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Experiências de crianças hospitalizadas: um estudo em um hospital do município de Cruz Alta – RS

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

EXPERIÊNCIAS DE CRIANÇAS HOSPITALIZADAS: UM ESTUDO EM

UM HOSPITAL DO MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA – RS

CAROLINE SCHWERZ DE OLIVEIRA HOCHMÜLLER

Ijuí – RS 2016

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CAROLINE SCHWERZ DE OLIVEIRA HOCHMÜLLER

EXPERIÊNCIAS DE CRIANÇAS HOSPITALIZADAS: UM ESTUDO EM

UM HOSPITAL DO MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA – RS

Dissertação apresentada para banca de Defesa do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências – Mestrado e Doutorado, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ sob a orientação da professora Dra. Noeli Valentina Weschenfelder.

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Dedico essa dissertação ao meu presentinho Helena e todas as crianças.

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AGRADECIMENTOS

Para a realização desta pesquisa foram necessários muitos momentos de entrega plena e profunda nas leituras, nos diálogos, nos encontros e na escrita. Gostaria de agradecer a todos que acreditaram e asseguraram a possibilidade dessa imersão:

- À professora Dra. Noeli pelo apoio e incentivo, por acreditar nesta pesquisadora, por me ABRAÇAR (em todos os sentidos possíveis) durante o Mestrado, pelo crescimento que tive durante esses anos enquanto pesquisadora e mulher, aceitando todos os meus momentos e compartilhando comigo todos os anseios;

- À minha Helena, minha filha amada, que durante o Mestrado aprendi o que é SER mãe, da gravidez até seu nascimento;

- Ao meu esposo Antonio Carlos C. Hochmüller Jr, pelo incentivo constante, pela preocupação com as viagens, pelo tempo que me proporcionou para a escrita, pelos livros de presente, por todo o carinho ofertado;

- À minha sogra Nelsa R. Reis, por cuidar da Helena enquanto eu precisava ler, escrever e até mesmo descansar, só pude escrever essas páginas tendo a certeza que ela estava bem cuidada;

- Às minhas irmãs, Mariana e Laura, por estarem ali quando precisei por me fazerem parte dessa caminhada;

- Ao Hospital e toda a equipe da ala pediátrica que permitiram os encontros com as crianças;

- Aos colegas e professores de Mestrado, em particular a amiga e colega Ângela, pelas conversas e trocas que tivemos;

- E, as crianças, que proporcionaram conversas e momentos únicos.

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RESUMO

Pesquisar com crianças, suas heterogêneas culturas e diferentes infâncias, constitui um grande desafio para pesquisadores. O olhar voltado à elas para compreender que são sujeitos plenos de direito, informantes de suas histórias, portanto, em condições de atuar nos modos de pensar e de produzir lugares para elas próprias, aprimora o sentido da pesquisa. Este estudo busca através da interdisplinaridade, compreender como a criança, durante a internação hospitalar, faz para brincar e a representatividade dessa vivência. A escuta sensível, o olhar para a criança como sujeito, suas narrações, seus desenhos e seu brincar foram as principais maneiras de observação. Participaram da pesquisa nove crianças, da ala pediátrica em um hospital no município de Cruz Alta/RS. A principal característica desta dissertação são os momentos compartilhados com as crianças no encontro vivido no hospital, tornando as conversas como experiências. Um mergulho no universo destas crianças durante esse período vivido da internação hospitalar e um encontro também com os autores como Jorge Larrosa e Walter Benjamin engrandecem a escrita. Palavras-Chave: Brincar e suas Linguagens. Hospitalização Infantil. Lei dos Direitos das Crianças. Escuta.

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ABSTRACT

To research with children, their heterogeneous cultures and different childhoods, is a major challenge for researchers. Eyes upon them to understand that they are full social subjects, plenty of rigths, informants of their stories, thus able to act in the ways of thinking and create places for themselves, enhances the sense of research. This study seeks through interdisciplinarity, understanding how the child during hospitalization, is to play and the representation of this experience. Sensitive listening, look at the child as a subject, his stories, his drawings and his play were the main ways of observation. The participants were nine children, from the pediatric ward in a hospital in Cruz Alta / RS. The main feature of this thesis are the moments shared with children in the encounter lived in the hospital, making conversations and experiences. A dip in the universe of those children lived during this period of hospitalization and also a meeting with authors like Jorge Larrosa and Walter Benjamin magnifies writing.

Keywords: Play and their Languages. Hospitalization Child. Law on the Rights of the Child. Listening.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Percentual de alcance das ODMs do município de Cruz Alta – RS ... 26

Figura 2: Resultados da pesquisa ... 49

Figura 3: Ficha cadastral ... 54

Figura 4: Desenho feito pela pesquisadora para João ... 63

Figura 5: Desenho feito por “Maria”. Ela começou em casa e terminou no hospital, o nome da menina do desenho é Bruna Barbie ... 68

Figura 6: Desenho feito por “Maria” no hospital durante a internação. Ela ainda estava sem nome ... 69

Figura 7: Desenho feito por “Maria” enquanto conversávamos ... 69

Figura 8: Ilustração do desenho realizado pela pesquisadora ... 79

Figura 9: Desenho feito por Miguel e entregue à pesquisadora ... 85

Figura 10: Celular com fotos da Lili ... 87

Figura 11: Coleção de livros de Bianca ... 88

Figura 12: Brinquedos no berço do colega de quarto ... 89

Figura 13: Bianca brincando de comidinha ... 89

Figura 14: Eduardo colorindo um livro de atividades ... 91

Figura 15: Marília com a coruja entregue pelas senhoras do Lions, ao seu lado, uma prima, sua mãe e um rapaz da igreja ... 97

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 A INFÂNCIA ... 13

1.1 DIZERES SOBRE A INFÂNCIA ... 13

1.1.1 Criança, mas nem Sempre Infância ... 17

1.1.2 A Infância Hoje ... 20

1.2 DIREITO DAS CRIANÇAS ... 23

1.2.1 E a Criança no Hospital, quais são os seus Direitos? ... 27

1.2.2 O Brincar nos Hospitais Perante a Legislação Brasileira ... 29

2 E O BRINCAR? ... 32

2.1 SIMPLESMENTE BRINCAR ... 32

2.2 HÁ LUGARES PARA BRINCAR NO HOSPITAL? ... 37

2.3 BRINQUEDOS NO HOSPITAL ... 39

2.4 A EXPRESSÃO ATRAVÉS DO BRINCAR ... 42

3 A CAMINHADA DA PESQUISA ... 45

3.1 A PESQUISA, SEU LOCAL E ESCOLHAS ... 47

3.2 CONVERSAR? E A PRODUÇÃO DE DADOS? ... 50

3.3 “ESCREVIVENDO” UMA EXPERIÊNCIA DE ESCUTAR E ESCREVER... 52

4 ENCONTROS E EXPERIÊNCIAS ... 58

4.1 “ESCREVIVENDO” A HISTÓRIA DE JOÃO ... 60

4.2 MARIA ... 66 4.2.1 Carlos ... 74 4.2.2 Pedro ... 76 4.2.3 Miguel ... 81 4.2.4 Bianca ... 85 4.2.5 Eduardo ... 91 4.2.6 Gustavo ... 94 4.2.7 Marília ... 96 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 103 ANEXO ... 108

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INTRODUÇÃO

Torna-se importante deixar claro que esta dissertação apresenta uma escrita diferente, baseada no crescimento de uma pesquisadora em todos os âmbitos, pois foi realizada após uma mudança de paradigmas, na leitura, no olhar, na escuta, e, consequentemente, também uma transformação no modo de escrever, trata-se eu diria, de uma mudança no jeito de viver. Isto é transformar-se, constituir-se pesquisadora. Por esses motivos, decidi, inicialmente, trazer um pouco da minha história. Desta forma, elucidam-se os propósitos pelos quais optei por propor fazer algo diferente que é a minha área, para que sejam compreensíveis as raízes da pesquisa e, assim, conseguirem entender o resultado dela.

