seja, ensinar a fazer, o professor que domina os aspectos práticos do conhecimento da área se distingue e adquire certo “estatuto de autoridade”.

Três entrevistados mencionaram o contato com profissionais da área de formação, especialmente ex-colegas e ex-alunos, e apontam as contribuições dessas relações como fonte de informação e de esclarecimento de dúvidas que surgem na docência:

Converso muito com colegas de profissão, outros advogados, assim, bastante, porque como na minha atuação, no escritório, trabalho com matérias específicas, então muitas vezes a gente se socorre de colegas para ter outras visões e informações. A gente vai se ajudando nesse sentido. Então trocamos muitas informações e conhecimento para dar resposta ao cliente. (Carmem, 2016).

Nesse tempo todo, muitos alunos já passaram assim, já tive oportunidade de ensinar muita gente. E esse pessoal vai se posicionando no mercado de trabalho, ocupam posições em algumas indústrias grandes, como por exemplo, Dell Computadores onde tem no mínimo dez ex- alunos. Há empresas de desenvolvimento de software como Compasso, grande empresa de Passo Fundo que tem filiais em Porto Alegre, São Paulo e Chile. E empresas da área de jogos eletrônicos. Tem uma empresa de Porto Alegre onde tem um pessoal que trabalha na filial em Florianópolis nessa área. Então fica fácil ter um pessoal de contato e quando tenho qualquer dúvida relacionada às áreas que eles trabalham, entro em contato e na hora eles respondem. Fica fácil para mandar e-mail, somos amigos de face. Já trouxe vários para dar palestras para o superior. Quanto a universidades, mantenho contato com o pessoal que fez mestrado comigo e se espalhou por aí, os que estavam na época do doutorado também. (Eduardo, 2016).

Se eu tenho alguma dúvida converso com produtor rural e com meus amigos que estudaram comigo. Tenho vários amigos atuando no campo no Mato Grosso, outros viajam para o Mato Grosso, Santa Catarina, São Paulo, até para o Paraguai. Eles têm essa parte de consultoria, então isso é tudo via WhatsApp, a gente acaba se comunicando bastante, sempre tiro as dúvidas. Com empresas também, tanto de consultoria como parte de vendas, tem essa parte de planejamento, de administração. (Jaime, 2016).

A circulação intracoletiva de ideias (Fleck, 2010) permite a esses profissionais manterem-se atualizados e resolverem os problemas impostos pela prática, já que continuam compartilhando com o coletivo de pensamento os modos de ver e agir que configuram o estilo de pensamento. Por outro lado, os grupos desempenham o papel de meio informal para atualização e domínio do conhecimento do conteúdo a ser ensinado, já que, nos casos de dúvidas, os professores recorrem a eles.

Assim, consideramos que os dados apresentados ratificam a proposição do estudo, em que partimos do princípio que a experiência profissional na profissão de origem é importante fonte de conhecimento para a docência porque permite a vivência das situações concretas de trabalho e lhes fornece os saberes experienciais.