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Inter-relações sociopedagógicas na formação docente e na constituição do conhecimento de professor da educação profissional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

MARILANDI MARIA MASCARELLO VIEIRA

INTER-RELAÇÕES SOCIOPEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE E NA CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO DE PROFESSOR DA EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL

Ijuí 2017

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MARILANDI MARIA MASCARELLO VIEIRA

INTER-RELAÇÕES SOCIOPEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE E NA CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO DE PROFESSOR DA EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação nas Ciências.

Orientadora: Maria Cristina Pansera de Araújo

Ijuí 2017

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V658i Vieira, Marilandi Maria Mascarello

Inter-relações sociopedagógicas na formação docente e na constituição do conhecimento de professor da educação profissional / Marilandi Maria Mascarello Vieira. – Ijuí, 2017.

343 f.: il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Maria Cristina Pansera de Araújo”.

1. Coletivos de pensamento. 2. Transposição didática.

3. Conhecimento pedagógico do conteúdo. 4. Didática e Pedagogia. 5. Institutos Federais. I. Araújo, Maria Cristina Pansera de. II. Título.

CDU: 37 Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas se fizeram presentes em minha vida durante o período do doutorado e cada uma delas contribuiu para a sua conclusão. A convivência com elas foram delineando o meu caminho e me permitindo vivenciar experiências ímpares. Portanto, é chegado o momento de agradecer-lhes.

Agradeço ao meu companheiro Josimar, que compartilha comigo as alegrias e frustrações da docência, me incentivando a seguir em frente, a não desanimar nunca. Seu companheirismo, força, alegria e compreensão foram o amparo que eu precisei em muitos momentos da vida e da elaboração da tese.

Aos meus filhos, João Gabriel e Ana Carolina, a Ana Paula, minha nora e Mateus, meu genro, que compreenderam as minhas ausências, estiveram comigo nas minhas presenças e sempre me apoiaram. A todos os meus familiares, que sempre torcem e se alegram com as minhas conquistas.

A minha orientadora Maria Cristina Pansera de Araújo, que me acolheu no Programa de Pós-Graduação, acreditou no meu potencial e confiou em mim. Ao “me dar asas”, contribuiu para o meu crescimento e incentivou a ir mais longe do que eu acreditava ser possível ir. Aprendi que os limites são apenas frutos da nossa mente.

A Graça Simões de Carvalho e Rosa Branca Trancana Pereira, que tão bem me acolheram na Universidade do Minho e proporcionaram as condições para a realização do estágio científico.

Ao Câmpus Sertão e a CAPES, pelo apoio financeiro e pelo afastamento das atividades profissionais que me permitiram realizar o estágio sanduíche em terras portuguesas, experiência fundamental para minha formação pessoal e profissional.

Aos colegas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Câmpus Sertão, e em especial a Ana Sara Castaman, que me incentivou a ingressar no curso. Também registro o apoio dos colegas professores que, gentilmente, aceitaram participar da pesquisa, compartilhando comigo suas ideias, dúvidas, erros e acertos. Vocês foram fundamentais para essa conquista.

Aos professores, funcionários e colegas do curso de Doutorado em Educação nas Ciências, com quem compartilhei momentos especiais de formação pessoal e profissional. Especialmente merece distinção meu amigo Ivan Bagnara, com quem partilhei as idas e vindas da UNIJUI, mas também os desabafos, as ideias e os projetos de vida.

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EPÍGRAFE

Da eterna procura

Só o desejo inquieto, que não passa, Faz o encanto da coisa desejada... E terminamos desdenhando a caça Pela doida aventura da caçada.

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RESUMO

A pesquisa versa sobre formação de professores para a educação profissional e o objetivo foi analisar as inter-relações sociopedagógicas que condicionam o processo de formação dos seus professores, visando compreender como elas definem a constituição do conhecimento de professor. A investigação teve como aporte teórico os estudos de Shulman (1986, 2005), Fleck (2010) e Chevallard (1998), além dos pesquisadores da educação profissional. Trata-se de pesquisa qualitativa, de campo e a técnica utilizada foi o estudo de caso instrumental. O lócus para produção dos dados foi o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Câmpus Sertão, efetivado por meio da análise documental, entrevistas e observação das aulas de dez professores que atuam nos cursos técnicos de nível médio da instituição. Os dados foram analisados mediante a Análise Textual Discursiva, de Moraes; Galiazzi (2013). Os resultados apontam que, na ausência de formação para a docência, são múltiplas as fontes de aquisição dos conhecimentos bases para o ensino e a constituição docente vai sendo tecida por meio da interação com os outros em diferentes tempos e espaços sociais, especialmente por meio da inserção em coletivos de pensamento (Fleck, 2010) com quem os docentes compartilham estilos de pensamento que se tornam determinantes na sua constituição e atuação posterior na docência. Destacaram-se, como fontes de conhecimentos, as situações vivenciadas na formação acadêmica, a experiência profissional na área e o exercício da docência, que fornecem subsídios para a prática educativa. A formação para a docência, embora se reconheça as suas contribuições, é secundarizada. Os dados indicam o uso de diferentes estratégias de didatização no enfrentamento dos desafios da prática docente, e podemos constatar a presença do conhecimento pedagógico do conteúdo e do modelo de raciocínio e ação pedagógica, de Shulman, além de elementos da transposição didática, de Chevallard. A docência na educação profissional, entretanto, tem singularidades, pois exige a vivência de situações práticas da profissão como subsídio para a organização do processo ensino-aprendizagem, especialmente os processos ligados às habilidades profissionais. No tocante à didática da educação profissional, embora se reconheça necessária, não há um corpo de conhecimentos sobre os processos de aprendizagem dos saberes técnicos, suficiente para embasar sua elaboração, que permanece como uma porta entreaberta.

Palavras-chave: Coletivos de pensamento; Transposição didática; Conhecimento pedagógico do conteúdo; Didática e Pedagogia; Institutos Federais.

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ABSTRACT

The research is about the formation of teachers for professional education and had as objective to analyze socio-pedagogical interrelations that condition the formation process of its teachers, aiming to understand how they define the constitution of teacher knowledge. The research was as theoretical contribution the studies of Shulman (1986, 2005), Fleck (2010) and Chevallard (1998), as well as the authors of professional education. This is a qualitative, field and the technical research used was the instrumental case study. The locus for data production was the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Sul - Câmpus Sertão, made effective through documental analysis, interviews and observation of the classes of ten teachers who work in the technical courses of the institution. The data were analyzed through Discursive Textual Analysis, proposed by Moraes; Galiazzi (2013). The results point out that, in the absence of training for teaching, there are multiple sources of knowledge bases acquisition for teaching and the teacher constitution is woven through interaction with others in different times and social spaces, especially through the insertion in collective of thought (Fleck, 2010) with whom teachers share styles of thought that become decisive in their constitution and later acting in teaching. As a source of knowledge, the situations experienced in academic training, professional experience in the area and the teaching practice, which provide subsidies for the educational practice, were highlighted. Training for teaching, while recognizing its contributions, is secondary. The data indicate the use of different strategies of didatization in facing the challenges of teaching practice, and it is possible to verify the presence of pedagogical knowledge of content and the model of reasoning and pedagogical action of Shulman, as well as elements of didactic transposition, by Chevallard. Teaching in professional education, however, has singularities, since it requires the experience of practical situations of the profession as a subsidy for the organization of the teaching-learning process, especially the processes related to professional skills. Regarding the didactics of vocational education, although it is recognized as necessary, there is no body of knowledge about the processes of learning the technical knowledges sufficient to support its elaboration, which remains as a half-open door.