No decorrer da minha formação em Fisioterapia, pude atender a crianças, adolescentes, adultos e idosos, mas, indiscutivelmente, sempre, de maneira inconsciente, dava preferência por crianças, não importava a área, neurologia, respiratória, ortopedia e traumatologia. Durante minha experiência no Hospital, dedicava maior tempo a elas, não entendia como alguns Fisioterapeutas atendiam tão rápido. Afinal, criança precisa de mais tempo, precisa se acostumar com o profissional, pois aquela pessoa irá mexer no seu corpo como talvez poucas pessoas, algumas vezes somente os pais, já o fizeram.

Eu inventava histórias, brincadeiras e jogos. Somente após esse “tempo”, realizava a fisioterapia com o aval do paciente. Nos atendimentos domiciliares - prática frequente na minha profissão -, tive a oportunidade de conviver não somente com a criança, mas também com sua família. Entrei na casa de pacientes, utilizei os brinquedos e jogos deles para fazer o meu atendimento. Na grande maioria das vezes, notei que isso fortalecia a relação, fazia com que as crianças participassem ativamente de todos os exercícios e terapias propostos.

Com o tempo, comecei a repensar os meus cursos de aperfeiçoamento e a maneira como eu trabalhava. É comum, na área da saúde, pensarmos em nos atualizar somente em técnicas, mas pouco se pensa em aprimorarmos o contato com o paciente. Portanto, eu via a criança como muitos profissionais a veem, como um ser invisível, como objeto a ser cuidado e tratado, sem olhar o todo. A criança não era escutada, não lhe era explicado o que seria feito com ela, e nem os motivos. Somente com o tempo e com as vivências, aprendi o quão importante isso era.

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Acredito que outra situação a qual mudou minha maneira de ver o atendimento fisioterapêutico foi, desde cedo conviver com uma criança que passava por isso. Minha irmã mais nova, Laura, nasceu com Síndrome de Down (trissomia do 21) e, a partir do nascimento dela, convivi com diversos profissionais: Fisioterapeuta, Fonoaudióloga, Psicóloga e Pedagoga. Então, desde os meus 14 anos, tive a oportunidade de vivenciar maneiras de atendimento. Primeiramente, como familiar e, depois, como profissional, pois na maioria das vezes os profissionais que ficam mais em contato não são ouvidos.

Esses são alguns dos motivos que fortaleceram minha vontade em pesquisar a infância, pois acredito que esta fase da vida que todos passamos é a fase em que o sujeito não pode ser ignorado. Além disso, quando ele possui alguma enfermidade ou passa por ela ou tem alguma deficiência, precisa do auxilio do adulto, mas sem que este adulto, de preferência um profissional, faça por ele ou aja sem explicar o que está acontecendo.

Ao pensar e me questionar sobre o brincar com meus pacientes, surgiu a vontade de “fugir” um pouco da visão da área da saúde, pretendendo me tornar uma profissional mais interdisciplinar e para isso a área de educação sempre me chamou a atenção. Ingressei, inicialmente, como aluna especial no Curso de Mestrado em Educação nas Ciências no componente Estudos da Infância da professora Dra. Noeli Weschenfelder e, prontamente, houve uma identificação com os textos e temas trazidos por ela. Após ter cursado a disciplina como aluna especial, ingressei no Mestrado e, imediatamente, os temas brincar, infância e hospital surgiram como norteadores para pesquisa.

Quando uma criança não brinca, quem está cuidando dela já fica preocupado, “Será que ela está com febre? Ou doente?” E, quando a criança volta a brincar, dá um alívio, afinal, ela está melhorando!

Pensamos assim, porque o brincar demonstra que a criança está sadia e com disposição. Quando está hospitalizada, ela brinca? Deixam-na brincar nesse ambiente? Essas são algumas das premissas da pesquisa, além, dos motivos de pesquisar. Pesquisar e, quem sabe, buscar fazer uma reflexão a partir do olhar dela, a partir de seus dizeres, do que ela está vivenciando nessa adversidade, e não do que nós acreditamos que ela sente, ou imaginamos que ela goste de fazer. Escutar as crianças tem cada vez mais ocupado as preocupações de pesquisadores do campo educacional, como por exemplo, as pesquisas de Cleide Vitor Mussuni

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Batista e Maria Terezinha Espinosa de Oliveira, e estudos do grupo de pesquisa a que pertencemos também se ocupam dessa inquietação nos diferentes espaços em que as crianças circulam, cito: A Pesquisa com crianças no contexto de escolas

públicas: possibilidades e desafio político1, sendo que esta dissertação trata da primeira do grupo a buscar tal reflexão no âmbito hospitalar.

Interessa nesta pesquisa a partir do olhar infantil para fugir da lógica que apensa toma a criança como objeto de pesquisa, renunciar do certo ou errado e adentrar no mundo das crianças, deixar que elas narrem e digam o que sentem e pensam. Abdicando do sujeito-objeto que normalmente é utilizado, oferecendo um ponto de vista de pesquisa tendo como método o desvio, como Oliveira diz (2011, p. 9): “no sentido benjaminiano do termo, ou seja, como infinidade de caminhos – é conduzida pelas crianças e por suas formulações/fabulações”. Ao escutar para melhor conhecer o olhar delas podemos melhorar o atendimento da saúde, as explicações dadas a elas, o tratamento em qualquer esfera.

Atualmente, hospitais são considerados como lugares assépticos, com regras e horários rigorosos, e vistos por muitas crianças com medo de estar lá. Com temor da injeção, do enclausuramento, e dos profissionais do jaleco branco. Local que pressupõe melhora da doença. Mas se a criança quando está melhorando, quer brincar, será que ela brinca, ou desenha no hospital? Será que isso é permitido? Como ela faz? E o que ela pensa sobre esse ambiente? Todos esses questionamentos fazem parte de um pensar, de uma inquietude nossa. Como poderiam as crianças contribuir para melhoria do atendimento hospitalar?

Aos poucos e com clareza foram delineando-se as questões de pesquisa, tomando a pergunta central com base para outras questões, afinal: Quais os significados/sentidos para crianças, de 5 a 12 anos, meninos ou meninas, sobre o brincar no espaço hospitalar, em um Hospital no município de Cruz Alta?

Na busca das respostas da premissa acima, resolveu-se propor a pesquisa em dois momentos distintos, ou seja, duas partes. Num primeiro momento, foi preciso estabelecer as bases teóricas, “os óculos” com os quais eu iria fazer as visitas, olhar, observar e escutar as crianças. Para então, tomar de empréstimo concepções com as quais iria construir o primeiro e o segundo capítulos. No segundo momento da dissertação, trago fragmentos, isto é registros do meu diário

1

A pesquisa com crianças no contexto de escolas públicas: possibilidades e desafio político, autores: Noeli Valentina Weschenfelder, Luciléia Belter, Eulalia Beschorner Marin, 2011.

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de campo, ou seja, de bordo, com o propósito de trazer os diálogos e as vivências passados com as crianças, trata-se de escritas do que foram vistas, escutado e sentido das crianças pesquisadas, dialogando com autores e autoras, que realizaram pesquisas semelhantes e com conceitos trabalhados no texto.

No capítulo I, trago os referenciais teóricos para a base da pesquisa, a contextualização de infância, sua origem e conceitos através do tempo, discutindo entre muitas vertentes se as crianças são sujeitos ou assujeitadas. Faço uma reflexão sobre as leis que lhes “garantem” seus direitos, principalmente os Direitos das Crianças Hospitalizadas relacionando com o brincar. Aqui o trabalho de Bernardo Leoncio Coelho2 e Luciane Veronese & Osmar Veronese3 são de suma importância.

