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Maria tem 9 anos, está no 4º ano, mora na cidade de Cruz Alta, foi internada com suspeita de apendicite e está com infecção urinária. Já foi internada diversas

vezes. A mãe fica com ela tempo integral, às vezes só a deixa com outra pessoa para tomar banho em casa, já que a enfermaria não tem banheiros para cada quarto, apenas um banheiro no corredor para meninos e um banheiro para meninas. Maria está internada há dois dias, mas já estava apática e doente fazia mais tempo.

Como está internada na enfermaria, a mãe de Maria já sabia que eu ia conversar com ela, afinal ouviu minha conversa com o João, mas a menina há pouco tempo tinha recebido uma injeção de um antialérgico e estava dormindo. Havia um menino sentado no leito, perguntei sobre ele, era um primo que tinha vindo passar um tempinho com ela, para brincar. Ele estava jogando no tablet, e ela tapada com cobertor até a cabeça, ficando apenas os cabelos de fora. A mãe se prontificou a acordá-la, eu disse que não precisava, mas ela insistiu. A menina acordou, mas visivelmente com sinais de quem ainda estava com muito sono, durante a conversa parecia que às vezes ela até cochilava.

Nesses períodos de cochilo, a mãe me contou que a menina geralmente é internada: - “Se Maria não visitar duas vezes por ano o hospital, não é ela” (falou a mãe). Então conversei com a mãe sobre quem ficava com a criança durante essas internações, ela me falou que a menina só aceita que ela fique, mais ninguém, e, dependendo da visita, também não se agrada.

A respeito das frequentes internações de Maria, é interessante trazer a fala de Furtado e Lima (1999, p. 367):

(...) a criança submetida a hospitalizações frequentes e repetidas recebe estímulos que outras provavelmente não receberão, se não vivenciarem este processo. Aquela que convive com a doença crônica e frequenta o ambiente hospitalar e entra em contato, por exemplo, com outras formas de alimentação, equipamentos que estão ao seu redor, intervenção em seu próprio corpo, dor, enfim procedimentos e sensações que enriquecem suas experiências, mesmo que nem todas sejam alegres e tranquilas, mas são estímulos que contribuirão para seu processo de crescimento e desenvolvimento.

A menina se mostrou interessada, quando a mãe começou a me contar sobre os desenhos que ela faz, a mãe encheu-a de elogios. Perguntei a Maria se ela me mostraria, disse que sim e que faria um desenho para que eu levasse comigo.

Interessante essa fala da mãe, sobre os desenhos despertarem orgulho na própria Maria, demonstrando, assim, como na criança anterior, prazer em fazer algo, em desenhar. O desenho, para Maria, após suas muitas internações, é o brincar

preferido dela, e perfeito para o local, afinal não precisa carregar muitas apetrechos, tanto é prazeroso, que busca sempre aperfeiçoá-lo. De acordo com Mèredieu (2006, p. 7): “Cumpre notar, aliás, que quanto mais a criança avança em idade, mais diminui a rapidez de execução (...): o desenho torna-se caprichado, bem acabado (...)”.

Perguntei se queria giz de cera emprestado para desenhar (eu havia levado uns na bolsa) a menina disse que não precisava, que tinha trazido de casa.

Maria: Pega ali, mãe!

A mãe puxou dois estojos, pois “os lápis e o giz de cera ficam separados das canetinhas”, disse Maria. E um fichário cheio de folhas de ofício cor-de-rosa.

Figura 5: Desenho feito por “Maria”. Ela começou em casa e terminou no hospital, o nome da menina do desenho é Bruna Barbie

Figura 6: Desenho feito por “Maria” no hospital durante a internação. Ela ainda estava sem nome

O desenho que Maria resolveu fazer para que eu levasse comigo era uma representação do Hospital, mais precisamente do lugar em que ela estava internada. Muito próximo da realidade. As diversas camas, uma do lado da outra, as imagens infantis coladas na parede, a mesinha (parecida com um criado-mudo) ao lado das camas. O número 27 identificando o quarto e a letra F (que fica na frente do leito dela), os “furos” na parede, correspondendo ao oxigênio e aos demais artefatos que existem num quarto de hospital, e a parte escrito pediatria corresponde a entrada dessa ala.

