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Capítulo 3. Metodologia da Pesquisa

3.1 FASE 1: COLETA DE DADOS

Ao longo do tempo, a comunidade científica desenvolveu e pôs em prática diversas ferramentas para coleta de dados em pesquisas científicas. O viés social adotado por esta pesquisa, entretanto, apresenta algumas particularidades que são comumente

desconsideradas pelos métodos de pesquisa tradicionais (Coutinho, 1998). O primeiro obstáculo para o uso de métodos tradicionais em pesquisas sociais é a pretensa posição imparcial e objetiva do pesquisador. A objetividade é considerada uma das principais características da pesquisa científica, e em um cenário ideal, a visão pessoal do pesquisador não interfere no processo de pesquisa nem no resultado da análise dos dados. Esta objetividade é alcançável nos estudos feitos no campo das ciências exatas, que orbitam em torno de dados empíricos, passíveis de comprovação de maneira evidente e inequívoca. Nas ciências humanas, entretanto, o objeto de estudo são pessoas e suas relações sociais, o que eleva o grau de subjetividade nas análises

realizadas, tornando, assim, difícil atingir a total imparcialidade por parte do pesquisador (Gil, 2008).

Usher (1996, apud Coutinho 1998) é categórico ao afirmar que não existe perspectiva neutra ou livre de interesses em uma pesquisa, pois todos os indivíduos são localizados socialmente, e o conhecimento produzido é influenciado por interesses sociais. A bagagem cultural do pesquisador, suas vivências e conhecimentos prévios acerca do contexto observado tornam a imparcialidade uma característica longínqua, para não dizer impossível de ser atingida na pesquisa social. De acordo com Gil (2008), é pouco provável que o cientista social possa tratar o objeto de seu estudo com absoluta neutralidade, uma vez que por mais que tente, não será um mero observador objetivo, mas irá além: será também um ator do fenômeno estudado.

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Outro ponto crítico é a generalização necessária do conhecimento adquirido em uma pesquisa, assim como sua reprodutibilidade técnica. Uma pesquisa realizada com rigor científico, em tese, pode ser replicada com resultados semelhantes por outros

pesquisadores, apoiando-se nos mesmos parâmetros de coleta de dados e dispositivos de medição dos resultados.

Entretanto, em uma pesquisa social, os dados coletados são intrinsicamente ligados ao contexto no qual estão inseridos, e uma vez que os sujeitos estudados possuem experiências particulares diferentes, é impossível replicar toda a conjuntura de um determinado experimento.

Esta pesquisa lida com todos estes questionamentos, já que trata principalmente da compreensão de uma atividade social e dinâmica, i.e. o ensino de design de tipos em sala de aula. Uma coleta de dados nos moldes da pesquisa científica, baseada apenas em informações quantitativas sobre a disciplina, seria insuficiente para a compreensão completa da realidade do ensino-aprendizagem em sala de aula. Foi na etnografia que esta pesquisa encontrou o respaldo científico e as ferramentas necessárias para uma coleta de dados coerente com os questionamentos que buscamos elucidar acerca do ensino de design de tipos no estado.

3.1.1 A pesquisa etnográfica

O termo etnografia é definido de forma geral como “o estudo e registro descritivo de povos e

etnias, suas culturas e características” 14(Oxford Dictionary, 2012). Wielewicki (2011) traz, de

maneira objetiva, uma definição que pode ajudar a entender a motivação e o formato deste trabalho:

(...) a pesquisa etnográfica propõe-se a descrever e interpretar ou explicar o que as pessoas fazem em determinado ambiente (sala de aula, por exemplo), os resultados de suas interações e o seu entendimento do que estão fazendo.

Wielewicki, 2011, p. 27.

A configuração clássica da pesquisa etnográfica é descrita como a imersão em um contexto social por um período extenso de tempo, observando, escutando, questionando e coletando toda a informação possível no ambiente, que deve ser o habitat ou contexto natural daquele grupo social, não modificado ou controlado pelo pesquisador

(Hammersley & Atkinson apud Coutinho, 1998).

É possível notar que a particularidade dos contextos observados – e, consequentemente, das informações produzidas a partir daqueles contextos – já era aceita pela comunidade

14 Tradução da autora. Texto original: ethnography (noun): the scientific description of peoples and

39 científica como parte intrínseca da pesquisa social. Entretanto, ainda está presente nesta definição o pressuposto de imparcialidade e não-interferência do pesquisador.