No capítulo 2, o enfoque é o brincar, suas principais definições, ilustrando alguns motivos para que a criança simplesmente brinque, independente do lugar em que ela esteja. O brinquedo e seus conceitos, também, são trazidos neste capítulo, assim como a maneira como a criança se expressa através do brincar. E brincar engloba também o desenho, pois, através dele, a criança tem oportunidade de manifestar-se artisticamente, além de isso transportá-la para outras brincadeiras, fazendo-a esquecer, por um momento, o que está passando ou auxiliando a refletir sobre isso, melhorando seu quadro e sua disposição psíquica.

No capítulo 3, faço a imersão da pesquisa realizada, adentrando no roteiro proposto, buscando despir-me de maneiras quantificáveis de pesquisa, para internalizar a percepção da escuta sensível. Procuro aqui tornar a conversa com cada uma das crianças uma vivência, uma experiência compartilhada, ou seja, ser participante da pesquisa. A cada encontro, através da percepção e da escuta sensível, o pesquisador que sofre a ação, também, faz parte daquele encontro, admitindo que é difícil a separação pesquisador e pesquisa, deixando a conversa passar pelo ouvinte, comprometendo-se com a transformação que acontece.

No capítulo 4, trago aqui os encontros com os sujeitos que fazem parte deste estudo, a pesquisa propriamente dita, a imersão no contexto hospitalar, com trechos das falas das crianças e toda a base buscada durante a escrita desta dissertação. Lugar em que descrevo cada um dos encontros para compreender o

2

A proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, 1998. 3

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papel do brincar, do desenho, do espaço em que elas estão inseridas naquele momento.

Com isso, preciso deixar claro que não tenho a pretensão de fazer uma escuta clínica ou pedagógica, mas simplesmente, trazer à tona através da pesquisa, as narrativas e os significados, do que sentem as crianças quando estão hospitalizadas. O que dizem e sentem as crianças, essa foi a pretensão da investigação. Devo dizer que não se trata de uma pesquisa quantitativa, pois não buscamos percentuais, e, sim, uma pesquisa que mostre os significados e sentidos das crianças sobre fato de brincarem, presente na pergunta da pesquisa. Assim acredito, poder dar suporte e auxiliar na reflexão que está acontecendo junto aos hospitais que atendem crianças, contribuindo para uma melhora no atendimento, nas relações e percepções dos adultos que todos os dias trabalham com essa população infantil. Trata-se de uma pequena contribuição trazendo para o debate as questões que estão na constituição dos sujeitos, as crianças pensam e tem desejos, lembranças e vivências quando são e estão hospitalizas, elas têm voz e direitos.

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1 A INFÂNCIA

As palavras infância e brincar, logo que pensadas, remetem a representação que temos hoje, crianças espertas, brincando, indo à escola, algumas sendo mais cuidadas que as outras, crianças na rua, muitas vezes, pedindo esmolas, crianças sendo utilizadas pelos pais para ganho de dinheiro, crianças superprotegidas, crianças que têm tudo, crianças que sabem mais que os pais da tecnologia, etc.

Acreditamos que ao menos para a maioria das pessoas, pensar em criança é sentir carinho por tê-la em nossas vidas, um sopro de esperança, um ar de futuro. Mas a infância não foi sempre dessa maneira, e, para conseguirmos adentrar no âmbito da presente pesquisa, que trata do brincar na situação da criança enferma hospitalizada, precisamos primeiramente definir a infância.

1.1 DIZERES SOBRE A INFÂNCIA

A infância é tema abordado por diversas áreas do conhecimento, sociologia, psicologia, filosofia, saúde, entre tantas outras. No entanto, no processo histórico dessas áreas, a criança foi vestida como objeto, com pouco diálogo. As crianças acabaram por ser classificadas, rotuladas, analisadas, com classificação disso e daquilo, mas não como atores sociais, próprios e produtores de cultura, parecendo que somente eram estruturas orgânicas e que a idade foi a categoria essencial para classificá-las (SARMENTO; GOUVEA, 2008).

Mas por onde começar? Afinal, nesta escrita a infância com seus atores sociais serão tratados como sujeitos, protagonistas do estudo. É a partir da infância, das crianças, que é escrita esta dissertação, que busca através da imersão na linguagem delas, expressar o que é o brincar.

Começa-se então, pela palavra inicial deste capítulo, procurando entender esse conceito. Talvez a melhor maneira de dar início seja pela etimologia, como diz Kohan (2008, p. 40): “Vamos ver, através dela, a infância da palavra “infância”, seu nascimento”.

Constitui-se numa palavra latina que surgiu há mais de vinte séculos (KOHAN, 2008). Este autor ainda traz que a etimologia da palavra infância está intimamente conectada às normas e ao direito (CASTELLO; MÁRCICO, 2006 apud KOHAN, 2008, p. 40):

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Um indivíduo de pouca idade é denominado infans. Esse termo está formado por um prefixo privativo in e fari, “falar”, daí seu sentido de “que não fala”, “incapaz de falar”. Tão forte é seu sentido originário que Lucrécio emprega ainda o substantivo derivado infantia com o sentido de “incapacidade de falar”. Porém, logo infans – substantivado – e infantia são empregados no sentido de “infante”, “criança” e “infância”, respectivamente. De fato, é desse sentido que se geram os derivados e compostos, todos de época imperial, como infantilis, “infantil”; infanticidium, “infanticídio”, etc.

É na Sociologia da infância, aérea pouco estudada nos cursos de formação, inclusive na educação, que vamos buscar junto com Manuel Sarmento, a definição da criança (sujeito), como um ator social, pleno e integrado à sociedade. Ele, juntamente com a pesquisadora Maria Cristina Soares de Gouvea, vão nos brindar em seu livro com os “Estudos da Infância”4 uma “perspectiva polifônica”5

, deixando ao leitor, a possibilidade em constituir as conexões para reflexão e o debate, sugerindo não sobrepor o nosso discurso ao discurso infantil, como trazido na citação acima, “a que não fala”. No mesmo livro traz outro trecho interessante (CASTELLO; MÁRCICO, 2006 apud KOHAN, 2008, p. 40):

(...) Então, podemos entender que infans não remete especificamente à criança pequena que não adquiriu ainda a capacidade de falar, mas se refere aos que, por sua minoridade, não estão ainda habilitados para testemunhar nos tribunais: infans é assim “o que não se pode valer de sua palavra para dar testemunho.

Ao ler esses fragmentos, notamos que infância, no seu nascimento, referia-se àqueles que, por sua idade, não eram considerados aptos a falar, no referia-sentido do direito, o que acabou por se estender aos demais sentidos da vida, àqueles a quem não “importava” o seu dizer, o seu fazer, sua opinião. Também vale pensar que, hoje, no caso de maus tratos, o que uma criança relata é levado em consideração e, muitas vezes, investigado, perdendo, pelo menos para efeitos da sociedade, o silêncio. No âmbito do direito, ela deixou de ser inapta por sua minoridade, podendo falar e ser ouvida.

Vislumbrando ainda a etimologia, os gregos antigos não criaram a palavra infância, eles tinham outras maneiras de chamá-la, destacaremos as três palavras

4

Estudos da Infância: educação e práticas sociais; Manuel Sarmento, Maria Cristina Soares de Gouvea (orgs.), 2008.

