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O brincar faz parte do ser humano, é uma expressão não apenas da criança em si. Ele vem de diferentes formas, nas diferentes etapas da vida, está sempre presente, tanto na criança quanto no adulto, é uma linguagem do espontâneo, vem da alma (TARJA BRANCA, 2013). Contudo, o que nos causa estranheza é a

necessidade de discutirmos e buscarmos elementos científicos para garantir à criança o brincar, algo que simplesmente faz parte de sua vida, algo orgânico. Como diz no documentário Tarja Branca (2013): “brincar é uma necessidade fisiológica (...)”.

Iremos definir o brincar, porém o que não queremos é nos deixar engolir apenas pelos conceitos ora difundidos. Parece que as pesquisas sobre esse tema ficaram atoladas em um intrincado de definições do brincar para servir de base para possíveis argumentos. Moyles confirma (2007): “Por mais louvável que seja tentar definir o brincar, isso pode sugerir uma abordagem quantificável que, na prática, raramente acontece”. Não há dúvidas de que os seres humanos, e até mesmo os animais, exploram o meio em que estão inseridos e podem sentir uma variedade de experiências através do brincar (MOYLES, 2007). Winnicott (1975, p. 63) afirma a naturalidade desse ato: “O natural é o brincar (...)”.

Já nos primeiros anos de vida da criança, ela explora o mundo e seu próprio corpo brincando, manipula objetos, interage com outras crianças, movimenta-se, pelos sentidos experimenta diversas sensações, tudo ativado pelas suas próprias iniciativas, pelo seu próprio querer (IGNACIO, 2015).

Há certa dificuldade em diferenciar com suas especificidades o brincar e o jogar. Na maioria das vezes, os conceitos acabam sendo utilizados como sinônimos, apesar de jogo ser diferente em muitos aspectos (JARDIM, 2003). A palavra jogo nos leva a pensar mais em regras, enquanto brincar pode ser de qualquer coisa, inclusive de um jogo, o que é confirmado na citação de Carneiro (1990 apud JARDIM, 2003):

Enquanto brincar aparenta ser mais livre, possui em si mesmo e realiza-se apenas como um elemento, o jogo possui regras, pode ser utilizado como meio para chegar-se a um fim, e geralmente, envolve dois ou mais parceiros.

Muitas áreas e profissões utilizam o brincar para melhorar seu desempenho ou mesmo para entender a psique da criança. Podemos exemplificar essa afirmação citando: psicologia, psicanálise, pedagogia e fisioterapia – claro que essa utilização dependerá da maneira como o próprio profissional vê o brincar. A discussão se faz necessária, pois existem áreas que entendem que o brincar pode atrapalhar ou é subjugado em detrimento de outras coisas “mais importantes”.

O documentário Tarja Branca (2013) foi uma marca, afinal, de uma maneira lúdica, através de depoimentos, ele conseguiu retratar o brincar de diferentes formas, escutando diferentes pessoas. Evidente que uma busca mais aprofundada é válida e útil. Conceitos mais difundidos no meio acadêmico sempre são apropriados, mas trazer o que demonstra o brincar de uma forma mais abrangente do grande público brasileiro, também, se mostra importante, faz sentir mais próximo do que ocorre normalmente. Dentre as muitas reflexões feitas no documentário, uma, que acredito simples, mas que diz muito é: “a criança não vive para brincar, para ela brincar é viver”. Outras ideias oriundas do brincar também são interessantes: “O essencial do brincar é a liberdade, liberdade de tempo, liberdade de espaço e liberdade de criação” e “a criança leva o brincar até a última consequência, ela leva com seriedade o brincar” (TARJA BRANCA, 2013).

Logo, brincar, para a criança, não é simplesmente ocupar um tempo ocioso, é algo necessário, que a faz pensar e repensar situações, significar vivências e representar experiências.

É universal que brincar faz parte da própria saúde, facilita o crescimento, auxilia e também gera relacionamentos entre as crianças em grupos. Isso pode ser uma maneira de entendimento também utilizada na psicoterapia, por exemplo, pois é uma forma de comunicação com os outros e consigo mesmas (WINNICOTT, 1975). Brincar fez e faz parte do universo infantil, o jogo é uma das maneiras mais naturais da criança ir ao encontro da realidade, pois todo jogo leva à característica de expressar seus desejos para si e para os outros, quando compartilhado. As crianças utilizam o faz de conta uma forma para resolver aquilo que ainda não entenderam do mundo adulto (BATISTA, 2009).

Algo que acontece sem esperar, sem intenção utilitária, ocorre pela curiosidade, da vontade de agir, movimentar, estar alegre, interagir. As brincadeiras surgem num piscar de olhos, brotam do corpo e da alma, e, a cada momento, transformam-se espontaneamente, podendo surgir novos significados e novas brincadeiras. O faz de conta é mesclado com o que a criança vê e ouve nos locais em que está inserida (IGNACIO, 2015).

