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Historicamente a família tem sido a instituição sustentadora do desenvolvimento do indivíduo, tanto do ponto de vista material, como psicológico e social. É no seio familiar que têm lugar os processos de reprodução social. No passado a família considerou-se uma unidade de produção e de consumo e ainda que as suas funções se tenham transformado, basicamente o seu papel não mudou. Dois dos traços mais determinantes numa família são a co- residencialidade e um orçamento comum. Estes são critérios base de caracterização censitária. As definições de família utilizados ao longo dos tempos e os diferentes critérios considerados, não são questões puramente terminológicas, porque envolvem modelos culturais de família, de relações familiares, de formas de dependência e de autonomia entre as gerações legitimadas. “Da concepção ao nascimento através da infância e da adolescência, durante a idade adulta e

na velhice, a família é uma força intermediária entre o indivíduo e a comunidade envolvente, continuando o ambiente social a ser a maior influência no desenvolvimento humano” (Pinto 1991: 236).

Há traços comuns que se podem desenhar, construindo uma imagem aceite globalmente por todos. Podemos resumi-la como sendo o agregado doméstico, relacionado com a vida privada e íntima de pessoas geralmente simbolizadas pela “domus” ou lar, composto por pessoas unidas pelos vínculos da consanguinidade e aliança, poderá ser restrita ou alargada. Mas é a célula básica da sociedade e o grupo primário por excelência, em que o relacionamento interpessoal é marcado pelas relações afectivas, em que cada um assume o respectivo papel, função e estatuto, vivendo num contexto de referência a valores e objectivos comuns (Bernardo 1991).

A doença, independentemente do órgão ou aparelho afectado, influi na pessoa como um todo, em todas as dimensões: biológica ou funcional, psicológica, espiritual e social ou de relação com os outros, especialmente com os familiares. O ser humano é um ser social e a família é o contexto social mais importante e a sua primeira linha de defesa. Se a família o realiza e apoia, se está equilibrada e tem resolvidos os seus problemas, se é sã física, psicológica e socialmente, então o indivíduo tem condições para recuperar a saúde ou para, neste caso, encarar a morte com serenidade. Daí a importância de conhecer a sua integridade funcional e de a integrar no processo terapêutico.

Podemos considerar que “o universo do doente terminal é constituído por três mundos: a equipe de saúde, presumidamente competente; o familiar e amical; e o social com os seus imperativos e os seus tabus” (Vicent 1991: 343). Em que o doente e a família constituem a unidade integral de tratamento e devem ser considerados em conjunto ao estabelecer um plano de actuação terapêutica (Andrés 1995).

Considera-se que, se qualquer membro da família ou outro grupo primário ligado por estreitos vínculos pessoais enfrenta um problema que envolve uma ameaça à satisfação de necessidades, o grupo, como um todo é inevitavelmente envolvido de um modo ou outro, e em diferentes graus, de acordo com a gravidade do problema ou com as obrigações do indivíduo em relação ao grupo e vice-versa. O impacto da doença na família altera planos de futuro, os papéis e responsabilidades, bem como os padrões de interacção familiar (Caplan 1986).

É impossível atender simplesmente o doente, sem atender também a sua família. Esta fica extremamente afectada, talvez não precise de ajuda na satisfação das necessidades físicas, mas em termos de comunicação, de apoio emocional e de orientação de comportamentos é tão carente como ele. No seio familiar gera-se uma desorganização psicológica, económica, desespero, revolta e uma modificação das relações interpessoais, como refere Vaz Serra (Marques 1991). Por isso, a relação estabelecida entre o profissional de saúde (médico, enfermeiro ou outro) com o doente e com os familiares nunca poderá ser uma relação fria, indiferente ou simplesmente técnica, tem que pelo contrário ser uma relação comprometida, empática, atendendo o doente como um todo concreto (Moreira 1992). O cuidar no doente terminal, deve ser abordado numa dupla perspectiva doente-família. A família sofre o processo e, por sua vez, condiciona com o seu comportamento o nível de qualidade de vida do doente” (Vidal 1993).

Feito o diagnóstico (de cancro, por exemplo) e hospitalizado o doente, cerca de metade das famílias recorrem ao seu médico assistente, quase sempre como consequência das preocupações excessivas em relação ao seu familiar; mais de 2/3 revelam ansiedade ou comportamentos indicativos de depressão e angústia severa. Uma doença grave impõe-se à família de três maneiras: destrói ou modifica de sobremaneira a união e as ligações familiares; podem surgir a discórdia, a discussão e os desentendimentos tudo produto do stress, da ansiedade e da falta de informação e de diálogo, ou contrariamente, a doença pode vir reforçar a união e a proximidade entre os familiares; afecta os planos e as orientações da família em relação ao futuro; modifica as relações e as dependências em relação a outras pessoas exteriores à família, podendo haver intensificação ou deterioração das mesmas.

Na maior parte dos casos e sempre que a doença terminal não resulte de uma patologia crónica, isto é, não seja esperada, a família percorre, de forma muito similar ao doente, as mesmas fases de adaptação à doença e à morte. Requer, tal como ele, uma atenção e cuidados especiais, sobretudo se se detém numa dessa fases. As suas necessidades exigem tanta atenção como o próprio doente. Cabe aos profissionais de saúde desenvolver aptidões para lidar com as tensões geradas no interior do sistema familiar e compreender que são fruto da situação bastante stressante que todos estão a viver (Marques 1991).