5

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principais de acordo com Castelo e Márcico (2006 apud SARMENTO; GOUVEA, 2008, p. 43):

(...) a primeira delas, téknon, está ligada ao verbo tíkto (“dar à luz”; “parir”), e marca mais acentuadamente a filiação, o resultado do nascimento; na tragédia antiga encontra-se usada para reforçar o vínculo afetivo, geralmente, a propósito da mãe. É a menos utilizada usada pelos filósofos. A segunda palavra é paîs, que está ligada à raiz temática indo-européia que tem a ver com a alimentação, a qual deu origem a palavras como páter (“quem alimenta”, pai), paidagogós (“quem conduz a criança, “pedagogo”) ou a mais abstrata paideia, que significava “cultura” e “educação”. (...) A terceira palavra é neós, que significava literalmente “jovem”, “recente”, “que causa uma mudança”, “novo”. Como seu significado, é uma palavra mais jovem e está ligada a um radical de significação temporal nu, de onde vem, por exemplo, o advérbio de tempo nûn, que significa “novo instante”, “agora”. Neós inicialmente designava tanto pessoas quanto coisas, animais e plantas. Palavras interessantes derivadas de neós são neoterízo, “tomar novas medidas”, “provocar algo novo” e neoterismós, que significa “novidade”, “inovação”, “revolução”.

A terceira palavra neós nos remete ao que a pesquisa quer trazer: inovação. Esse olhar para a criança, sobre o que ela pensa do brincar e do desenhar, afinal ela é um novo ser, que será permeado por aquilo que vivencia todos os dias, os lugares por que passa, os momentos que vive, as pessoas que a cercam, e, através de brincadeiras, poderá representar os significados que a cada dia está formando.

Rousseau traz a infância como algo natural, um descobrimento nominal moderno, afinal a natureza deseja que as crianças sejam crianças antes de serem adultos (apud NARODOWSKI, 2001, p. 92): “Amai a infância, favorecei seus jogos, seus prazeres, seu instinto amável. Qual de vós não lamentou algumas vezes essa idade onde o riso está sempre, e onde a alma está sempre em paz”.

Conforme o próprio Rousseau, apenas na infância há maneiras de pensar e sentir que não mais existirá quando adultas, ou seja, isso é singular desse período. É na infância que o ser humano possui a capacidade maior de aprendizagem, pois passa de um ser ignorante para um ser que pode desenvolver suas habilidades e ser educado. Tudo que acontece antes do aprendizado como choros e gritos são mecânicos, havendo a necessidade da razão humana para sobreviver (NARODOWSKI, 2001).

Após as leituras e os estudos realizados, e pelos trechos de pesquisadores trazidos, evidencia-se que a infância não é produto da natureza e, sim, uma construção histórica da modernidade.

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As transformações caracterizam a infância como um rito de passagem, um rito unicamente do ser humano, um rito muito importante, pois sem ela não conseguiríamos passar da natureza à cultura, sendo a infância também uma condição da história e da experiência. Na infância, aprende-se a falar e ser falado, precisa da experiência, precisa da história (KOHAN, 2008). Diz autor que a infância é algo que impede a repetição do mesmo, permite a criação de um novo mundo em estado de latência. É na sua atividade lúdica transformar, criar, revolucionar um mundo, fazendo-o nascer novamente diferente do que já foi. Isso poderá ser chamado de infância.

Na infância, podemos experimentar o que depois não nos caberá mais, como a ingenuidade, afinal, já teremos vivenciado, quando adultos, situações que não nos farão ingênuos, também na infância que entraremos na linguagem, começaremos a compreender o outro e a formar nossos conceitos, através do tempo e da experiência.

Nossa infância é perpassada pela linguagem e, através dela, iremos nos expressar pela nossa existência. Uma vez inseridos, não há como voltar atrás, por esse motivo, a infância torna-se tão importante, não há uma borracha que apaga as vivências depois de adulto, somente na infância viveremos isso.

Ao falar de experiência, impossível não lembrar de Walter Benjamin, o qual diz: “A máscara do adulto chama-se experiência” (BENJAMIN, 1984). A experiência precisa ser sentida, vivida, passada, não apenas ser dita. Assim é com a linguagem, a criança precisa tentar, começar, falar, fazer, ninguém pode simplesmente dizer “é assim”, e ela aprende instantaneamente. Da mesma forma, sua linguagem precisará ser “vivida”. Ela fará não só com falas e palavras a sua linguagem, ela demonstrará também com o corpo o que está sentindo, por isso cada um constrói sua linguagem diferentemente do outro, pois cada um tem uma experiência única.

Assumindo e explorando a linguagem, a criança torna-se produtora de cultura, com suas experiências, divide valores sociais através de múltiplas linguagens. Quem sabe, quando a criança torna-se signo entre signos, nesta passagem, sobressaindo a natureza, seja o período mais importante da história do indivíduo (GOUVEA, 2011).

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1.1.1 Criança, mas nem Sempre Infância

Neste subcapítulo, serão destacados os autores: Marcos Cezar de Freitas6, pesquisador brasileiro, que possui seus trabalhos acadêmicos voltados para as perspectivas da antropologia e antropologia histórica da infância; e Philippe Ariès7, um dos pioneiros da análise e concepção da infância. Entre outros autores, estes dois serão a base da discussão.

Mas quem eram as crianças?

O comportamento econômico é uma das características mais evidentes, assim como a idade. Levando-se em conta as idades, como hoje ainda é feito, havia uma divisão, o período de 0 a 3 anos, em que, como ainda não andam ou andam menos, precisando do colo, os pequenos eram carregados pelas mães, irmãos ou escravas. As que já andavam, poderiam desempenhar pequenas tarefas, auxiliando a família ou o grupo em que viviam.

Já para o Judiciário, tanto na Europa, quanto no Brasil, o Código Filipino ou Ordenações Filipinas, que vigorou até o fim do século XIX (leis de Portugal), a maioridade se verificava aos 12 anos para as meninas e aos 14 para os meninos. Para a igreja católica (Direito Canônico), 7 anos já era a idade da razão (FREITAS, 2001).

O autor vai afirmar que a Criança, no século XIX, indicava aquelas que eram criadas pelos que lhe deram origem, o que se chamava “crias” da casa, de responsabilidade (nem sempre assumida inteira ou parcialmente) da família consanguínea ou da vizinhança. Diz o autor que o abandono e o infanticídio foram práticas encontradas entre índios, brancos e negros em determinadas circunstâncias, distantes da questão da concentração devastadora nas cidades, da perversa distribuição de bens e serviços entre camadas sociais e das fronteiras que entre elas se estabeleceram.

Ariès (1981) traz duas teses: a primeira fala de uma sociedade que não via com bons olhos a criança, que mal melhorava suas condições físicas e já fazia companhia aos adultos em seus trabalhos e jogos. A aprendizagem, por exemplo, acontecia devido à convivência da criança com os adultos. A transição de criança

6

História Social da Infância no Brasil, Marcos Cezar de Freitas, 2001. 7

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pequena em um homem jovem era muito rápida e insignificante, não havia tempo ou razão para a sensibilidade.

No entanto, ocorria um sentimento superficial, o que Ariès (1981) chamou de paparicação, que acontecia nos primeiros anos de vida da criança, enquanto era engraçadinha, como um animalzinho. Se a criança morresse, a maioria dos pais não se lamentava muito, pois outra criança iria substituí-la. O amor e o afeto existiam, mas não era algo indispensável na família.

A segunda tese fala do novo lugar da criança e da família na sociedade industrial. A partir do século XVII essa visão começou a mudar, pode-se dizer a partir de duas abordagens: na primeira, a maneira de aprendizagem passou a ser a escola e na segunda, a família passou a ser lugar de carinho.