Key - words: Collective thinking; Didactic transposition; Pedagogical knowledge of content; Didactics and Pedagogy; Federal Institutes.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Categorias analíticas de Fleck, Shulman e Chevallard... 137

Quadro 2 - Cursos e quantitativo de alunos – IFRS Câmpus Sertão... 146

Quadro 3 - Instituições que oferecem o curso de LICA e sua situação... 148

Quadro 4 - Distribuição dos professores por faixa etária - IFRS Câmpus Sertão ... 152

Quadro 5 - Dados da observação das aulas - IFRS Câmpus Sertão ... 161

Quadro 6 - Focos temáticos, categorias e proposições orientadoras da pesquisa... 170

Quadro 7 Distribuição etária dos professores em atuação na EP – INEP/MEC -2015 e na área técnica dos cursos de nível médio - IFRS Câmpus Sertão ... 172 Quadro 8 - Tempo de exercício no magistério dos professores das disciplinas da área técnica - IFRS Câmpus Sertão... 173 Quadro 9 - Perfil dos professores pesquisados - IFRS Câmpus Sertão... 175

Quadro 10 - Produção acadêmica dos professores pesquisados - IFRS Câmpus Sertão ... 187 Quadro 11 - Matriz de referência para análise dos dados... 241

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Temáticas das teses e dissertações sobre formação de professores para a educação profissional – 2010 a 2017 ...

70 Tabela 2 - Licenciaturas na Rede Federal de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia – 2014...

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ciclo de formação do estilo de pensamento - Fleck... 95 Figura 2 - Formação dos coletivos de pensamento - Fleck ... 98 Figura 3 - Modelo do raciocínio e ação pedagógica - Shulman... 128 Figura 4 - Etapas da transposição didática - Chevallard...

Figura 5 - Ciclo da análise textual discursiva - Moraes; Galiazzi... 131 162

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LISTA DE APÊNDICES

Apêndice 01 - Roteiro da entrevista semiestruturada - professores pesquisados... 320

Apêndice 02 - Termo de consentimento livre e esclarecido... 321

Apêndice 03 - Roteiro de observação das aulas... 323

Apêndice 04 - Roteiro da entrevista semiestruturada - pesquisadores... 324 Apêndice 05 - Dados sobre teses e dissertações acerca da formação de professores

para EP – 2010 a 2017... 325 Apêndice 06 - Percurso metodológico de produção das teses e dissertações sobre

formação de professores para EP – 2010 a 2017... 329 Apêndice 07 - Dados acerca das teses e dissertações relacionadas à epistemologia de Fleck – 2010 a 2017... Apêndice 08 – Parecer do Comitê de Ética em pesquisa UNIJUI...

335 339

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas

ANFOPE - Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM - Banco Mundial

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBAI - Comissão Brasileiro-Americana de Ensino Industrial

CE - Comunidade Europeia

CEB - Câmara de Educação Básica

CEFET - Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica

CEFET- MG - Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica de Minas Gerais CENAFOR - Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para Formação Profissional CERTIFIC - Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada

CFE - Conselho Federal de Educação CGP - Coordenadoria de Gestão de Pessoas CNE - Conselho Nacional de Educação

CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COAGRI - Coordenação Nacional do Ensino Agrícola

DE - Dedicação Exclusiva

EBTT - Ensino Básico, Técnico e Tecnológico

EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino EP - Educação Profissional

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EPT - Educação Profissional e Tecnológica

EPTNM - Educação Profissional Técnica de Nível Médio FIC - Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores FURG - Universidade Federal do Rio Grande

GT - Grupo de Trabalho

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

IF BAIANO - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Bahiano IFC - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense IFES - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo IFEs - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

IFET - Instituto Federal de Educação e Tecnologia

IFFARROUPILHA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha IFNMG - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais IFSC - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina

IFMA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão IFMT - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso

IFRN - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte IFRS - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LICA - Licenciatura em Ciências Agrícolas MEC - Ministério da Educação

MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização OCB - Organização das Cooperativas Brasileiras

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OCERGS - Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul OEA - Organização dos Estados Americanos

PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional PFP - Programa de Formação Pedagógica PPI - Projeto Pedagógico Institucional

PREMEN - Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio

PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

PUC-RS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUC- PR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENEPT - Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica SESU - Secretaria de Ensino Superior

SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica UCDB - Universidade Católica Dom Bosco

UEAP - Universidade do Estado do Amapá

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UEPB - Universidade do Estado da Paraíba UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa

UERGS - Universidade do estado do Rio Grande do Sul UEM - Universidade Estadual de Maringá

UFAM - Universidade Federal do Amazonas UFBA - Universidade Federal da Bahia

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UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UFPA - Universidade Federal do Pará

UFPB - Universidade Federal da Paraíba UFPEL - Universidade Federal de Pelotas UFPR - Universidade Federal do Paraná

UFRP - Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFSM - Universidade Federal de Santa Maria

UFU - Universidade Federal de Uberlândia

UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UMESP - Universidade Metodista de São Paulo UNB - Universidade de Brasília

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNESP - Universidade Estadual de São Paulo

UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará UNISANTOS - Universidade Católica de Santos

UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos

UNOCHAPECÓ - Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina

UNOESTE - Universidade do Oeste Paulista UPM - Universidade Presbiteriana Mackenzie

USAID - United States Agency for International Development USP - Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 20

1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL... 24

1.1 FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A FORMAÇÃO DE SEUS PROFESSORES: RETROSPECTIVA HISTÓRICA ... 27 1.2 CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES... 62

1.3 ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ... 67 2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO DE PROFESSOR ... 91 2.1 EPISTEMOLOGIA DE FLECK E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES... 91

2.1.1 Categorias analíticas da perspectiva fleckiana... 92

2.1.2 Influência da epistemologia de Fleck nas pesquisas e as contribuições para a compreensão da trajetória de formação de professores... 104 2.2 CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO DE PROFESSOR... 106

2.2.1 O que se entende por saberes... 107

2.2.2 Bases do conhecimento para a docência... 110

2.2.3 Conhecimento pedagógico do conteúdo - Shulman... 120

2.3 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA - CHEVALLARD... 130

3 PERCURSO METODOLÓGICO DO ESTUDO... 139

3.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA... 139

3.2 CENÁRIO DA PESQUISA EMPÍRICA... 145

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3.4 ANÁLISE DOS DADOS... 161