O desejo de dar-me um desenho e este ser justamente onde está internada nos ajuda a refletir, pois não fiz nenhum pedido, nenhuma intervenção, foi uma escolha exclusivamente de Maria. No livro “O desenho infantil” do autor Florence de Mèredieu (2006, p. 51), ele traz o exemplo da Casa que poderá nos auxiliar na reflexão:

Entre todos os temas possíveis, o da casa pode permitir apreender de que modo a criança vive o espaço. Primeiro espaço explorado, símbolo do meio familiar em que se desenvolvem as primeiras experiências decisivas, a casa aparece violentamente carregada de afetos. Prolongamento do corpo e da personalidade da criança, a casa constitui para ela um verdadeiro ambiente (...).

A casa, com o passar da idade da criança, acaba sendo carregada de detalhes, cada vez que é desenhada, é aperfeiçoada. O quarto de hospital desenhado por Maria traz riqueza de detalhes, parecendo-nos que ela o olhou por algum tempo, analisou-o. Quem sabe porque ele tenha estado muito presente na sua infância, se tornando, talvez, familiar, afinal ela tem vivido esse espaço.

Para elaborar um desenho, além da realidade presente, a criança utiliza a imaginação. Ela registra aquilo que lhe é significativo, fazendo recortes da realidade, combinando com o que imagina. Por intermédio dele, ela recria (reelabora, ressignifica) o que já é real, projetando o futuro da sua própria elaboração (NATIVIDADE; COUTINHO; ZANELLA, 2008). Ela desenhou todo o quarto, com todos os detalhes possíveis, os objetos, não esqueceu algum, porém cabe ressaltar que ela não desenhou a si própria, nenhuma criança está representada no desenho, apenas o local.

Outro detalhe, igualmente importante, é o desenho sem cor. Representando o monocromatismo deste lugar, disciplinador, rigoroso.

Goldberg et al. (2005, p. 97) pode nos amparar a refletir um pouco mais:

O desenho infantil é um dos aspectos mais importantes para o desenvolvimento integral do indivíduo e constitui-se num elemento mediador de conhecimento e autoconhecimento. A partir do desenho a criança organiza informações, processa experiências vividas e pensadas, revela seu aprendizado e pode desenvolver um estilo de representação singular do mundo.

O Hospital a fez vivenciar situações que constituíram Maria diferente de outras crianças, com outras vivências. A partir da vivência desse espaço, Maria reelaborou suas experiências. O desenho demonstra esse conhecimento sobre ela, a respeito do que está passando e relativo do espaço em que está, demonstrando que assimilou (e continua assimilando) as suas internações.

Até acerca de seu futuro, demonstra o quão presente a rotina hospitalar e os profissionais da saúde estiveram (e estão) na sua infância. Tanto é que, durante o desenho, Maria relatou-me que gostaria muito de ser pediatra, entre outras vivências, uma personagem televisiva também a inspira.

Enquanto conversávamos sobre isso, a mãe interrompeu para falar das injeções, pois, sempre quando Maria precisava fazer injeções, a menina culpava a mãe pelo sofrimento.

Maria: A mãe não podia ter deixado me darem injeção!

P: Mas já pensou que, se for pediatra, talvez você tenha que dar injeções em crianças também!

(Ela fez afirmativo com a cabeça, satisfez-se com meu comentário e deu um sorriso, mudando de assunto).

Maria: Verdade!

Nesse momento, resolvi não dizer que injeção não dói, até porque estaria mentindo, afinal injeção dói, porém como é imprescindível, ela é suportada. Apenas utilizei algo que ela mesma trouxe para a conversa para entender que é preciso.

Um ponto importante da relação do adulto com a criança enferma é mediado pela sinceridade e pela espontaneidade. O adulto não deve enganá-la quando perguntado sobre a sua enfermidade ou sobre o que irá acontecer. Devemos deixar a criança desenvolver seus próprios recursos para enfrentar a situação e prepará-la para o que possa acontecer (BATISTA, 2009).

Maria é uma garota bem decidida, nada tímida, mostra saber o que quer e impõe suas vontades, responde por ela mesma, e não deixava sua mãe “tomar conta” da conversa.

Resolvi perguntar se tivesse algum lugar no hospital para crianças, o que ela gostaria que tivesse nesse local.

Maria: - Papel, lápis de cor, canetinhas e livros. Adoro ler!

O primo a olhava com admiração enquanto conversávamos, mas muito quieto, mais introspectivo, totalmente ao contrário dela, parecia ter orgulho da prima. Mesmo quieto, no momento da pergunta, falou baixinho que poderia ter videogame nesse lugar.