Nesta obra vamos ver a escola, ou o enclausuramento das crianças, ou ainda essa separação delas dos adultos, deve-se aos reformadores católicos ou protestantes ligados à Igreja, às leis ou ao Estado. A educação fez com que houvesse maior dedicação dos pais e da família com suas crianças. A criança saiu da situação de anonimato e passou a ter grande importância, ficando impossível perde-la sem uma grande dor.

O século XVII foi marcante para a evolução da primeira infância. Nele, os retratos de crianças começaram a tornar-se comuns, assim como os retratos de família, e as famílias passaram a se organizar em torno da criança. Não somente isso, a displicência que existiu até o século XIII, que aparecia no traje da época, pois assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres. A partir do século XVII, pelo menos a criança de boa família, nobre ou burguesa, já não era mais vestida dessa maneira, era vestida com trajes destinados a ela (ARIÈS, 1981).

Ao longo da história, precisamos compreender a relação com as crianças. Para isso dois aspectos são decisivos: em primeiro lugar, os aspectos demográficos e, em segundo lugar, o modo econômico de produção de vida. Até o século XIX, a mulher geralmente tinha um filho por ano ou, no máximo, um ano e meio. Algumas crianças sobreviviam, outras não. Então, foi necessário que a sobrevivência delas virasse realidade e, também, que os adultos tivessem o trabalho saindo do seio familiar para que fosse importante tanto para eles quanto para o Estado a sobrevivência delas. Assim, caracteriza-se infância como um sistema normativo, adjudicado de características, competências e funções precisas de acordo com a

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classificação das idades a que cada sociedade associa seu sistema valorativo próprio (HANSEN, 2011).

Aquelas crianças que sobreviviam, dependendo do gênero e da idade, eram inseridas em algum tipo de trabalho dependendo do que o chefe da família fizesse. O pai contava com o trabalho da mãe, dos filhos homens e das filhas mulheres, as crianças ainda pequenas – na família pobre brasileira – trabalhavam nas atividades do pai. As mulheres, algumas vezes, não eram consideradas produtivas economicamente, pois a maternidade ocupava muito o tempo delas (HANSEN, 2011).

Com a modernidade, a infância deixa de ocupar a parte residual da sociedade, começando a ser percebida como ser inacabado, carente, mas individualizado, que necessita de cuidados e proteção. Ocorre, a partir desse momento, a segregação. A infância passa a fazer parte de um processo de demarcação e reinserção de outra forma na sociedade, surgindo o corpo infantil para ser amado e educado, do qual a família é a unidade que esse corpo deverá ter dever de amar e educar. Algo muito interessante para a pesquisa que podemos trazer é que, a partir daí, essa visão moderna de infância trará o cuidado com a saúde infantil, com o repudio da doença e cuidados das crianças doentes (NARODOWSKI, 2001).

Na modernidade na Europa os primeiros anos de vida, a criança aprenderia durante a “socialização” e a “culturalização” como sobreviver, assim buscaria tecer as relações com os outros seres e com a natureza, criaria alguns vínculos, o que fazia com que até a constituição cerebral acabasse por ser um fato social e cultural, sem excluir a parte biológica.

As crianças no Brasil mudam para, como diz em muitos documentos sobre a infância, “menores”, e, assim, assumem algumas vezes também características de abandono, negligência ou de delinquência, mas, de certa maneira, torna-se “visível”, nesse ponto de vista, quando o trabalho deixa de ser domiciliar, e as famílias não conseguem mais administrar o desenvolvimento dos filhos pequenos (FREITAS, 2001).

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1.1.2 A Infância Hoje

Para refletir sobre a infância na contemporaneidade, trago autores e autoras como Mariano Narodowski8, Manuel Sarmento11, Maria Cristina Soares9, José de Souza Martins10, Sonia Kramer11, entre outros, que ajudam a “desenrolar” ou esclarecer o caminho que estamos percorrendo para mergulhar na infância com outros óculos.

Mas será que podemos acreditar que a infância antiga continua assim ainda hoje, Mariano Narodowski faz a pergunta: “Existe infância?” Aquela criança antes que trocava obediência por proteção e suscetível de ser amada da modernidade é a mesma até os dias de hoje? Será a decadência desses conceitos? (POSTMAN, 1994 apud NARODOWSKI, 1998).

Sim, a infância está mudando, mas como categoria social e suas particularidades. A infância é caracterizada por muitas complexidades e contradições, há aquela criança muito desejada, superprotegida, amada, espontânea, sonhadora e há aquela abandonada, deixada em abrigos ou lares para crianças, temida pelos adultos; criança vítima e criança vitimadora; e um intervalo imenso de diferenças (SARMENTO, 2004).

Evidente que a maioria das crianças que conhecemos, ou de que temos conhecimento não está presente nesses dois polos de fuga, analisado por Narodowski (1998), e, sim, estão no meio disso tudo. A análise a seguir se baseia nas palavras do autor, para quem a infância moderna deixa de existir com dois principais pontos de fuga, (um deles) é a criança “hiper-realizada”, é aquela que há muito não ocupa mais o lugar do não saber, a que possui inúmeros canais na TV, que busca incontáveis coisas na Internet, aquela que parece ter tudo à mão, não

8

Mariano Narodowski, argentino, licenciado em Ciências Pedagógicas pela Universidade Caece e Doutor em Educação pela Unicamp (Brasil). Seus principais temas de interesse são a história e as políticas educativas comparadas, especialmente sua aplicação em contextos socioeconômicos desfavoráveis.

9

Referenciados no subcapítulo anterior. 10

Coordenador do livro O Massacre dos Inocentes – A criança sem infância no Brasil, utilizado nessa dissertação, livro no qual os autores tratam os problemas vivenciados por crianças em diferentes situações e regiões do país, com abordagem diferente, as crianças não são apenas objetos de investigação, mas atores importantes no próprio processo de investigação, incorporando as visões das próprias crianças, e não apenas as daqueles que as observam.

11

Sonia Kramer, pesquisadora brasileira, atua principalmente nos temas infância, formação de professores, políticas públicas e educação, alfabetização, leitura e escrita. Seus principais autores de estudo e reflexão são: Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin, Lev Vigotski, Martin Buber, Paulo Freire, Leandro Konder e Hilton Japiassu.

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inspira aquela ternura antes fomentada. Outro ponto de fuga é o contrário, a criança que precisa trabalhar, ou ajudar os avós, como é o caso de uma criança presente nessa pesquisa, aquela mais independente, não é virtual, é real, trata-se da criança “dez-realizada”.

Podemos hoje nos deparar com os dois polos de fuga, mas há incontáveis manifestações entre eles. E a crise ocorre na infância, em todas as suas demonstrações e locais que ocupa desde a Escola até a Família.

A infância é um termo sobre o qual poderíamos escrever páginas e mais páginas, porém após ler Sarmento (2004, p. 10) que diz:

(...) cada criança se insira na sociedade não como um ser estranho, mas como um ator social portador da novidade que é inerente à sua pertença à geração que dá continuidade e faz renascer o mundo. As crianças, todas as crianças, transportam o peso da sociedade que os adultos lhe legam, mas fazem-no com a leveza da renovação e o sentido de que tudo é possível.

Este trecho deixa claro que a infância e seus atores sociais – as crianças – devem estar no centro da pesquisa, não como objetos, e sim como protagonistas do estudo, oferecendo-lhes voz.

Portanto, infância não foi sempre como conhecemos hoje, e, mesmo hoje, está em mutação, é um “entre-lugar” citado por Bhabha (1998 apud SARMENTO, 2004), que está entre passado e futuro, que é demonstrado pelos adultos às crianças, mas que, a cada momento, é reinventado por elas, é um lugar que, por toda sua história, é entendido por alguns, como tempo da ausência e por outros apreciado como tempo de descobertas e invenções, sentimentos e achados, de permear uma tradição ou apenas recriá-la.