3.4.1 Desconstrução ou unitarização ... 163

3.4.2 Categorização ou emergência... 163

3.4.3 Comunicação das novas compreensões atingidas... 167

4 CONSTRUÇÃO DOS CONHECIMENTOS PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL... 169 4.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL... 171 4.2 FORMAÇÃO E CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL ... 4.2.1 Formação acadêmica, continuada e atividades de pesquisa e extensão... 4.2.2. Experiência profissional na profissão de origem... 4.2.3 Participação em atividades de natureza política, social e classista... 4.3 PROFISSÃO E FORMAÇÃO DOCENTE... 4.3.1 Representações iniciais sobre a docência... 4.3.2 Razões para o ingresso no magistério... 4.3.3 Construção da identidade profissional docente... 4.3.4 Concepções acerca do papel do professor... 4.3.5 Formação para a docência... 4.3.5.1 Estágio e formação continuada na carreira docente... 4.3.5.2 Curso de Formação Pedagógica de Docentes... 4.3.6 Experiência na docência... 4.4 EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL... 4.4.1 Especificidades da docência na educação profissional... 4.4.2 Conhecimentos relevantes para a docência... 176 176 189 192 194 194 197 200 205 209 210 214 222 225 225 230 5 PRÁTICAS EDUCATIVAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ... 241

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5.1.1 Conhecimento sobre o contexto da disciplina... 5.1.2 Conhecimento sobre a turma... 5.1.3 Conteúdos ministrados... 5.1.4 Dinâmica das aulas e as estratégias de ensino... 5.1.5 Reflexões sobre a prática docente...

242 253 257 265 277

5.2 DIDÁTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UMA PORTA

ENTREABERTA ... 284

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 299 REFERÊNCIAS... 305

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INTRODUÇÃO

O presente estudo, desenvolvido no Doutorado em Educação nas Ciências do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, tem como temática a constituição da docência na educação profissional, mais especificamente nos cursos técnicos de nível médio.

O tema é desafiador dado ao incremento de pesquisas nessa direção, motivado pela sua incompletude, relevância e pertinência frente à expansão de oferta de vagas nessa modalidade de ensino, especialmente nos últimos anos com a criação dos IFES, em 2009, que proporcionou maior visibilidade ao tema. Porém, acreditamos que essa temática ainda carece de estudos sobre a constituição do conhecimento de professor para a educação profissional, tendo em vista que a formação desses profissionais ainda é regulada por políticas de cunho emergencial e descontínua, que não atendem as suas especificidades.

A tessitura desta pesquisa surgiu das inquietações vivenciadas como docente de cursos de formação de professores para a educação profissional em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, instituição singular pela área de abrangência de atuação e da estrutura organizacional, que exige também um perfil singular de docente.

No exercício profissional, portanto, foram desenhados os contornos dessa investigação, orientada pela seguinte pergunta: Que inter-relações sociopedagógicas condicionam a formação docente e constituem o conhecimento de professor da educação profissional?

A expressão inter-relações sociopedagógicas, no contexto deste trabalho, se refere ao conjunto de interações que o profissional estabelece com os outros com quem convive no contexto social e escolar, aos entrelaçamentos que se configuram nos processos de escolarização, escolha profissional e opção pelo magistério que, articulados nas experiências vivenciadas no fazer cotidiano, produzem os sentidos constitutivos da docência. Por outro lado, conhecimento de professor envolve as representações, as crenças, os valores, os conhecimentos, os saberes, as habilidades, as técnicas que ele possui ou utiliza na prática docente que desenvolve, e que caracterizam o conhecimento específico da profissão docente.

O trabalho teve como objetivo geral analisar as inter-relações sociopedagógicas que condicionam o processo de formação dos professores da educação profissional visando

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compreender como elas definem a constituição do conhecimento de professor. De modo mais específico, os seguintes objetivos orientaram o percurso:

a) Identificar, com bases históricas e legislativas, as funções da educação profissional e as políticas de formação de seus professores;

b) Delinear as características centrais da educação profissional, indicando os aspectos que a particularizam no contexto educacional;

c) Mapear aspectos relativos à formação de professores para a educação profissional no contexto acadêmico investigativo;

d) Compreender como os professores da educação profissional se constituíram docentes e desenvolveram as bases de conhecimentos de professor analisando as maneiras de interferência das inter-relações sociopedagógicas no processo de formação;

e) Identificar elementos que orientam, estruturam e caracterizam as práticas educativas na educação profissional.

O aporte teórico centrou-se principalmente em três autores. Fleck (2010), ao tratar da produção do conhecimento como ato coletivo, lança luzes sobre a constituição da docência pelo compartilhamento que ocorre nos coletivos de pensamento, das ideias, práticas e valores que formam um estilo de pensamento e balizam a elaboração das concepções e práticas docentes. O autor nos ajuda a compreender a trajetória de formação do professor da educação profissional como membro de coletivos de pensamento e portador de diferentes estilos de pensamentos que, como professor, promove a disseminação desses estilos por meio da circulação intra e intercoletiva de ideias.

Shulman (1986, 2005), por sua vez, ajuda a compreender a prática docente à medida que descreve a constituição do conhecimento de professor, explicitando o que considera as bases para o ensino e, dentre elas, a categoria conhecimento pedagógico do conteúdo e o “modelo de raciocínio e ação pedagógica”.

Por fim, a transposição didática de Chevallard (1998) fornece o quadro conceitual para identificar os tipos de conhecimentos, os veículos de transmissão e sua transformação em saber ensinável, a transposição didática. Nele merece destaque a adequação da linguagem, a recontextualização do conhecimento, a articulação do conhecimento “novo” com o “velho” por meio do uso de práticas sociais de referência, da escolha das estratégias de ensino e da recriação da lógica de aprendizagem.

A opção metodológica foi pela abordagem da pesquisa qualitativa, de campo por meio do estudo de caso instrumental que Stake (2007), caracteriza como aquele em que o

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pesquisador toma como referência um caso (instituição, pessoa, programa, etc) quando temos um “problema de investigação, uma perplexidade, uma necessidade de compreensão global, e sentiremos que podemos alcançar um conhecimento mais profundo se estudarmos um caso particular” (STAKE, 2007, p. 19). O interesse do pesquisador, no estudo de caso instrumental, portanto, não reside na unidade específica, mas nas contribuições que ela pode fornecer para a compreensão de um problema ou uma teoria.

O lócus foi o Câmpus Sertão, que pertence ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) e a produção dos dados foi realizada com dez professores que atuam nas disciplinas técnicas dos cursos técnicos de nível médio integrado, subsequente e concomitante. Os instrumentos utilizados foram a análise documental, entrevistas (semiestruturada e dirigida) e observação em sala de aula, que totalizou setenta e quatro horas. A análise de dados foi realizada a partir da Análise Textual Discursiva – ATD, proposta por Moraes; Galiazzi (2013).

O trabalho está organizado em cinco capítulos: no primeiro conceituamos educação profissional, identificamos as funções que lhes foram atribuídas na trajetória histórica de sua constituição e as políticas de formação de seus professores, elencamos as suas características distintivas e analisamos o estado do conhecimento sobre formação de professores para essa modalidade de ensino.