Nas últimas décadas, contudo, a expansão do uso da etnografia como instrumento de pesquisa causou uma série de mudanças e adaptações em seus procedimentos. A comunidade científica discute, atualmente, os tipos de dados que devem ser coletados, a maneira como o pesquisador deve se inserir no meio a ser observado, se a coleta deve ser mais ou menos estruturada, e até a validade do uso da etnografia em pesquisas

realizadas em ambientes controlados ou artificiais é questionada.

Essas variações na coleta de dados são justamente o que torna a etnografia uma abordagem tão versátil para a pesquisa. Coutinho (1998) propõe o posicionamento do pesquisador em relação a diversos aspectos, de acordo com polos antagônicos que podem levar a pesquisa a assumir características empíricas – se aproximando do método científico tradicional – ou interpretativas, em consonância com a abordagem etnográfica. O diagrama na figura 13 ilustra essa polarização.

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3.1.2 A aplicação da etnografia nesta pesquisa

A abordagem etnográfica se apresentou adequada a esta pesquisa devido aos seguintes fatores:

1. A imersão no objeto de estudo, própria da etnografia, se mostra bastante apropriada para pesquisas de viés social;

2. A etnografia propõe uma visão mais realista do processo de condução de um experimento, considerando o contexto da investigação e o ponto de vista do pesquisador não como fraquezas, mas como características legítimas da pesquisa.

A partir do esquema mostrado na figura 13, a pesquisa em questão é posicionada de acordo com cada um dos aspectos:

a) tipo de pesquisa

A coleta de dados desta pesquisa consiste na observação aprofundada de uma situação de ensino. É um contexto específico, e as questões a serem elucidadas a respeito do sistema são de caráter mais qualitativo do que quantitativo. O estudo se concentra na natureza das relações entre os sujeitos, o ambiente e o objetivo. No entanto, os dados quantitativos também estão presentes, e servem como parâmetros de avaliação do engajamento, motivação da turma e para embasar as conclusões a que chegou a pesquisadora.

b) interpretação

A partir de um conjunto de informações predominantemente qualitativas, advindas da observação, a interpretação da situação observada é feita de maneira descritiva, buscando entender, a partir dos fatos ocorridos, o sistema que compreende a atividade de ensino de design de tipos.

c) coleta de dados

Foi possível elaborar uma estrutura básica para coleta de informações acerca de fenômenos sociais regulares, tais como frequência dos alunos e das professoras, tempo gasto na orientação de cada aluno e horário do início e término das aulas. Entretanto, as atividades realizadas em cada encontro sofreram variações consideráveis, levando a pesquisadora a adotar uma abordagem menos rígida para a o procedimento de coleta de dados. Conforme a necessidade do momento, os registros eram feitos através de fotos, gravação de áudio ou vídeo ou anotações em um caderno. Pode-se afirmar que a coleta de dados foi semiestruturada, e variava conforme o momento vivido durante a pesquisa. d) posição da pesquisadora

Existe uma relação bastante estreita entre a pesquisadora e a disciplina observada na pesquisa de campo, e é difícil dissociar essa relação da experiência atual, durante a análise dos dados. Conhecimentos prévios podem influenciar tanto a observação quanto a interpretação da situação de ensino, assim como a percepção dos alunos e professores

41 acerca da pesquisadora podem exercer alguma influência sobre seu comportamento. Esses fatores impedem qualquer afirmação de neutralidade por parte da pesquisadora. Conforme a figura 14 demonstra, pode-se afirmar que esta pesquisa adota uma

abordagem mais interpretativa do que empírica. Entretanto, informações absolutas, como as notas e a frequência dos alunos, em conjunto com dados menos mensuráveis, podem ajudar a entender a evolução de suas habilidades em desenhar caracteres tipográficos ao longo do período de observação. Existem componentes objetivos pra indicar se os alunos aprenderam, quão engajados eles estavam, mas a pesquisa, de fato, é primordialmente subjetiva, baseada na interpretação da pesquisadora sobre a situação observada.

Figura 14. Posicionamento desta pesquisa em relação as características da coleta de dados.

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