Complementando, se as crianças são o “ainda não”, na definição de não serem “verdadeiros” entes sociais com sua interatividade, racionalidade e possuidores de vontades, não adquirem um estatuto ontológico social pleno, afinal são a expressão de uma relação de transição e dependência (SARMENTO; GOUVEA, 2008). A dependência da criança frente aos adultos é legitimada, uma vez que não se considera verdadeiro o inverso, ou seja, a infância está numa posição subalterna à geração adulta, pois, para sua sobrevivência ela necessita dos adultos. Além disso, a infância existe, pois foi estabelecida como diferença histórica na classe etária e isso já basta para gerar desigualdade.

(23)

Estranho pensar na infância ainda sem voz atualmente, pois para o mercado de produtos infantis, elas possuem uma grande visibilidade. Inúmeros produtos são feitos ouvindo as crianças, seus desejos e suas vontades, fazendo com que se tornem hoje um mercado em ascensão. Empresas pesquisam maneiras de atrair cada vez mais esse público, pois veem nele um grande potencial monetário, afinal algumas crianças exigem que seus pais deem um jeito de comprar isso ou aquilo. Em contraponto, em alguns ambientes, as crianças não são ouvidas e muito menos há preocupação em pesquisar sobre o que elas pensam sobre tais locais ou sobre tais situações. Somos muito contraditórios, daí a criança deve ser ouvida e escolher, mas será sempre assim? Será que o amor a uma criança é somente medido pelo brinquedo ou pela roupa com que os adultos as presenteiam?

Partindo da visão econômica, é curioso achar que as crianças são valorizadas da mesma maneira. Além disso, a relação delas com os adultos também ocorre de várias formas, e o valor que o adulto atribui a ela é divergente, dependendo da classe e história social em que estão inseridos os sujeitos. Apenas olhar a criança de maneira abstrata, não levando em consideração as condições de vida em que está inserida é dissimular a definição social da infância (KRAMER, 2005). É isso que vamos fazer nessa investigação, neste estudo.

Podemos acreditar que estamos dando voz a elas e deixando-as “ser” atores sociais, mas isso não pode ser parcial. Ao sabermos e querermos escutá-las para algumas coisas, mas pode-se fazer isso para todas as situações e lugares? Será que pode continuar havendo entrega pela metade? E nos hospitais as crianças são escutadas? O que será mais importante o capitalismo e o dinheiro que elas podem fazer gerar ou a importância social que elas têm? A continuidade de um progresso, ou a melhora/piora dele?

As crianças são sujeitos ou assujeitadas?

Conforme a UNICEF e a ONG Save the Children, a infância é o grupo geracional mais afetado por desigualdade, pobreza, fome, guerras, doenças e desastres naturais (SARMENTO, 2004). Por certo há uma paralisação da sociedade diante de casos de crianças sem infância e isso indica um problema sociológico, uma mudança na sociedade, um problema social e político. A sociedade está perdendo o controle da formação das novas gerações, por uma coisificação da pessoa pelos interesses do grande capital e do Estado onipresente (MARTINS, 1993).

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Isso é um risco à infância, um passo em direção à barbárie. Deve-se considerar a infância como questão pública, assim como a escola e a saúde o são. Porém, os poderes governamentais e a sociedade estão cada vez mais inábeis para gerir o desenvolvimento econômico, e, dessa forma, está sendo retirado deles a obrigação de pensar como questão de Estado (FREITAS, 2001).

Como visto até o presente momento da escrita, pensar na infância, atualmente, gera diferentes significações. Em alguns casos, temos a certeza de escutá-la e em outras não. Suscitando também, dependendo da história em que estão inseridas, diversas manifestações: desde a aceitação da infância como tempo de descobertas ou como infância sem vez. Esse desconhecimento sobre as coisas gera um ingrediente fundamental da infância, a proteção do adulto, portanto, a criança é incapaz de “se cuidar” sozinha, precisando do adulto e vivendo sob a lei dele.

A proteção das crianças é algo muito importante. Hoje em dia, elas são cercadas de leis para sua proteção, pois ainda há muito trabalho escravo no Brasil e no mundo em condições sub-humanas de sobrevivência. Essas leis servem para auxiliar o desenvolvimento integral das crianças. Após estudos sobre o tema, notou-se que toda a história da infância, desde sua origem, foi surgindo maneiras e normas para assegurar-lhes melhores condições. Atualmente, as leis vão além de assegurar à criança ser criança, pelo menos de tentarem assegurar – teoricamente, buscam garantir o brincar também.

1.2 DIREITO DAS CRIANÇAS

Pode-se dizer que, hoje em dia, a maioria dos países possui alguma lei de proteção às crianças. Tanto é que, das diversas reuniões internacionais, criou-se a Declaração dos Direitos da Criança, declarada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990 (BRASIL, 1990).

Nosso país traz, em sua Constituição Federal, previsão, no art. 227, dos direitos inerentes às crianças e aos adolescentes, com a seguinte redação:

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, (...) (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

(...)

É a previsão mais importante em nosso ordenamento jurídico, pois a Constituição Federal é, para as demais leis de um País, a mais importante e é considerada a base de todas elas. Há também, em nosso país, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no entanto, fundamentalmente, se fazem necessárias algumas observações, antes de uma análise mais aprofundada dos ordenamentos supracitados.

É muito importante que se diga que, antes da Constituição Federal de 1988, nunca houve previsão de qualquer Lei que protegesse a Criança nas seis Constituições anteriores. A primeira de 1824, a segunda de 1891, a terceira de 1934, a quarta de 1937, a quinta de 1946 e a sexta de 1969. A criança somente passou a ter voz em nosso ordenamento na Constituição Vigente, quando os legisladores seguiram as orientações internacionais, adotando a Doutrina da Proteção Integral às crianças, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A saber, no campo do Direito, voltando à questão do conceito e da doutrina jurídica, além da já descrita e defendida pela ONU e por nossa Constituição, que é a da Proteção Integral, há também a Doutrina do Direto Penal, que trata a criança como “menor”. Nesse caso, o Direito só se ocupa dele a partir do momento em que pratique algum ato de delinquência, além da doutrina intermediária da situação irregular, na qual “menores” são sujeitos de Direitos quando se encontrarem em estado de risco ou patologia social (COELHO, 1998).

É embasada nessas Doutrinas, mais precisamente na primeira e na última referidas, a Intermediária da situação irregular, mas com muito das outras duas, que surge o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é contemporâneo da Declaração da ONU, e também da Constituição Federal de 1988, pois ele foi criado pela Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990), refletindo a visão daquela década.

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Nota-se que a legislação brasileira divide a responsabilidade e a obrigação de assegurar à criança seus direitos, todos focados nos Direitos Humanos, e é aqui que trazemos os Direitos da criança relacionados à Saúde. Como consequência, as crianças enfermas e hospitalizadas constituem um grupo notadamente suscetível às violações de direitos, à pobreza e à iniquidade no nosso país.

Para falarmos da situação de nosso país, primeiramente se faz necessário destacar alguns dados, como a população do Brasil, que é de cerca de 190 milhões de pessoas, das quais 60 milhões têm menos de 18 anos de idade. São dezenas de milhões de pessoas que precisam de condições para desenvolver com integralidade, todo o seu potencial e para isso possuem direitos e deveres (UNICEF, 2015).

O Brasil ratificou os tratados internacionais propostos pela ONU no tocante aos Direitos das Crianças, que foram as principais bases das Leis criadas, a começar pelo art. 227 da Constituição Federal, seguido pelas demais, onde se inclui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tendo também se proposto a efetuar mudanças e buscar objetivos mundiais de melhora na qualidade de vida destes.