No segundo capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos que embasam a pesquisa, abordando na primeira seção a epistemologia de Fleck e o modo como se articula com essa investigação; na segunda seção, anunciamos os estudos sobre as bases de conhecimento para o ensino, enfatizando especialmente a categoria conhecimento pedagógico de conteúdo, de Shulman e por fim, na terceira seção explicitamos a transposição didática de Chevallard, delineando a relação que mantém com a pesquisa.

A metodologia da investigação constitui o terceiro capítulo, onde descrevemos o tipo de pesquisa e justificamos a escolha metodológica; o lócus consta na segunda seção; na terceira apresentamos os procedimentos para a produção dos dados empíricos, destacando os instrumentos e sujeitos pesquisados, finalizando com a análise do corpus.

No capítulo quatro consta a análise dos dados sobre o perfil dos professores dos cursos técnicos da educação profissional, os modos pelos quais se constituíram docentes e elaboram o conhecimento de professor, analisando os fatores que interferem nesse processo de formação.

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Por fim, no quinto capítulo analisamos a organização das práticas educativas desenvolvidas pelos professores dos cursos técnicos de educação profissional, a partir das contribuições dos autores referenciais. Por fim, tratamos do debate acerca da construção de uma didática da educação profissional.

Nas considerações finais, retomamos aspectos analisados durante o trabalho, sintetizando os conhecimentos obtidos com base nos objetivos propostos, apontando os resultados da pesquisa.

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1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

Este capítulo tem por objetivo situar a discussão existente sobre formação de professores para a educação profissional (EP). Está constituído de três seções: na primeira traçamos uma linha histórica das funções atribuídas a EP no Brasil, incluindo iniciativas de formação de seus professores; na segunda, apontamos as características distintivas da educação profissional e suas implicações para a formação dos professores e por fim, na terceira seção, apresentamos uma síntese das pesquisas desenvolvidas sobre a educação profissional enfocando especialmente as temáticas abordadas, o referencial teórico adotado e os procedimentos metodológicos utilizados na elaboração dos estudos analisados.

Não há consenso entre os estudiosos da área quanto à terminologia adequada para identificar a modalidade de ensino que tratamos nesse trabalho, pois em muitas produções acadêmicas1 e legislativas é denominada “educação profissional” e em outras há referência ao termo “educação profissional e tecnológica”. Assim, consideramos necessário caracterizá-la para justificar a escolha assumida neste trabalho.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9394/96), atualizada em 2006, trata do tema no capítulo III: “Da educação profissional”. A Lei nº 11.741 de 2008 introduziu na LDB o subtítulo “Da Educação Profissional e Tecnológica” e alterou a redação do art. 39, no qual usa a denominação “educação profissional e tecnológica” e a considera como modalidade que deve estar integrada aos demais níveis e modalidades da educação. Embora na maior parte dos artigos daquele capítulo a expressão usada seja “educação profissional e tecnológica”, o texto não está isento de dubiedades terminológicas, como, por exemplo, o art. 40 onde se lê: “A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou [...]”.

A mesma lei (nº 11.741 de 2008) introduziu outras alterações e acréscimos ao texto original da LDB, dentre os quais destacamos o § 2o que explicita a abrangência da educação profissional e tecnológica:

I - a formação inicial e continuada ou qualificação profissional;

1

Tomando como referências as teses e dissertações sobre o tema analisadas na última seção desse capítulo podemos constatar que a expressão educação profissional e tecnológica consta no título de onze, enquanto que educação profissional é utilizada em dezenove. Citamos como exemplos de produções em que se usa a expressão “educação profissional” as seguintes: Pinto (2014); Barbacovi (2011) Urbanetz (2011). Já a expressão “Educação Profissional e Tecnológica” está presente nos trabalhos de Pena (2014), Fortes (2012) e Costa (2012). Em dezenove trabalhos há o uso de outras expressões, como educação técnica de nível médio, como em Silva (2014) e Simionato (2011) ou não consta referência à modalidade no título. Não há, nos trabalhos analisados, justificativas para o uso de uma ou outra expressão.

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II – de educação profissional técnica de nível médio;

III – de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.

Referido texto legal não faz qualquer referência posterior ao expresso no inciso I, ou seja, a formação inicial e continuada ou qualificação profissional e, em relação à educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação (inciso III), seu art. 39, § 3o remete a sua organização às regras expressas nas diretrizes curriculares nacionais de cada curso estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Em relação ao inciso II, incluiu no capítulo II – que trata da educação básica – a Seção IV- A intitulada “Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio” inserindo normas para a oferta dessa modalidade (art. 36-A a 36-D).

Do ponto de vista da LDB, portanto, concluimos que ao referirmos essa modalidade de ensino de forma ampla podemos utilizar tanto a expressão “educação profissional” quanto o termo “educação profissional e tecnológica”, já que ambas incluem as três formas de oferta da educação profissional.

Essa mesma conclusão pode ser estendida a produção de autores referência na área de educação profissional, pois na obra “Dicionário: trabalho, profissão e condição docente” (2010) o verbete “educação profissional” é definido por Ferreti (2010) e a expressão “Formação de professores para a educação profissional” – onde se inclui a definição desse vocábulo - é expressa por Oliveira (2010). Os dois autores a identificam com o termo “educação profissional” fazendo remissiva ao texto expresso na LDB.

Ferreti (2010, p. 1) explicita melhor o conceito do vocábulo educação profissional, considerada “processos educativos que têm por finalidade desenvolver

formação teórica, técnica e operacional que habilite o indivíduo ao exercício profissional

de uma atividade produtiva” (grifos nossos). O autor faz referência ao conceito de Militão (2000, p. 133), que estabelece diferenciação entre as expressões educação profissional e formação profissional, pois essa última enfatiza o “saber fazer” enquanto a primeira valoriza, em tese, “a formação integral do profissional”, o que reflete diferentes concepções acerca da sua função e analisaremos na próxima seção.

Oliveira (2010, p. 1), por sua vez, retoma o art. 39 da LDB, modificado pela Lei nº 11.741 de 2008 e, ao referir-se à educação profissional e tecnológica destaca que ela abrange os cursos de “[...] formação inicial e continuada ou qualificação profissional; EP Técnica de nível médio; e Educação Profissional Tecnológica-EPT de graduação e pós-graduação”. Notemos que ao tratar do nível médio, Oliveira denomina “educação

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profissional” e utiliza o termo “educação profissional e tecnológica” para os cursos de graduação e pós-graduação.

