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Influência da epistemologia de Fleck nas pesquisas e as contribuições para

Apêndice 08 – Parecer do Comitê de Ética em pesquisa UNIJUI

1.3 ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

2.1.2 Influência da epistemologia de Fleck nas pesquisas e as contribuições para

Fleck tem servido como referência para várias pesquisas no Brasil devido a suas incursões pela história, sociologia e filosofia da ciência. Lorenzetti; Muenchen; Slongo (2016) identificaram, no período de 1995 a 2015, a existência de oitenta e nove trabalhos (teses e dissertações) produzidos no Brasil em diversas áreas, a partir dos conceitos centrais do referido epistemólogo. Do total dos trabalhos, quarenta e três se referem à Educação e Ensino, quarenta são da área da Saúde e seis da Filosofia. Quanto à formação de professores, identificaram treze pesquisas24.

Para atualizar o estado do conhecimento neste trabalho identificamos, no período de 2010 a 2017, cinquenta e seis estudos, cujos dados constam no quadro do apêndice 07 e tem como características gerais:

a) Forte concentração de estudos na área da educação e ensino, já que nessa área foram produzidos 41 trabalhos, seguido da área da Saúde (8), História (4), Filosofia (2) e Psicologia (1).

b) Crescimento quase contínuo de produções, porém com grande ampliação nos últimos anos: 2010 (três); 2011 (quatro); 2012 (onze); 2013 (sete); 2014 (dez); 2015 (dez); 2016 (nove); 2017 (dois).

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Delizoicov (1995); Marques (2007); Lambach (2007), Muenchen (2010), Oda (2012), Queirós (2012), Niezwida (2012), Souza (2013), Brandao (2013), Gonçalves (2014), Leonel (2015), Souza (2015) e Macedo (2015).

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c) Produções advindas de diferentes instituições de ensino superior, pois os cinquenta e seus estudos foram elaborados em vinte e cinco delas. Em quinze instituições houve a produção de um único trabalho e, em posição inversa, se destaca a UFSC, onde foram produzidos dezenove estudos, o que indica a existência de grupo de pesquisa consolidado que toma Fleck como referência.

d) Em relação aos orientadores, os trabalhos foram orientados por quarenta e um pesquisadores, sendo: 31 orientadores (um trabalho); 6 (dois trabalhos), 3 (três trabalhos); 1 (quatro trabalhos).

e) Há uma forte concentração dos trabalhos na região sul (34), seguido do sudeste (15) e nordeste (7).

f) Quanto às temáticas, são variadas devido às áreas de procedência dos seus autores. Na área da educação e ensino, duas temáticas se destacam: o ensino de ciências, incluindo química, física, biologia e matemática, e a formação de professores, presente em dezenove estudos.

Como esta tese trata da formação de professores para a EP buscamos identificar nesses trabalhos quem tratou do tema e não localizamos nenhum. Girelli (2016) realizou sua pesquisa em curso de ensino médio integrado, mas trata do ensino de física na formação do técnico em agropecuária. Os trabalhos de Oda, Lambach e Souza tratam de cursos superiores e Niezwida, Nonenmacher e Brandão, embora tenham desenvolvido suas pesquisas em instituições de EP não tratam de formação dos professores das disciplinas técnicas. Nonenmacher (2014) investigou a ação de professores no curso de licenciatura em Química, Brandão no curso de Física e Niezwida os processos de formação docente em Educação Tecnológica na Argentina.

A pergunta que nos mobiliza nessa seção é por que utilizar Fleck, ou seja, como o epistemólogo polonês auxilia a compreensão da formação de professores em geral, e mais especificamente a trajetória de formação dos professores da EP e de que modo ela influencia o ensino das disciplinas técnicas.

Como enunciado no capítulo anterior, o professor da EP não recebe formação docente, ingressando na profissão em função do seu domínio de conhecimentos e práticas profissionais, e, partindo da perspectiva fleckiana, sua formação inicial ocorre em coletivos e estilos de pensamento bastante diferenciados da formação de outros professores. Assim, a constituição desses professores ocorre em EPs, que constituem a sua trajetória de formação com reflexos na iniciação à docência, configurando sua atuação e seu modelo pedagógico.