Cumpre referir que nosso país está no rumo de alcançar o ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio)12 4, que trata da redução da mortalidade infantil. O País fez grandes avanços – a taxa de mortalidade infantil caiu de 47,1/1000, em 1990, para 19/1000, em 2008. Contudo, as disparidades continuam: as crianças pobres têm mais do que o dobro de chance de morrer, em comparação às ricas, e as negras, 50% a mais, em relação às brancas (UNICEF, 2015).

Ao falarmos de nossa realidade, buscamos trazer números não só do nosso país, mas também de nosso Estado e, principalmente, de nosso Município, no caso Cruz Alta/RS. Abaixo, a figura ilustrativa demonstra a situação do município de Cruz de acordo com os ODMs:

12

ODM - As metas do milênio foram estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000, com o apoio de 191 nações, e ficaram conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). São eles: 1 - Acabar com a fome e a miséria, 2 - Oferecer educação básica de qualidade para todos, 3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, 4 - Reduzir a mortalidade infantil, 5 - Melhorar a saúde das gestantes, 6 - Combater a Aids, a malária e outras doenças, 7 - Garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente, 8 - Estabelecer parcerias para o desenvolvimento (Fonte: http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio. Acesso em: 30/06/2015).

(27)

Figura 1: Percentual de alcance das ODMs do município de Cruz Alta – RS

Fonte: http://www.relatoriosdinamicos.com.br/portalodm/perfil/BRA004043125/cruz-alta---rs. Acesso em: 30/06/2015.

Esses dados se fazem importantes, pois, pesquisando crianças internadas em um hospital público e privado, demonstra-se que grande parte das internações são de crianças de baixo poder aquisitivo que talvez não conseguissem a melhora no seu quadro de saúde tratando-se em casa, pois medicamentos específicos tornam-se caros e, desta forma, surge a necessidade de internação hospitalar.

Somado a isso está o brincar e a humanização. Os brinquedos, muitas vezes, escassos de crianças carentes é demonstrado no hospital. Elas levam pouco brinquedo ou nada, muitas vezes aguardando que o hospital forneça algo, por isso o desenhar é uma brincadeira tão comum entre as crianças internadas13. E acaba que a hospitalização melhora a saúde, diminui a taxa de mortalidade infantil, como demonstrado, mas ainda o hospital em estudo, não conseguiu prover de recursos para o brincar.

Perante a lei, no decorrer dos anos, as crianças, acabaram por ter direitos necessários para seu desenvolvimento. A cada alteração, em alguma das esferas jurídicas, é deixado claro que é realizada para garantir seu pleno crescimento e gozo pela vida em sociedade. As leis são norteadoras da sociedade, pois infelizmente, sem elas não haveria convivência com tranquilidade social.

13

O desenhar, como brincadeira e brinquedo serão trazidos no quarto capítulo, juntamente com a pesquisa, isto é, com as narrativas infantis.

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No âmbito do Direito, há diversas discussões de que poderíamos nos apropriar porém, para este estudo, iremos focar nos Direitos das Crianças Hospitalizadas, já que é, no Hospital, que iremos fazer as visitas para ouvi-las.

1.2.1 E a Criança no Hospital, quais são os seus Direitos?

Por fim, chegamos aos direitos das crianças hospitalizadas caso de nosso estudo, a nossa legislação possui alguns marcos como a Constituição Federal de 1988, chamada de Cidadã, que trata da saúde como um direito da seguridade social e estabelece acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, Tem destaque a necessidade de promoção, proteção e recuperação da saúde, e, também, possuímos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Cabe, ainda, ressaltar os princípios comungados pela comunidade internacional e ratificados pelo Brasil como os contidos na Declaração dos Direitos da Criança da ONU (VERONESE; VERONESE, 2013).

A criança hospitalizada possui direitos específicos, o que se torna evidente na Resolução nº 41/1995 da CONANDA14, um texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos Direitos da Criança e do Adolescente hospitalizados aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, reunido na Vigésima Sétima Assembleia Ordinária:

Resolução nº 41 de 13 de outubro de 1995

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, reunido em sua Vigésima Sétima Assembleia Ordinária e considerando o disposto no Art. 3º da lei 8.242, de 12 de outubro de 1991, resolve:

I – Aprovar em sua íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de pediatria, relativo aos Direitos da Criança e do Adolescente hospitalizados, cujo teor anexa-se ao presente ato.

II – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. NELSON JOBIM

Presidente do Conselho

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE HOSPITALIZADOS

1. Direito e proteção à vida e a saúde, com absoluta prioridade e sem qualquer forma de discriminação.

14

CONANDA - O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente é um órgão colegiado permanente de caráter deliberativo e composição paritária, previsto no artigo 88 da lei no 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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2. Direito a ser hospitalizado quando for necessário ao seu tratamento, sem distinção de classe social, condição econômica, raça ou crença religiosa. 3. Direito a não ser ou permanecer hospitalizado desnecessariamente por qualquer razão alheia ao melhor tratamento da sua enfermidade.

4. Direito a ser acompanhado por sua mãe, pai ou responsável, durante todo o período de sua hospitalização, bem como receber visitas.

5. Direito a não ser separado de sua mãe ao nascer. 6. Direito a receber aleitamento materno sem restrições. 7. Direito a não sentir dor, quando existam meios para evitá-la.

8. Direito a ter conhecimento adequado de sua enfermidade, dos cuidados terapêuticos e diagnósticos a serem utilizados, do prognóstico, respeitando sua fase cognitiva, além de receber amparo psicológico, quando se fizer necessário.

9. Direito a desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do curriculum escolar, durante sua permanência hospitalar.

10. Direito a que seus pais ou responsáveis participam ativamente do seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, recebendo informações sobre os procedimentos a que será submetido.

11. Direito a receber apoio espiritual e religioso conforme prática de sua família.

12. Direito a não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnósticas e terapêuticas, sem o consentimento informado de seus pais ou responsáveis e o seu próprio, quando tiver discernimento para tal.

13. Direito a receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para a sua cura, reabilitação e ou prevenção secundária e terciária.

14. Direito a proteção contra qualquer forma de discriminação, negligência ou maus tratos.

15. Direito ao respeito a sua integridade física, psíquica e moral.

16. Direito a preservação de sua imagem, identidade, autonomia de valores, dos espaços e objetos pessoais.

17. Direito a não ser utilizado pelos meios de comunicação, sem a expressa vontade de seus pais ou responsáveis, ou a sua própria vontade, resguardando-se a ética.

18. Direito a confidência dos seus dados clínicos, bem como Direito a tomar conhecimento dos mesmos, arquivados na Instituição, pelo prazo estipulado em lei.

19. Direito a ter seus direitos Constitucionais e os contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitados pelos hospitais integralmente. 20. Direito a uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 17/10/95 - Seção I, p.163/9-16320 - Brasília - Distrito Federal (Grifo da autora).

Deste modo, de acordo com essa resolução, a pesquisa realizada demonstrou sua importância, pois, através dela, foram verificados espaços para recreação e estratégias utilizadas pelas próprias crianças para sentirem-se acolhidas, assim como representações de como imaginaram desfrutar de um lugar com tais qualificações.

Outra lei importante a amparar a pesquisa, é a obrigatoriedade de brinquedotecas (Lei nº 11.104 de 21 de março de 2005, abaixo transcrita) nos

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hospitais, para, dessa forma, assegurar às crianças internadas o cumprimento do brincar nesse ambiente.

LEI Nº 11.104, DE 21 DE MARÇO DE 2005.

Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação.

Art. 1º Os hospitais que ofereçam atendimento pediátrico contarão, obrigatoriamente, com brinquedotecas nas suas dependências.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se a qualquer unidade de saúde que ofereça atendimento pediátrico em regime de internação.