A mãe relatou estar muito feliz sobre a ala Pediátrica. Essa parte do hospital é relativamente nova, foi reformulada e organizaram um espaço só para as crianças, antes as crianças ficavam em andares misturados com os adultos. E assim o pessoal da enfermagem fica somente atendendo as crianças.

M (mãe): - Criança não deve ser misturada com adulto em Hospital, elas são diferentes. Assim ficou muito melhor. E, se eles fizerem uma brinquedoteca, ficará ainda melhor.

Maria estava com uma vantagem, o soro não estava na mão com que ela desenhava, então podia fazer seus desenhos sem se preocupar.

Contou-me que há 20 dias não frequentava a escola, mas notei que isso não era muito preocupante para ela, talvez pelas constantes internações que já havia sofrido.

Terminou o desenho e vi que esperava uma reação minha sobre ele. Elogiei- a e disse que era muito real, pois os detalhes do quarto estavam todos ali.

Ela não tinha nada contra o local, somente contra as injeções e sabia diferenciar bem, que uma coisa não estava ligada à outra, pois eram remédios e, em casa, ela também tomava remédios só que não eram injetados. Para ela, a culpa era da mãe de permitir que as enfermeiras fizessem a injeção nela, pela dor que ela sentia, como se a mãe deve-se sempre protegê-la de toda e qualquer dor.

Novamente vem à tona o adulto protetor, porém de outra forma, de proteger contra a dor e contra aquilo de que a criança não gosta, mesmo sabendo que é necessário. Maria exigia os cuidados e o carinho da mãe, pretendia a proteção daquilo que para ela não era bom. Porém, quando as perguntas eram sobre o que

ela tinha, o motivo de estar internada, nenhuma ela respondeu e tampouco exigiu que a mãe respondesse, apenas fazia que não tinha escutado e mudava de assunto. A criança, a partir de vivências, vai construindo sua identidade. Aquela que é muitas vezes, hospitalizada é diferente da que nunca foi, cada uma, singularmente, utiliza de suas vivências pessoais para a construção do seu self. Maria aprendeu a diferenciar-se das outras crianças, do primo, dos colegas, pelas suas constantes internações e todas suas outras vivências, pois cada um utiliza sua experiência de forma diferente, recombinando a cada momento para a formação da sua identidade pessoal e social. Sarmento (2004, p. 23) afirma:

O mundo da criança é muito heterogêneo, ela está em contato com várias realidades diferentes, das quais vai aprendendo valores e estratégias que contribuem para a formação da sua identidade pessoal e social. Para isso contribuem sua família, as relações escolares, as relações de pares, as relações comunitárias e as atividades sociais que desempenham (...).

Maria não age propositalmente, ela durante suas experiências, ressignifica aquilo que mais a tocou, o mais significativo, criando, toda vez, significados novos para sua vida. Larrosa (2011, p. 23) traz:

A experiência, portanto, não é intencional, não depende das minhas intenções, de minha vontade, não depende de que eu queira fazer (ou padecer) uma experiência. A experiência não está do lado da ação, ou da prática, ou da técnica, mas do lado da paixão. Por isso a experiência é atenção, escuta, abertura, disponibilidade, sensibilidade, vulnerabilidade, exposição.

Não busquei analisar a Maria pelas suas ações, caracterizando-a, definindo- a, simplesmente conversei e averiguei situações. Devemos ter o cuidado para não nos deixar invadir pelos conceitos estudados e apenas assimilar aquilo que nos convém. De acordo com Batista (2009, p. 16):

A realidade psíquica da criança não pode ser reduzida à realidade psíquica dos adultos. Quando o adulto tenta capturá-la, a partir de suas próprias representações, o que faz é perdê-la irremediavelmente, para uma máscara que ele compôs acreditando que fosse ela.

Portanto, compartilhar essa conversa, receber o desenho de Maria não permite que eu consiga defini-la ou capturá-la como dito acima. Ao praticar a escuta

sensível (BARBIER, 1997), o pesquisador deve deixar sentir o universo afetivo, não julgando, não comparando, apenas buscando compreendê-la.

4.2.1 Carlos

Carlos tem 11 anos, é da cidade de Cruz Alta, está no 7º ano, foi internado devido à Bronquite, já está hospitalizado há 7 dias, sua mãe o acompanha na sua primeira internação.

Cabelo com gel e topete – o da moda – com roupas combinando, aparentando ser muito vaidoso.