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Os postulados da perspectiva fleckiana, portanto, são entendidos pertinentes para pensar os problemas do campo da formação de professores da EP porque ela explicita a importância da formação profissional nos CP – que considera a introdução didática aos EPs, já que nele se imitam os modelos teóricos (as ideias) e a forma de trabalho (a prática). Esses EPs, portanto, balizam o modo como os professores dessa área compreendem as temáticas de suas especialidades e configuram o seu modo de pensar e agir em sala de aula. Considerando a advertência de Fleck acerca da dificuldade de comunicação entre membros de coletivos de pensamento distantes entre si, como parece ser o caso da EP, indagamo-nos sobre as repercussões que isso tem na instituição escolar e em que medida explica as possíveis dificuldades de relações entre os professores.

Assim, interessa compreender como se caracterizam os coletivos e estilos de pensamento que formaram os professores, como ocorre a circulação intra e intercoletiva das ideias daqueles coletivos dos quais participa, quais transformações ocorrem quando ele se insere no novo coletivo de pensamento – a escola e os cursos de formação de professores – e de quais modos essa formação repercute na sua prática docente.

O epistemólogo explica a forma de produção e circulação dos conhecimentos e, sendo o processo educativo escolar uma das formas de socialização dos conhecimentos produzidos e o professor um mediador entre eles e os alunos, ele influencia na apropriação do estilo de pensamento a que se encontra vinculado por meio das formas que escolhe para promover a transformação e a transmissão desses conhecimentos, ou seja, a instauração, a extensão e a transformação dos estilos de pensamento explicitada pelo autor.

Embora Fleck não tenha tomado por objeto de estudo os processos educacionais, parece que suas ideias sobre os tipos de conhecimento e os veículos utilizados na sua transmissão – os periódicos, manuais e livros didáticos – podem fornecer subsídios para caracterizar e compreender a atuação desse grupo de docentes, indicando caminhos a serem percorridos nos cursos de formação desses professores.

2.2 CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO DE PROFESSOR

Têm sido recorrente na literatura educacional tendências investigativas acerca do reconhecimento do ofício de professor como profissão e que, com esse estatuto, exige um conjunto de saberes, habilidades, competências, normas e valores. Desde a década de 1980,

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surgiu em vários países um claro movimento de profissionalização dos agentes educativos em geral e dos professores em particular, que Tardif (2000, p. 6) assim expressa:

A profissionalização do ensino e da formação para o ensino constitui, portanto, um movimento quase internacional e, ao mesmo tempo, um horizonte comum para o qual convergem os dirigentes políticos da área da educação, as reformas das instituições educativas e as novas ideologias da formação e do ensino. Nessa direção, nos últimos anos, vários autores pesquisaram o processo de profissionalização docente, considerando a importância da análise do espaço de atuação do professor como formador e produtor de saberes. Além disso, os estudos sobre a epistemologia da prática profissional, que Tardif (2000, p. 10) conceitua como “o estudo do conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” também é objeto frequente de estudos.

Essas ideias repercutiram no Brasil a partir dos anos de 1990 e atualmente há um número impressionante de obras e artigos que tomam como base os estudos desenvolvidos por pesquisadores liderados por Tardif, Gauthier e Shulman. No Brasil o tema foi objeto de estudos de Dermeval Saviani e Selma Garrido Pimenta.

Para os objetivos desse trabalho nos interessam, sobretudo, as análises acerca dos conhecimentos que servem de base para o ensino, ou seja, os saberes que os professores mobilizam em sua prática docente. Apenas para situar o enfoque dessa busca, transcrevemos a provocação de Tardif (2000, p. 10):

Desse ponto de vista, a prática profissional nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior das hipóteses, um muro contra o qual se vêm jogar e morrer conhecimentos universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do trabalho docente diário nem com os contextos concretos de exercício da função docente.

Compreender os saberes exigidos dos professores no contexto da sala de aula e os modos como se articulam os diferentes saberes da experiência e da formação específica no exercício da docência é o objetivo dessa seção. Inicia esclarecendo o que são saberes, identifica os conhecimentos de base para as práticas educativas dos professores a partir de várias perspectivas e aportes teóricos, como Tardif (2000, 2002), Gauthier et al (2006), Shulman (1986, 1989, 2005), Saviani (1996) e Pimenta (1999). Por fim enfoca a categoria conhecimento pedagógico de conteúdo de Shulman, que é central para esse estudo.