Art. 2º Considera-se brinquedoteca, para os efeitos desta Lei, o espaço provido de brinquedos e jogos educativos, destinado a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar.

Art. 3º A inobservância do disposto no art. 1o desta Lei configura infração à legislação sanitária federal e sujeita seus infratores às penalidades previstas no inciso II do art. 10 da Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.

Brasília, 21 de março de 2005; 184º da Independência e 117º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Tarso Genro

Humberto Sérgio Costa Lima

Evidencia-se, por intermédio desta lei, a instigação para atividades lúdicas no ambiente hospitalar, colocando em destaque o brincar nesse ambiente, fazendo com que se torne fundamental para um tratamento humanizado como deseja o governo nos últimos anos, com suas políticas públicas como o Humaniza SUS (VERONESE; VERONESE, 2013).

Este tema nos remete a questionar como fica então a criança e o brincar, o desenhar e todas as atividades lúdicas neste ambiente, questionamentos a que procuraremos responder no próximo tópico.

1.2.2 O Brincar nos Hospitais Perante a Legislação Brasileira

A exigência de Brinquedoteca nos hospitais que possuem atendimento pediátrico pela lei federal nº 11.104/2005, como demonstrado acima, é um objetivo nacional de saúde e está ligado com o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso e com a

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Política Nacional de Humanização, de 2005, no governo de Luís Inácio Lula da Silva (VILLELA; MARCOS, 2007).

Esta lei está movida tanto por estudos psicológicos e da área médica realizados em outros países, como também em iniciativas de trabalho voluntário, como o Doutores da Alegria15, que se tornou um marco para o brincar e para a ludicidade no hospital em nosso país (VILLELA; MARCOS, 2007).

A brinquedoteca exemplifica bem a valorização do brincar para a legislação e sua importância para a criança, porém pode deixar brechas sobre o que realmente acontece no cotidiano dos hospitais. Buscar tornar o ambiente hospitalar mais agradável para as crianças, sem a quebra do seu dia a dia, e mais, sem o rompimento com seu lúdico, com seu brincar, pode fazer parte da prática de humanização para a qual a saúde está caminhando.

Uma grande reforma na rotina hospitalar é sugerida por alguns autores nos Estados Unidos e na Inglaterra, na primeira metade do século passado. Arnold Gesell16 e outros teóricos propõem uma adaptação da rotina asséptica hospitalar, de regras e horários definidos para a adequação da natureza humana à rotina hospitalar. O que passou a ser entendido como um atendimento mais acolhedor, mais humanizado, um dos norteadores da humanização da saúde (IDEHARA; VILLELA, 2007).

No nosso país, as adaptações demoraram mais para ocorrer, podendo-se dizer que, apenas nas últimas duas décadas, e, mais acentuadamente, nos últimos dez anos, elas ganharam mais força. Além disso, os hospitais da rede pública acabaram demorando mais que os hospitais da rede privada para se adequar, uns ainda nem se adequaram (IDEHARA; VILLELA, 2007).

15

Doutores da Alegria é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que há 25 anos promove as relações humanas e qualifica a experiência de internação em hospitais por meio da visita contínua de palhaços profissionais especialmente treinados em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Fundada por Wellington Nogueira em 1991, a ONG foi inspirada no trabalho do Clown Care Unit, criada por Michael Christensen, diretor do Big Apple Circus de Nova York. Wellington integrou a trupe de palhaços em 1988, satirizando as rotinas médicas e hospitalares mais conhecidas. Ao retornar ao Brasil, decidiu implantar um programa semelhante. Vinte e três anos depois, a ONG já realizou mais de um milhão de visitas a crianças hospitalizadas, seus acompanhantes e profissionais de saúde. A base do trabalho é o resgate do lado saudável da vida e todos os seus projetos se utilizam da arte para potencializar as relações. (Fonte: http://www.doutoresdaalegria.org.br/conheca/sobre-os-doutores/. Acesso em: 30/06/2015 atualizado em 26 de agosto de 2016). Existem outras ONGs que realizam trabalho similar, em Porto Alegre podemos citar O Projeto Viver de Rir (http://projetoviverderir.com.br/. Acesso em: 26/08/2016).

16

Arnold Lucius Gesell, americano, nasceu em 21/06/1880 e faleceu 29/5/1961. Foi o psicólogo desenvolvimentista que demonstrou maior interesse pelos aspectos maturacionais em desenvolvimento humano.

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Infelizmente, no Brasil, a burocracia vence a boa intenção de um projeto de lei. Vemos muitos casos de brinquedotecas fictícias ou apenas inexistentes, pois, como visto na lei, não fica claro como deveria ser uma brinquedoteca, como se apenas um lugar com brinquedos resolvesse a questão. Locais com brinquedos, muitas vezes sucateados, que não despertam na criança o desejo de brincar, apenas servirão para ser um lugar de não utilização pelas próprias crianças, tornando-se muitas vezes, um ambiente insalubre, dando a impressão de não necessário e pouco importante para o Hospital. Também um local que fica de difícil acesso para as crianças, fechado constantemente, não resolverá o problema e permanecerá o hospital sendo um local que não favorece o brincar.

Claro que devemos estabelecer parâmetros distintos para a nossa discussão, afinal, desejamos um local para a criança brincar, porém temos, em contraponto, a fragilidade de muitos dos nossos hospitais. Então, se cria uma norma e não se cria a discussão para como deve ser o cumprimento dela, ou qual a melhor maneira de cumpri-la, buscando adequar cada realidade à lei.

(33)

32

2 E O BRINCAR?

Para conseguir vislumbrar a criança brincando no ambiente hospitalar, partiremos neste momento do brincar, seus conceitos e demonstrações, para cada vez mais penetrarmos nesse universo que a dissertação quer trazer. Porém, já cabe salientar que esta pesquisa busca uma maneira de aprofundar na experiência da criança, do seu dizer e do brincar, ou seja, não desejamos apenas transcrever conceitos sem que eles nos tragam o que a realidade demonstrou. Se fizéssemos isso, deixaríamos de lado o nosso principal objetivo, que é perpassar pela experiência das crianças pesquisadas, de escutá-las e trazer à tona o que realmente elas pensam sobre o brincar, e não somente o que os conceitos revelam.

Neste capítulo vai ser referido o entendimento que se tem do brincar. Não há, acredita-se, criança que não brinque. Mesmo em alguma adversidade, toda criança dá um jeito de tornar qualquer coisa uma brincadeira. E lugar? Existe um lugar que pode e outro que não pode? Como explicar para uma criança onde se deve ou não brincar. A resposta é difícil, criança que é criança irá buscar na circunstância em que está inserida uma maneira de inventar um jogo, uma brincadeira.

Mesmo tendo um lugar, brincar, suas cirandas, jogos, brinquedos e cantigas sempre tiveram um lugar importante na vida de crianças, adolescentes e adultos, enfim, ele está inserido na construção histórica de um povo (MORAES, 2012).

Diversos autores nos inspiraram no decorrer da pesquisa, um encontro constante com Walter Benjamin e Jorge Larrosa aconteceu durante a escrita. Após contato com estes autores, ocorreu uma mudança de paradigmas, uma alteração na percepção, mudaram-se os óculos mais uma vez, como traz Larossa, no seu texto, uma transformação (LARROSA, 2011). Mesmo que estes autores não apareçam citados explicitamente, eles estão nas entrelinhas destas páginas.

2.1 SIMPLESMENTE BRINCAR

O brincar faz parte do ser humano, é uma expressão não apenas da criança em si. Ele vem de diferentes formas, nas diferentes etapas da vida, está sempre presente, tanto na criança quanto no adulto, é uma linguagem do espontâneo, vem da alma (TARJA BRANCA, 2013). Contudo, o que nos causa estranheza é a

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