A partir do momento que se tem a imagem da criança como um ser que brinca, o jogo andará junto com ela, afinal, durante a infância, as brincadeiras serão transportadas com a criança, continuando ou renovando-se (KISHIMOTO, 1993). Toda criança carrega o jogo e o lúdico, com suas regras tradicionais ou

reinventadas, a criança imagina e brinca durante seu dia a dia, podendo essa brincadeira ser ou não guiada.

Analisando a criança durante os jogos, o adulto pode ter a chance de apreciá-la melhor, entendendo um pouco mais do seu estado de espírito. Pela brincadeira, a criança desenvolverá a parte emocional e afetiva assim como a cognição, a capacidade de síntese, o jogo simbólico, etc. (WEISS, 1989).

Brincar possui grandes vantagens e atualmente há uma espécie de lista com tais benefícios: brincar auxilia no desenvolvimento da confiança da criança em si e nas suas habilidades, também ajuda a criança saber interagir e julgar as especificidades das interações sociais sendo mais empática, melhorando a tolerância, compreendendo a expectativa sua e dos outros. Também se oportuniza durante o ato de brincar, a independência e a liberdade.

O mundo e a criança possuem uma conexão mediada e nisso o brincar apresenta diversas significações. Sua construção pode ser modificada e isso irá depender tanto das variáveis históricas e culturais. Pela socialização, a criança apodera-se do que a sociedade está culturalmente fazendo e, ao brincar, ela apossa-se desses elementos e tem a chance de recriá-los (ARAÚJO, 2008).

Após esses conceitos de brincar, ainda se faz necessário apresentarmos o “por que brincar?” Moyles (2007, p. 20) diz:

(...) é que ele garante que o cérebro – e nas crianças quase sempre o corpo – fique estimulado e ativo. Isso, por sua vez, motiva e desafia o participante tanto a dominar o que é familiar quanto a responder ao desconhecido em termos de obter informações, conhecimentos, habilidades e entendimentos.

Não importa a idade, brincar estimula a diversão e a alegria para a vida e para a aprendizagem. Somente isso já é um pretexto para valorizar o puro brincar (MOYLES, 2007). Piers e Landau (1980, p. 43) dizem que o brincar “desenvolve a criatividade, a competência intelectual, a força e a estabilidade emocionais, e (...) sentimentos de alegria e prazer: o hábito de ser feliz” (PIERS; LANDAU, 1980 apud MOYLES, 2007).

Por isso, torna-se indispensável também com as crianças hospitalizadas atentar para permitir o brincar apenas para fins desejados pelos adultos, esse ato deve acontecer naturalmente, mas como? É atividade fundamental para o

desenvolvimento infantil, não podendo ser visto, por exemplo, apenas para fins pedagógicos ou terapêuticos, podendo ser percebido como uma atividade natural.

Afinal, como diz Gutton (2013, p. 15): “a criança brinca o tempo todo; essa é uma observação comum”. É difícil ver quando a criança está ou não brincando, pois, muitas vezes, ela utiliza a brincadeira e representa diversos papéis (inclusive o seu mesmo), para se afastar da realidade. Isso lhe permite uma “espécie de deslocamento de sua presença no mundo” (GUTTON, 2013). Isso poderá acontecer com a criança em situação de hospitalização, por exemplo.

Para a presente escrita, o brincar irá incluir todas as suas maneiras, o jogo, o desenho, brincadeiras que a criança pode realizar sozinha ou com outras crianças, brincadeiras com adultos, etc. O desenho é um brincar que praticamente toda a criança realiza, não importa a idade. Desde muito pequenos, bebês rabiscam e divertem-se com lápis, giz de cera e algum papel. Até mesmo adultos se utilizam dessa brincadeira para diminuir o estresse.

Criança, se for deixada livre, desenha, brinca, diverte-se. Ou seja, para ela, apenas não a impedindo já é favorável ao brincar. Como já dito, assim como o brincar, não iremos classificar o desenho e defini-lo, se ele estiver presente iremos apenas senti-lo. Por esse motivo, iremos trazer a autora Florence de Mèredieu, para irmos mais longe do que normalmente vamos, para desbravar novos caminhos, com novos olhares. Nas palavras da autora (2006, p. 6):

A “arte infantil” (...) ignora esse corte que o adulto estabelece entre a cultura e a vida, corte que a torna um ser mutilado, castrado de uma parte de si mesmo. Real e imaginário indissolúveis, o pensamento mágico da criança evolui à maneira do jogo, que funciona ao mesmo tempo como simulacro e como verdade: tudo é susceptível de ser mutado nesse universo, e intercâmbio perpétuos se produzem nesse meio em que as palavras ainda são coisas (...).

Após as leituras e definições acerca do brincar e os motivos pelos quais devemos deixar a criança livre para fazê-lo, deparamo-nos com as incertezas do dia a dia da criança. Existem locais para elas brincarem? Mas, se, de acordo com o que demonstramos, a criança brinca de qualquer coisa, com qualquer material, em qualquer lugar, como podem existir locais que se permitam à livre brincadeira e outros não?

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