Quanto às finalidades da educação profissional, estão presentes em vários artigos da LDB, além dos já mencionados, como é o caso do art. 2º em que a educação “[...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”; art. 22 que propõe: “[...] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e

fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”; art. 35, ao

definir as finalidades do ensino médio inclui o inciso “II - a preparação básica para o

trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se

adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”; no art. 36-A, a educação profissional técnica de nível médio prevê que aquela etapa da educação básica “poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas”; no art. 3º inclui o inciso XI - “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” e por fim no art. 27, ao mencionar os conteúdos curriculares da educação básica inclui a “III - orientação para o trabalho”. Os termos grifados permitem concluir que, embora as expressões “qualificação” e “preparação” estejam neles presentes, as finalidades ultrapassam a preocupação com o saber fazer, com a formação, coadunando-se ao conceito de educação profissional, tendo em vista especialmente a possibilidade de sua integração com a educação básica que, no ensino médio, pode ocorrer das seguintes formas:

a) Subsequente: desenvolvida em cursos destinados a quem já concluiu o Ensino Médio;

b) Articulada: ofertada de forma integrada ou concomitante (interna ou externa). A forma integrada é ofertada a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental, com matrícula única na mesma instituição, de modo a conduzir o estudante à habilitação profissional técnica de nível médio ao mesmo tempo em que conclui a última etapa da Educação Básica. A concomitância interna é ofertada a quem ingressa ou esteja cursando o Ensino Médio, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, na mesma instituição de ensino, e a externa, por sua vez, é desenvolvida simultaneamente em distintas instituições educacionais, mas integrada no conteúdo, mediante a ação de convênio ou acordo de intercomplementaridade, para a execução de projeto pedagógico unificado.

Assim, como esta tese trata da formação de professores que atuam em cursos técnicos de ensino médio – não incluindo a educação tecnológica, acreditamos que o mais

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adequado é utilizar o termo “educação profissional”, mesmo que em algumas seções desse e de outros capítulos fizemos referências a outras formas de oferta dos cursos (inciso I e III da LDB – Lei nº 9394/96).

Na próxima seção, apresentamos a retrospectiva histórica da educação profissional analisando suas funções e as iniciativas de formação de seus professores. Embora, a rigor, não se possa falar de “professores” antes da criação das escolas técnicas – já que quem ensinava os ofícios não eram os docentes – achamos oportuno incluir informações sobre o tema referente a todo período agrário-exportador porque a compreensão sobre as origens da educação profissional pode ajudar a compreender as razões do seu desprestígio na sociedade atual.

1.1 FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A FORMAÇÃO DE SEUS PROFESSORES: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Desde o seu surgimento as instituições de educação profissional têm desempenhado diferentes funções: a assistencialista/moralizadora, pois foi ofertada pela sociedade civil como alternativa para minorar os problemas causados pelos/aos desafortunados e desvalidos da sorte, atuando como formadora do caráter por meio do trabalho; a formação profissional, quando a sua oferta foi assumida pelo Estado e/ou pela iniciativa privada visando atender aos interesses econômicos de cada conjuntura histórica, ou ainda a de formação humana integral – a educação profissional - tendo o trabalho como princípio educativo, que se encontra presente nas teses de educadores que defendem a formação politécnica e que se materializa nas tentativas de ensino integrado.

A educação profissional surgiu como alternativa assistencialista no período agrário-exportador (1500 a 1930), tanto para os adultos trabalhadores quanto aos jovens e adolescentes. Em relação aos adultos, nesse período a formação profissional ocorria nas corporações de ofício, organizações formadas por trabalhadores, geralmente homens livres que exerciam o mesmo ofício, que segundo Müller (2009), eram criadas com patrimônio comum por meio de cotas pagas pelos seus membros e serviam para auxiliar os associados em situações de necessidade financeira, doenças ou funerais.

Quanto à formação dos “professores” que nelas atuavam, Martins (2012) explica que as corporações eram organizadas de forma hierarquizada, em três grupos: os mestres, os oficiais e os aprendizes. Os últimos eram os artesãos que ingressavam na Corporação; o

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oficial era o artesão que obtinha perfeita preparação técnica e, após o exame de proficiência em que deveria apresentar sua “obra-prima”, recebia também o título de mestre; por fim, os mestres que conduziam e ensinavam os serviços, ofereciam e contratavam trabalhos, julgavam pendências ou atritos surgidos entre os membros, ensinavam o ofício e aplicavam os exames.

Assim, a formação de novos mestres ocorria na própria corporação de ofício, por meio dos ensinamentos dos mestres aos oficiais. Embora esse aprendizado fosse destinado aos homens livres, Cunha (2005) comenta que sempre que possível os mestres ensinavam certos ofícios aos escravos para explorá-los, colocando-os a trabalhar em suas tendas sem pagamento de salários. Essa situação promoveu representação negativa sobre atividades produtivas manuais, segundo Cunha (2005):

O trabalho manual passava, então, a ser ‘coisa de escravo’ ou da ‘repartição de negros’ e, por uma certa inversão ideológica, os ofícios mecânicos passavam a ser desprezados, como se houvesse algo de essencialmente aviltante no trabalho manual, quando a exploração do escravo é que o era. (CUNHA, 2005, p. 16). O resultado disso, segundo Cunha, foi o surgimento de um processo de defesa do branqueamento de certos ofícios contra o denegrimento da atividade:

Assim, se havia a destinação do trabalho pesado e sujo (manual, evidentemente) ao escravo, havia, ao mesmo tempo, atividades manuais que os brancos livres queriam que ficassem preservadas para si. Nesses casos, as corporações de ofício faziam normas rigorosas, até mesmo com apoio das câmaras municipais, impedindo ou pelo menos desincentivando o emprego de escravos em certos ofícios. Em decorrência, procurava-se “branquear” esses ofícios, dificultando o acesso de negros e mulatos ao seu exercício (2000, p. 90).

Em relação aos jovens e adolescentes a oferta da educação profissional teve início nos Colégios das Fábricas. Segundo Cunha (2000), o primeiro foi criado, em 1809, no porto do Rio de Janeiro para abrigar os órfãos da Casa Pia de Lisboa, que vieram com a frota que transportou a família real e sua comitiva para o Brasil e foram iniciados em diversos ofícios pelos artífices da mesma frota.

O Colégio de Fábricas é considerado o primeiro estabelecimento de ensino público no Brasil, pois era mantido pelo Estado e foi a primeira iniciativa governamental de profissionalização de jovens, embora, de acordo com Manfredi (2000) fossem vistos mais como “obras de caridade” do que como “obras de instrução pública” e essa forma de oferta caracterizou a sua perspectiva assistencialista.

Os Colégios das Fábricas não prosperaram e foram substituídos pelas Casas de Educandos Artífices, que, segundo Schueler (1999) foram instituídas em 1947. Nelas

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foram admitidos trinta meninos pobres e desvalidos e, de 1840 a 1856, foram criadas dez unidades, em diferentes locais, pelos governos provinciais.

Em 1854, houve a criação dos Asilos de Meninos Desvalidos (edificado em 1874), os quais tinham por objetivo admitir "meninos desvalidos", órfãos ou em "estado de pobreza", entre 06 e 12 anos, a serem educados até a idade de 21 anos. O nível secundário visava à formação profissional das artes e dos ofícios de sapateiro, funileiro, ferreiro e serralheiro; o trabalho no Asilo de Meninos Desvalidos era obrigatório e realizava-se nas oficinas da escola (SCHUELER, 1999).

A formação profissional, por sua vez, ocorreu nos arsenais ou academias militares que criaram cursos para preparação para o trabalho. Naquelas instituições a disciplina era militar, embora os cursos profissionalizantes por elas mantidos não tivessem caráter correcional. Em 1834, o Arsenal da Guerra contava com mais de “duzentos jovens praticando os mais diversos ofícios” (CUNHA, 2005, p.110).