Quando perguntei sobre o brincar e a mãe comentou que ele brincava com o colega de quarto de 5 anos, senti que ele ficou muito envergonhado, já que está “entrando” na pré-adolescência.

Fui ganhando sua confiança, e ele me contou que estava com saudade da escola, há 7 dias estava internado e esteve mais alguns em casa, queria voltar a ver os colegas. Brinquedos? Tinha levado sim, só não estavam mais com ele, pois estava com tudo arrumado para ir embora (o médico havia prometido que o liberaria nesse dia). Olhei para trás da cama, os cobertores estavam dobrados, muitas sacolas, tudo organizado, demonstrando sua ansiedade pela saída do Hospital.

Pesquisadora: Quais brinquedos?

Carlos (C): Carrinhos. Trouxe um monte deles, mas meu pai os já levou para casa.

Com o passar da conversa, na qual a mãe sempre quis estar presente, observei que Carlos me olhava muito, para a roupa que eu estava vestindo e, quando eu lhe perguntava algo, ele me olhava fixamente nos olhos.

P.: Você gostaria que tivesse algum lugar no hospital com brinquedos? Ou para ti assim está bom?

C.: Ah, gostaria. Como no Dr. Saul. Lá tem até piscina de bolinhas.

(Dr. Saul é Pediatra na cidade – no consultório, há um lugar destinado a brinquedos)

Mãe de Carlos (M.C.): Seria ótimo um lugar para eles brincarem, assim daria uma folga para as mães também. De repente dê até para fazer tricô.

Carlos é a terceira criança com quem converso, e notei o quanto é difícil as mães se controlarem e deixarem a conversa fluir entre a pesquisadora e a criança,

dão respostas pelas crianças, ou querem opinar no que a criança está contando. Nesses casos, é interessante trazer Winnicott (1975, p. 66) que diz: “atender às necessidades da mãe”. A mãe, muitas vezes, entra numa disputa inconsciente de atenção, fala do filho incansavelmente, porém não deixa o próprio filho falar. Por muitos momentos, senti-me assim, precisando dividir minha atenção, mas mantive- me com o foco na criança.

P.: E se o médico não te liberar hoje?

C.: (Não falou nada, apenas me olhou e franziu a testa, como se falasse não sei).

P.: Não gostou do hospital então? C.: (Sinal fraco de não com a cabeça)

Carlos não quis mais conversar, estava muito ansioso, sentado na cama, esperando o médico para a alta hospitalar. Não tinha mais seus brinquedos, não tinha mais cobertores para dormir, estava pronto para sair e voltar à sua rotina, a ansiedade estava tomando conta do seu semblante, afinal o médico não chegava nunca.

Como vi que não queria mais conversar, resolvi agradecer e deixá-lo, sentado, esperando em silêncio. Afinal como já dito, a criança deve querer conversar e, quando percebi que ele não queria mais, retirei-me.

A criança precisa saber que está participando de um estudo e, caso ela não queira conversar mais, será atendida, uma vez que é, a partir dela, que iremos guiar nossa pesquisa. Precisamos estar-junto da criança e compreendê-la, pelo olhar, pelos gestos e pela fala (CATÃO, 2012). O momento de ansiedade provocado pela sua possível alta hospitalar, nesse caso, foi decisivo para o andamento da nossa conversa.

A pesquisa, a partir das narrativas da criança, deve englobar a sabedoria de saber parar com a conversa. Para uma criança, que nunca foi hospitalizada, a saída do hospital é sua maior alegria no momento, poder ter sua saúde reconstituída e poder voltar às atividades usuais é para ela uma dádiva, sentimento comum entre a maioria das pessoas que passam por hospitalizações.

A negociação esteve presente, porém negociar é diferente de obrigar. Uma conversa, uma escuta, deve partir da criança e da pesquisadora, e não apenas de um lado. Ainda que tenha consentido quando foi explicado a ele sobre a pesquisa, possui o direito de não querer mais participar a qualquer momento. Remete-nos a

ver que, como pesquisadores - que buscam a criança como sujeito - devemos traçar novas perspectivas com a própria criança e com a pesquisa.

“Criança não tem querer”, frase utilizada rotineiramente por muitos adultos demonstra o que há muito tempo as crianças têm desempenhado nos diferentes espaços sociais, como se a criança não pudesse dizer não. Essa afirmação exalta o que os adultos fazem e indica uma porção de sombras que retrataram nas crianças, sombras que as silenciaram por muito tempo (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010).

