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Neste tópico, gostaríamos de trazer uma maneira diferente de analisar a linguagem, não iremos nos deter em conceitos sobre o tema, e caracterizar as tantas linguagens que a criança expressa, apenas abordaremos todas as linguagens como expressões da criança, como sua função simbólica, como tantos autores e autoras estudaram e nos ensinou ensina Kishimoto.

Como já dito, somos adultos tentando entender o mundo das crianças e para isso precisamos mudar nosso foco, mudar nosso olhar, não as definir ou enquadrá- las, apenas conseguir adentrar no mundo delas, olhar para seu brincar, escutar sua conversa. Assim, mudando o viés do nosso olhar, conseguiremos nos aproximar das crianças e isso nos auxiliará como ponto de partida para aperfeiçoar os cuidados com a criança hospitalizada.

Existem mil maneiras de expressão que a criança pode utilizar: a fala, o desenho, o gesto, o choro, a brincadeira, o brinquedo, entre tantos outros. Trataremos na dissertação tais maneiras como linguagem. Há as linguagens simbólicas, linguagens não verbais, as linguagens através de símbolos. Elas não são abertamente acessíveis. Como assegura Friedmann (2005, p. 27):

(...) Nos convidam a olhar através delas, além delas. Essas linguagens apresentam-se via imagens e através delas podemos entrar no mundo do ser humano com profundidade. Dentre elas podemos citar a linguagem dos sons, a do toque, a da fala e da escrita, a dos cheiros, a dos sabores, a da arte, a do brincar, a dos gestos, a dos sonhos.

O percurso do século XX destinou-se a fazer leituras da criança e do jovem a partir de processos de desenvolvimento e aprendizagem, porém, ao focar nesses parâmetros utilizamos apenas uma lente, não enxergando o ser humano por inteiro.

Afinal, para conseguirmos vislumbrar holisticamente, precisamos não de um olhar focado para uma característica só, necessitamos olhar através do cognitivo, do corporal, do emocional, do psíquico, do social, do moral, entre tantos outros olhares que a complexidade de um ser humano pode precisar (FRIEDMANN, 2005).

Com as crianças, chegamos com “verdades que vestimos como uniforme” como diz Friedmann (2005, p. 28). Ela ainda complementa: “ingênuos para a possibilidade de “ouvir, olhar, observar e ver” o que acontece com aquela(s) criança(s) ou grupos de crianças que estão à nossa frente” (FRIEDMANN, 2005, p. 28). Se conseguirmos olhar a criança a partir dessas diversas lentes, abrir-nos-emos para uma imensidão de novas possibilidades, que irão revelar linguagens pouco conhecidas, como as linguagens simbólicas. Nesta dissertação, tais linguagens serão tratadas como a autora supracitada mencionou em seu livro, são aquelas linguagens não evidentes e não verbais, que surgem a partir de imagens no brincar, na arte, nos gestos, nas expressões corporais e em tantas outras representações.

Assim conseguiremos mapear as representações e significações que a criança faz durante a internação, mas é um trabalho mais profundo “em prol de uma infância mais significativa, compreendida e respeitada” (FRIEDMANN, 2005).

O brincar, uma vez qualificado como linguagem, é uma maneira de expressão, pela qual a criança se relaciona com o mundo a sua volta (BATISTA, 2009).

Durante a brincadeira, a criança pode demonstrar através de uma linguagem particular o que pensa sobre determinado assunto ou período por que está passando. Suas representações e significações são oriundas dos acontecimentos vividos. Podemos dizer que o brincar e o jogar são maneiras básicas da comunicação infantil, com as quais as crianças criam um mundo paralelo e conseguem organizar e absorver melhor os impactos desempenhados pelos outros. As crianças não se comunicam como os adultos, e é no jogo que elas acabam interpretando e entendendo o mundo (SANTA ROZA, 1999 apud BATISTA, 2009).

A necessidade de comunicação humana é instigada e está presente desde quando nascemos, assim como a essência lúdica, desde que as crianças são muito pequenas. O lúdico começa a ser trilhado desde quando os pais ou pessoas próximas buscam interagir com a criança e vice-versa, da mesma forma a comunicação acontece.

Portanto, como diz Gutton (2013, p. 221): “O brincar é uma linguagem e se acompanha de linguagem”. Este mesmo autor afirma (GUTTON, 2013, p. 222):

O brincar, para a criança, é necessário ao equilíbrio afetivo e intelectual; se as atividades infantis devem se adaptar sem cessar ao mundo adulto, principalmente à linguagem, o brincar aparece como um setor privilegiado, centrado numa motivação pessoal; utiliza um sistema de significantes por ela construído e flexível a suas vontades.

O que podemos e devemos fazer é provocar as crianças a criarem situações novas nas brincadeiras, incentivando-as a explorar todos os espaços de forma lúdica. Desenvolvemos esse estudo partindo do que poderia representar o brincar para a criança. Após as leituras e aprofundamento nas visitas realizadas, nota-se que o brincar abrange diversos maneiras. Não é apenas um conceito, é uma linguagem, uma expressão. Muitas vezes, não compreendida na sua infinidade de maneiras para realizá-la.

3 A CAMINHADA DA PESQUISA

Para realização da dissertação a pesquisa que se propôs a mostrar o olhar sobre o brincar sob o ponto de vista da criança, foi imprescindível fazer um recuo no tempo e construir outras possibilidades metodológicas. Para tanto, muitas leituras foram necessárias e, sobretudo, um esforço no sentido de desvestir o que conceitualmente compreendemos sobre as crianças e fazer a escuta sensível (BARBIER, 2007) das mesmas em um ambiente hospitalar. Por esse motivo, o roteiro foi sendo cuidadosamente desenvolvido e construído, pois os dados não estavam ao nosso dispor para serem coletados, eram as narrativas das crianças é que nos interessava o que elas tinham a nos dizer.