Por iniciativa da sociedade civil foram criados, a partir de 1858, os Liceus de Artes e Ofícios, sendo o primeiro no Rio de Janeiro, seguido pela Bahia (1872), Recife (1880), São Paulo (1873), Maceió (1884) e Ouro Preto (1886). Quanto aos recursos financeiros para a sua manutenção, Cunha (2000, p. 92) informa que “[...] resultavam de doações dos sócios, em dinheiro e em mercadorias, e, principalmente, de subsídios do Estado, conseguidos, também, pelos sócios, muitos deles altos funcionários da burocracia do Estado ou parlamentares”.

Em síntese, Manfredi (2000, p. 78) reporta que durante o período imperial as práticas educativas ligadas à educação profissional – estatais ou da sociedade civil – refletiam duas concepções diferenciadas, mas complementares sobre as funções da EP:

[...] uma de natureza assistencialista e compensatória, destinada aos pobres e desafortunados, de modo que pudessem, mediante o trabalho, tornar digna a pobreza; a outra dizia respeito à educação como veículo de formação para o trabalho artesanal, considerado qualificado, socialmente útil e também legitimador da dignidade da pobreza (MANFREDI, 2000, p. 7). (Grifos nossos).

O fato é que ambas as perspectivas forjaram concepções sobre a tarefa docente e o processo de sua profissionalização que influenciam até a atualidade, já que para atuar na educação profissional bastava que o candidato a professor tivesse o domínio do ofício que iria ensinar, o que adquiria no mundo do trabalho, por meio do exercício laboral. A respeito dessa forma de constituição da função docente, Pinto (2014, p. 66) comenta:

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[...] o modelo pedagógico dessa modalidade de ensino iniciou pelo trabalho dos mestres de ofício, por meio de um fazer técnico em que predominava a habilidade e a destreza no trabalho manual, artesanal e industrial. Esses ofícios profissionais primeiramente tiveram a intenção de se constituir mestres de ofício, mas simultaneamente a esse trabalho elaboraram ofício de mestre que passaram a assumir como profissão. (Grifos da autora).

A formação para o trabalho assalariado e emprego se intensificou no período de transição da produção manufatureira para a industrial, nas últimas décadas do século XIX e início do século XX num contexto de transformação das relações de produção ocasionadas pelo desenvolvimento econômico que forneceu as condições para o início do processo de industrialização, a extinção da escravidão e consequente substituição do trabalho servil pelo assalariado, principalmente de trabalhadores europeus, a formação dos núcleos urbanos, a demanda por educação pelos trabalhadores assalariados que a expressavam nos seus movimentos reivindicatórios.

A formação profissional ocorreu em dois tipos de instituições. Nas de iniciativa privada, com a criação de cursos de formação de trabalhadores, especialmente nas indústrias, com vistas a formar o trabalhador de acordo com as necessidades do novo modelo econômico que demandava mão de obra qualificada. E, naquelas criadas pelo Estado brasileiro, que, com os mesmos objetivos, a tornou prática escolar. Em ambos os casos, a ideia era a formação nos moldes da organização do trabalho, seguindo os princípios tayloristas, e a orientação teórica para a sistematização das práticas educativas adveio dos ideais positivistas, como comenta Cunha (2000, p. 6):

Ao mesmo tempo em que se dava essa mudança ideológica, as exigências acarretadas pelo próprio processo produtivo, tanto na indústria quanto nos transportes ferroviários, passaram a exigir trabalhadores dotados de qualidades que não poderiam resultar de processos aleatórios. Eles deveriam atender aos requisitos do taylorismo, para o que se impunha sua seleção mediante exames psicotécnicos. A aptidão e a escolha dos melhores foram dois critérios inseridos na prática e no discurso do ensino profissional, sem precedentes no país.

Em relação à formação de trabalhadores nas indústrias, Ribeiro (2005) situa duas experiências significativas nos primeiros anos do século XX: as instituições criadas pelos empresários de São Paulo e pelo Instituto Parobé, no Rio Grande do Sul. Os dois grupos dedicaram-se especialmente a construção civil, sendo que o primeiro se especializou na produção para o mercado externo e o segundo para o mercado interno.

Na década de 1920 em São Paulo, industriais, engenheiros, médicos e educadores realizaram estudos e implementaram experiências de educação profissional tendo como diretriz orientadora a organização racional do trabalho. Nesse grupo destacaram-se o engenheiro Roberto Simonsen, o engenheiro educador Roberto Mange e educadores

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escolanovistas como Lourenço Filho, Fernando Azevedo e Anísio Teixeira, organizadores do Manifesto dos Pioneiros da Educação, lançado em 1932.

Segundo Ribeiro (2005), em São Paulo os empresários criaram, nos anos de 1880, o Liceu de Artes e Ofícios; o Serviço de Ensino e Seleção Profissional da Estrada de Ferro Sorocabana (SESP); em 1930, o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT); em 1931 - com o patrocínio da Associação Comercial e da Federação das Indústrias de São Paulo -, o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP) e, posteriormente, o SENAI, em 1942. Nessas iniciativas esteve Roberto Mange, professor na Escola Politécnica de São Paulo e docente e diretor dessas instituições de educação profissional.

Segundo Ribeiro (2005) Mange defendia o ensino segundo os princípios da racionalidade científica, sendo um dos precursores da introdução da Organização Racional do Trabalho (ORT) aplicada ao ensino industrial brasileiro, instrução baseada nos métodos racionais - como as séries metódicas e a psicotécnica aplicada na seleção profissional - que visavam reduzir o desperdício de tempo, de recursos materiais e especialmente de recursos humanos. Também era adepto da especialização, ou seja, de formar o trabalhador para o domínio de uma tarefa específica, uma fração de um ofício, não a sua formação integral, de acordo com os princípios do fordismo que Kuenzer (2011, p. 44) assim caracteriza:

A organização da produção em linha expressa o princípio taylorista da divisão do processo produtivo em pequenas partes, onde os tempos e movimentos são padronizados e rigorosamente controlados por inspetores de qualidade e as ações de planejamento são separadas da produção.

Em relação às escolas implementadas pelo poder público, o ano de 1906 é considerado marco da educação de nível técnico, já que, segundo Cunha (2000), por meio do Decreto nº 787 de 11/09/1906, o então governador do Rio de Janeiro Nilo Peçanha instituiu a construção de cinco escolas profissionais, três para o ensino de ofício (em Campos, Petrópolis e Niterói) e duas para o ensino agrícola (em Paraíba do Sul e Resende). Tais escolas tinham por objetivo preparar filhos de operários para suprir o mercado produtivo dominado pela burguesia emergente e o ensino profissional foi delegado ao Ministério de Indústria e Comércio. Moura (2007) comenta que a criação dessas escolas representou um grande passo para direcionar a educação profissional no país, pois ampliou seu horizonte de atuação para atender as necessidades emergentes advindas dos empreendimentos da indústria e agricultura.