Martins Filho e Barbosa (2010, p. 14) dizem:

Não basta apenas dizer, é preciso desenvolver de maneira crítica e consciente que a participação das crianças envolve uma mudança na ênfase dos métodos e assuntos de pesquisas. Sendo assim, a relação entre adultos e crianças não pode seguir um viés de submissão e sim de mediação, interação e negociação. Portanto, o rompimento com o dualismo adulto-criança é a dimensão que gera um estatuto de emancipação ao sujeito-criança.

A narrativa de uma criança passa por diversas situações, seu falar, seu gesto, seu corpo, seu querer devem ser respeitados. Negociar significa conversar e mostrar como será a pesquisa, mas jamais coagi-la para tal. O pesquisador deve perceber isso para garantir à criança ser sujeito.

Essa é uma preocupação nova entre os pesquisadores brasileiros, Martins Filho e Barbosa (2010), que trazem as crianças como principais informantes da produção de dados, são elas que devem fornecer os subsídios e não o contrário.

A narrativa floresce, é uma forma artesanal de comunicação (BENJAMIN, 1996). Não deve ser compreendida como um relatório ou como perguntas e respostas, vai além, a narração e o momento são particularmente designadores dessa dissertação. Agradeci e me despedi de Carlos.

4.2.2 Pedro

Pedro, 5 anos, reside na zona rural de Cruz Alta, distante 30 km da cidade, cursa a chamada pré-escola em uma escola rural, foi internado no hospital devido a uma recidiva de pneumonia, está hospitalizado há 7 dias, e sua acompanhante é a mãe. Não é a primeira internação já é a terceira vez que frequenta o hospital.

Pedro está no mesmo quarto de Carlos (criança anterior). Quando cheguei ao leito, estava fazendo fisioterapia respiratória, bem quietinho, concordando com tudo o que o fisioterapeuta propunha. Logo que o fisioterapeuta se despediu, ele foi desenhar e pintar num caderno que estava em cima de um sofá-cama do hospital. Pegou um estojo de lápis de cor e, o virou, caindo todos os lápis e canetas, que ficaram espalhados pelo sofá.

Pedro baixou a cabeça e começou a pintar um livro de desenhos para colorir, e não parou mais. Dei olá, perguntei como estava e nada de me responder, continuava a pintar sem parar. Sua mãe apenas esboçava sorrisos. Como Pedro residia na zona rural, comecei a conversa com assuntos de que ele poderia gostar, sobre os animais que, provavelmente, existiam no local em que morava.

P.: Tem cavalo onde você mora? Pedro (P2): (pintando)

Mãe do Pedro: Tem sim, né filho! P.: Tem vaca de leite onde você mora? P2.: (continuou pintando)

M.P.: Tem né, filho! Responde para a tia!

(Fiz com a mão como se tira leite de maneira meio errada. Para ver se ele olhava. Olhou por cima dos óculos).

M.P.: Olha, Pedro, a tia não sabe! P2.: (continuava a pintar)

(Então resolvi mudar a tática de conversa).

P.: Você me dá um pedaço da folha? Tenho lápis de cor e giz de cera na minha bolsa e também quero desenhar.

P2.: (Me olhou bem rápido, fixou nos meus olhos e acenou que sim com a

cabeça).

P.: Quer olhar os meus lápis? P2.: Aham.

P.: (Lembrei que eu tinha uns “post its” na minha bolsa (marcadores coloridos de páginas, ou lembretes). – Olha, tenho uma coisa bem diferente e legal na minha bolsa também. Tenho de várias cores (mostrei a ele e, na mesma hora, ele adorou).

P2.: Legal!

P2.: Quero!

A partir desse momento, conquistei a confiança de Pedro para iniciar a nossa conversa. Com criança é diferente, não se pode simplesmente chegar e perguntar, achando que, dessa forma, irá obter uma resposta. Deve-se ter paciência e procurar outras maneiras de iniciar um diálogo, algo de que a criança goste, que a faça simpatizar com você, que deixe compartilhar aquele momento. Como diz Oliveira (2011, p. 104):

Ao compartilhar com estas crianças alguns dos acontecimentos de suas vidas, provocando que se coloquem como narradoras destes mesmos acontecimentos, pode ser que possamos, juntas, construir experiências. Foi assim, em meio a esse processo de compartilhamentos, que trouxe as diferentes narrativas das crianças para, “com” elas, conhecer seus mundos de vida. (Grifo pela autora)

A mãe de Pedro contou que ele vai à escola apenas duas vezes por

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