Este fato vem a ser um novo jeito de fazer pesquisa diferente de números, de tabelas, de dados, nossa proposta foi de mergulhar no mundo das crianças hospitalizadas, nas condições em que foram possíveis.

Para tanto, foi necessário buscar pesquisas relacionadas em leituras que serviram para auxiliar-me nesta nova forma de pesquisar com crianças, entre as quais cito algumas, Crianças Narradoras e suas vidas cotidianas17 da autora Maria Teresinha de Oliveira, Criança sujeito de história e cultura: princípios metodológicos

da pesquisa com crianças, de Virna Catão18 e A brincadeira simbólica e a criança

enferma, quando brincar é viver19, de Cleide Batista. Após a compreensão dos

passos escolhidos pelas pesquisadoras citadas, foi mais fácil a compreensão de sua natureza científica de pesquisa.

Assumimos, neste estudo, perspectivas diferentes da área da saúde, por isso a necessidade da interdisciplinaridade – da saúde unir-se à educação. Tal diálogo entre essas duas áreas, hoje é extremamente necessário, estudos com crianças, no nosso ponto de vista, não podem partir de uma visão positivista encarada por muitos pesquisadores, resultados com crianças não podem ser apenas medidos quantitativamente sem o olhar o contexto em que vivem as crianças, o que sentem e como significam o mundo.

17

OLIVEIRA, Maria Terezinha Espinosa de. Crianças Narradoras e suas vidas cotidianas. Rio de Janeiro: Rovelle, 1 ed., 2011.

18

CATÃO, Virna Mac-Cord. Criança sujeito de história e cultura: princípios metodológicos da pesquisa com crianças. Revista UNIABEU Belford Roxo: V. 5; N. 9; 2012.

19

BATISTA, Cleide Vitor Mussuni Batista. A brincadeira simbólica e a criança enferma quando brincar é viver. Londrina: EDUEL, 2009.

Estar e prestar atenção ao que falam as crianças, nas suas diferentes infâncias, em diferentes lugares, espaços e condições diferenciadas foi um desafio para mim e o feito na presente dissertação. Isto é, foi um exercício de pesquisar e, é talvez seja o maior desafio para pesquisadores, pois observar as vivências infantis e buscar capturar, não as representações e reconstruções científicas dos adultos sobre elas, mas sim, o que as próprias crianças pensam sobre os assuntos referentes a si mesmas (DEMARTINI, 2011).

Para isso, faz necessário alterarmos o momento da observação, para que houvesse muita sensibilidade. No período da conversa em desenvolvimento da pesquisa, tínhamos um olhar dirigido às crianças na horizontal e não vertical (WESCHENFELDER; BELTER; MARIN, 2011). Esse jeito diferente é um convite para que a pesquisa desempenhe seu papel, mudando o modo de pesquisar com crianças em todos os lugares que elas ocupam, tornando-as protagonistas e não sujeitos invisíveis de pesquisa que sofrem a ação.

Na educação, já se fala em escutar mais as crianças, o que pouco acontece no campo da saúde, por isso uma pesquisa como com essa com as crianças hospitalizadas, acredito ser importante. Carecemos de um olhar mais sensível também para a saúde, nesse sentido, outras áreas são de fundamental importância e foram as leituras feitas na disciplina Estudos da Infância que me auxiliaram a ver a criança de outro modo e escutá-la. Tais estudos são do campo da antropologia das crianças, da sociologia da infância, campos do conhecimento relativamente novos para a educação inclusive.

Nesta direção, qual é o contexto de escuta das crianças? È o hospital um espaço atravessado por diferentes situações, onde famílias, pessoas internadas e funcionários compartilham momentos, onde diferentes culturas estão latentes em uma situação muito especial e de uma preocupação. Assim, podemos afirmar que o hospital um ambiente intercultural, onde diferentes culturas se cruzam e assim, há a urgência de aceitar que as crianças podem e precisam da democratização desse espaço para melhorar seu acolhimento.

Assim como as professoras da escolarização inicial estão a praticar a escuta das vozes infantis com muita sensibilidade e cuidado (WESCHENFELDER; BELTER; MARIN, 2011), também na área da área da saúde, necessitamos compreender essa escuta com mais sensibilidade para escutá-la e levarmos em consideração dentro dos hospitais aquilo que as crianças dizem e pensam.

Afinal, o ambiente hospitalar poderia pertencer às crianças, mesmo que seja muitas vezes por razões óbvias, mas não é assim, é como sabemos é um momento especial e bastante dolorido elas. Buscar na experiência e nas suas falas o que o brincar neste local representa não é tarefa fácil.

Conforme nos ensina Bomtempo (apud BATISTA, 2009, p. xv):

A criança hospitalizada tem necessidades que vão muito além do atendimento estritamente clínico e, algumas condições presentes no hospital possuem relevância tanto no agravamento como no restabelecimento de determinados quadros clínicos. É necessário explicitar tais variáveis a fim de corroborar um atendimento mais efetivo no contexto da saúde.

Por esse motivo, o brincar, para a criança hospitalizada, merece nossa atenção, não devendo ser deixado de lado ou menosprezado pelos adultos. Nesses termos, a metodologia e os procedimentos da pesquisa foram construídos durante o processo precisaram de atenção e cuidados para que o estudo transcorresse da melhor maneira possível e, no sentido de escutar o que realmente a criança entende por estar ali, o seu olhar da doença, do hospital e, especialmente, os significados do brincar neste contexto.

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