Em 1909, Nilo Peçanha, então Presidente da República, firmou o Decreto nº 7.566, que criou dezenove escolas de aprendizes e artífices, situadas uma em cada unidade

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federativa e destinadas a fornecer o ensino industrial e primário. Cunha (2005, p. 94) explica que essas escolas diferenciavam-se das demais existentes no país, pois elas “[...] tinham prédios, currículos e metodologia e didática próprios; alunos, condições de ingresso e destinação esperada dos egressos que as distinguiam das demais instituições de ensino elementar”, escolas que foram a gênese da rede federal de ensino.

No estado de São Paulo a Lei n° 1.184, de 3 de dezembro de 1909 criou uma rede estadual composta por cinquenta escolas profissionalizantes industriais para atender à demanda dos setores produtivos, que reclamavam por mão-de-obra qualificada. Cunha explica como eram organizadas essas escolas:

Esta lei determinou a criação de escolas noturnas, na capital e no interior, especificando que elas deveriam localizar-se nas proximidades das fábricas e atenderem, exclusivamente, aos meninos operários ou filhos de operários. A prioridade de instalação dessas escolas seria daquelas que tivessem acomodações oferecidas pelas empresas, e o professor seria sempre provido pelo governo estadual. A articulação com as fábricas deveria se dar, também, na definição do horário escolar (CUNHA, 2005, p. 141).

No Rio Grande do Sul o protagonismo na oferta da educação profissional foi do Instituto Técnico Profissional, mais tarde denominado Instituto Parobé, que fora criado em 1906 vinculado à Escola de Engenharia como órgão de uma instituição federal e custeada também com recursos municipais. Nela atuaram engenheiros militares e civis que, segundo Ribeiro (2005), foram formados na Escola Politécnica de São Paulo ou em instituições superiores estrangeiras, como a Escola Técnica de Berlim, a Ponts et Chaussées, de Paris e a Universidade Grand da Bélgica. De forma análoga a Mange, esses engenheiros professores foram fortemente influenciados pelo Positivismo Comtiano e, segundo Ribeiro (2005, p. 213) defendiam o ensino técnico profissional como “instrumento do desenvolvimento econômico, desde que suplantasse as formas rotineiras de realizar a produção, ou seja, a atividade econômica, e do progresso social, desde que acelerasse a incorporação do proletariado à sociedade moderna”.

Dentre os engenheiros do Instituto Parobé destacou-se João Lüderitz, seu diretor e que em 1920 foi convidado pelo governo federal a compor e presidir uma comissão2 com o objetivo de examinar e propor sugestões de melhoria para as escolas profissionais. Dos trabalhos daquela comissão resultou a criação, em 1921, do Serviço de Remodelação do

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Segundo Brandão (1999) tratava-se de uma comissão de técnicos especializados no assunto [nomeada] em 1921, pelo ministro Ildefonso Simões Lopes, para examinar o funcionamento das Escolas de Aprendizes Artífices e propor medidas que remodelassem o ensino profissional, tornando-o mais eficiente.

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Ensino Profissional Técnico que foi transformado em “Inspetoria do Ensino Profissional Técnico”, em 1931 e em 1934 em “Superintendência do Ensino Profissional Técnico”, subordinada ao Ministério da Educação e Saúde Pública. A função desse órgão – a “Inspetoria do Ensino Profissional Técnico” - era supervisionar as escolas de aprendizes artífices e sobre a importância para a EP, Brandão (1999, p. 10) afirma:

Devemos ressaltar que, por um lado, o espaço que o "ensino profissional técnico" passa a ocupar na estrutura do Estado se torna então mais importante e, além disso, este ensino passa a fazer parte do mesmo órgão governamental (o Ministério da Educação e Saúde Pública) dos "outros ensinos" – demonstrando assim a construção de uma nova perspectiva para a formação profissional. Por outro lado, no interior da estrutura do Ministério, podemos observar que existe uma separação entre "ensino técnico profissional" e "ensino".

Embora tenha sido um avanço a formação profissional tornar-se prática escolar, desde a sua gênese houve a separação entre “ensino” e “educação profissional”, inaugurando a dualidade estrutural do sistema de ensino brasileiro, pois havia as escolas para a formação da elite, acentuadamente intelectual, e as escolas para o trabalho destinadas à população pobre. Essas últimas, para Inácio (2010, p. 133).

Ao não se articularem com os demais graus de ensino e terem, portanto, um caráter estritamente terminal – pois eram claramente destinadas à recém formada classe operária brasileira, em consequência da (ainda incipiente) industrialização, do crescimento do setor terciário e da própria urbanização – sua criação traz em si por um lado, a formalização da dualidade na estrutura, organização, fins e objetivos da educação escolar brasileira, ao mesmo tempo em que assinala, em termos educacionais, o início do período de transição do modelo capitalista agrário-exportador para o modelo capitalista industrial.

Entre os anos de 1920 a 1930, quer nas escolas privadas, quer nas estatais, segundo Manfredi (2000, p. 94): “[...] a organização do ensino profissional e os métodos de ensino, antes exclusivamente empíricos e espontâneos das práticas artesanais de aprendizagem, foram adquirindo uma racionalidade técnica, em função do predomínio da ‘organização científica (capitalista) de trabalho”, o que marcou profundamente a educação profissional, já que esteve pautada numa pedagogia orgânica taylorista/fordista que Kuenzer (2011, p. 44) assim caracteriza:

A pedagogia orgânica ao taylorismo/fordismo tem por finalidade atender a uma divisão social e técnica do trabalho marcada pela clara definição de fronteiras entre as ações intelectuais e instrumentais, em decorrência de relações de classe bem definidas que determinam as funções a serem exercidas por dirigentes e trabalhadores no mundo da produção. Este, por sua vez, tem como paradigma a organização em unidades fabris que concentram grande número de trabalhadores distribuídos em uma estrutura verticalizada que se desdobra em vários níveis operacionais, intermediários (de supervisão) e de planejamento e gestão, cuja finalidade é a produção em massa de produtos homogêneos para atender a demandas pouco diversificadas.

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Em oposição a essa ideia da EP como formação para a especialização de funções produtivas identificamos, na literatura da área, tentativas de oferta de propostas educativas que se aproximam timidamente do que se pode atualmente identificar de concepção de educação profissional como formação humana integral. A primeira dessas propostas educativas para superar a dualidade entre educação geral x profissional, que se assemelha ao que posteriormente foi chamado de ensino integrado, foi o Decreto nº 1.711, de 27 de dezembro de 1919, por meio do qual o governo estadual de São Paulo introduziu, nas escolas profissionais, o ensino de Português, Geografia, História do Brasil e Instrução Moral e Cívica. Entretanto, houve repercussão negativa em relação a essa medida, que Fonseca (1986, p. 88) assim expressa:

A reação contra a cultura geral introduzida paralelamente à aprendizagem de ofícios foi muito forte. Não se concebia, ainda, a necessidade de aliar o trabalho das mãos ao desenvolvimento do intelecto, aliança que representa, sem dúvida, a solução mais equilibrada entre os processos de educação. Por isso, voltou atrás o governo, relegando para mais tarde o ensino de Geografia e História e fazendo funcionar apenas, como novidade, as aulas de Português.

Outra tentativa de formação integral foi localizada no Instituto Parobé, especialmente durante a gestão de Lüderitz, pois havia o entendimento da necessidade de fornecer aos alunos formação integral. Segundo Ribeiro (2005, p. 218), a instituição,

[...] reconhecia os seus aprendizes como politécnicos e não especialistas. A direção da instituição constatava que em qualquer centro industrial adiantado exigia-se a especialização do trabalhador, porém, num país novo e de industrialização recente, faltava o trabalhador completo, portador de conhecimentos gerais e práticos de um ofício completo e não parcelado ou especializado.

Ribeiro (2005) identifica a presença dessa concepção nas escolas públicas dos dois estados (RS e SP), em oposição à concepção predominante nas instituições mantidas pela iniciativa privada e a atribui ao fato de as primeiras serem custeadas com recursos públicos, visavam à formação do cidadão e sua inclusão na hierarquia social e nelas

[...] sustentava-se a ideia de que com a instrução profissional integral, o trabalhador era capaz de adquirir independência e segurança em relação às mudanças e crises do mercado de trabalho. A especialização contrapunha-se a esta autonomia e independência (RIBEIRO, 2005, p. 218).

Havia durante a Primeira República duas concepções sobre a formação dos trabalhadores: a da formação humana integral e a da especialização. Moraes (2001) ratifica a existência dessas duas concepções mencionando que a primeira era liderada por Aprígio Gonzaga, Diretor do Ensino Profissional no Estado de São Paulo, que era contra a especialização da formação profissional, defendida pelos professores do Instituto Parobé, e a segunda concepção era endossada pelos liberais reformadores liderados por Roberto

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Mange, que defendiam a racionalização da educação, em especial a profissional com o objetivo de garantir a qualificação no menor tempo, em número e tipo de trabalhadores requisitados pela indústria. Pela influência marcante que a segunda corrente tem na EP é possível deduzir que foi esta que venceu o embate.

A concepção de EP como formação para o trabalho influenciou a formação dos professores que atuavam nas instituições educacionais. Peterossi (1992) afirma que nessas escolas trabalhavam os “mestres professores” que eram recrutados diretamente das fábricas e oficinas e não dispunham de base teórica, conhecimentos técnicos e formação pedagógica para a docência, transferindo para as escolas a concepção taylorista presente no mundo do trabalho. Em contrapartida, a necessidade de formação para a docência foi defendida por João Lüderitz, quando coordenou a comissão referida anteriormente, pois acreditava que o professor de formação profissional deveria ter habilidades para ensinar:

Quem vai ensinar os segredos das artes e dos ofícios tem que ter as duas qualidades reunidas: a do professor e a do mestre de oficina, visto que não se podem separar os conhecimentos humanísticos de redação e de contabilidade, matemáticas elementares e aplicadas, rudimentos de ciência natural, física e química elementar, etc, da imediata aplicação que tais princípios de ensino têm na organização de projetos e orçamento dos artefatos, do desenho industrial, geométrico e ornamental e da tecnologia de cada arte ou ofício (LÜDERITZ apud BRANDÃO, 1999, p.10). A preocupação com a formação para a docência foi objeto de estudo de Peterossi (1992), que identificou duas iniciativas nesse sentido. A primeira foi a criação de cursos

de nível médio, em 1917, pela Prefeitura do Rio de Janeiro, da Escola Normal de Artes e

Ofícios “Venceslau Brás” para preparar mestres e contramestres das instituições educativas a ela vinculadas e professoras de trabalhos manuais para as escolas primárias. Machado (2013), no entanto, afirma que ela foi fechada após vinte anos de atividade porque a experiência foi pouco produtiva, não atingiu os objetivos esperados e a autora apresenta dados que justificam a afirmação:

Durante os 20 anos de seu funcionamento, nesses dois cursos, foram 5.301 matrículas, ao todo. Mas chegaram até ao término dos dois cursos apenas 381 concluintes. Desses 381, 309 eram mulheres, provavelmente as professoras de trabalhos manuais para as escolas primárias, e apenas 72 homens. [...] já demonstra uma tendência de dar pouca importância à formação de professores para a educação profissional. Provavelmente, os 5.301 que se matricularam não sentiram muita necessidade de concluir um curso de formação pedagógica (MACHADO, 2013, p. 348).

A segunda iniciativa de formação de professores, segundo Peterossi (1992), ocorreu por meio da formação continuada quando, em 1931, o governo do Estado de São Paulo instituiu cursos de aperfeiçoamento destinados à formação de docentes que

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atuavam em suas escolas profissionais. Tais cursos eram ofertados após a conclusão dos cursos profissionais, tinham duração de dois anos e previam a realização de estágio de seis meses em estabelecimentos de ensino comercial de sua especialidade.

No período da substituição das importações (1930 a 1960) houve a criação do Conselho Nacional de Educação e vários decretos que constituíram a "Reforma Francisco Campos", responsável por organizar o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Mas quanto à EP a reforma restringiu-se ao Decreto nº 20.158 de 30 de junho de 1931, que regulamentou a profissão de contador e organizou o ensino comercial em nível médio e superior. O curso de nível médio tinha caráter de terminalidade, já que não havia previsão de prosseguimento dos estudos com a obtenção do diploma de técnico.

O Estado Novo (1937-1945) refletiu as tendências fascistas do período e a centralidade do Estado como agente do desenvolvimento econômico. A Constituição de 1937 previu como dever do Estado oferecer o ensino pré-vocacional e profissional às classes menos favorecidas, retomando a visão assistencialista da EP. Pela lei as indústrias e sindicatos econômicos deveriam criar, dentro de suas especialidades, escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou associados (art. 129). Assim, segundo Cunha (2000), para regulamentar o previsto nesse artigo da Carta Magna o governo apresentou dois anteprojetos de lei em 1938: o primeiro para criar as escolas de aprendizes industriais, que deveriam ser mantidas e dirigidas pelas indústrias e sindicatos patronais e destinadas aos jovens trabalhadores com idade entre 14 e 18 anos e o segundo criava as escolas pré-vocacionais, também sob a responsabilidade dos sindicatos dos empregadores, para jovens não trabalhadores, com idade entre os 11 e 14 anos.

Segundo Cunha (2000), a tramitação dos referidos anteprojetos foi dificultada pela recusa do empresariado em arcar com o ônus da criação das escolas e, assim o governo baixou o Decreto-lei nº 1.238, em 2 de maio de 1939, obrigando as empresas a manter cursos de aperfeiçoamento profissional para adultos e menores. Da discussão causada pela aplicação das normas contidas no referido decreto-lei resultou em novo decreto, o de nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que deu origem ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), onde atuou de forma decisiva Roberto Mange, defendendo a visão taylorista de educação profissional.

Quanto à orientação pedagógica do SENAI, Cunha (2000) reporta que o órgão incorporou as séries metódicas de ofício como sua pedagogia por excelência, já que era herdeiro do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP), de Mange. Essa

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