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Capítulo 4. Entrevistas com professores de design de tipos

5.2 Observação-piloto

A situação observada foi a orientação de alunos no desenvolvimento de tipografias display, dentro da disciplina de Diagramação/Design de tipos, integrante do curso de Design Gráfico do IFPE - Instituto Federal de Pernambuco. O uso da Teoria da Atividade como instrumento de análise se mostra adequado a este contexto específico, pois estão presentes aspectos como motivação dos alunos, internalização e aplicação prática de conhecimentos expostos anteriormente na disciplina, além da relação entre alunos e professor.

Para o trabalho de análise, foram usadas diversas técnicas de coleta de dados, que, juntas, proporcionam uma visão bastante aproximada do sistema, tanto sob a ótica da pesquisadora quanto na visão do professor e dos alunos. A coleta de dados consistiu em:

a) observação não-participativa das 3 últimas aulas de orientação antes da entrega do projeto final;

b) realização de três entrevistas informais com o professor; uma antes da observação, uma no último dia de orientação e outra após a entrega dos trabalhos;

c) questionário respondido por 16 alunos, presentes na última aula (Anexo 1).

5.2.1 O contexto

O curso de Design Gráfico do IFPE tem duração de dois anos, divididos em quatro módulos. O currículo é fechado, e todas as disciplinas são obrigatórias para a conclusão do curso.

A disciplina de Diagramação/Design de Tipos é um caso peculiar dentro do curso, pois trata-se, essencialmente, de duas disciplinas aglutinadas em uma. A carga horária de 80 horas, com 2 aulas semanais, é dividida em partes iguais entre Diagramação e Design de Tipos (40 horas para cada). No período 2012.1, o professor optou por trabalhar as duas partes da disciplina simultaneamente, realizando as aulas de tipografia na segunda-feira e as de diagramação na quinta-feira. Os projetos desenvolvidos pelos alunos também foram requisitados e entregues de forma paralela.

Levando em conta a atividade escolhida para análise – orientação de projetos

tipográficos –, a pesquisadora optou por não considerar a parte da disciplina que aborda os conteúdos de diagramação, e manter o foco no design de tipos. Para melhor

73 entendimento, estabelecemos que, no contexto deste estudo piloto, sempre que for mencionado o termo "disciplina", este faz referência apenas à parte de Design de Tipos. Primeira conversa com o professor proporcionou o entendimento acerca da estrutura da disciplina, que foi dividida em duas fases. Na primeira, que tem duração de 8 semanas, o objetivo principal foi a familiarização dos alunos com o universo tipográfico. São

introduzidos conceitos básicos de anatomia e nomenclatura tipográfica. Para fixação dos conteúdos, foram realizados exercícios de baixa complexidade, como a coleta de

manifestações tipográficas cotidianas, o desenho de tipos com estrutura modular simples e a criação de faces experimentais com objetos e materiais trazidos pelos alunos.

Na segunda fase da disciplina, a turma teve 9 semanas para desenvolver uma tipografia digital. A fonte deveria ter caráter display, mas a abordagem projetual ficou livre, a critério do aluno, podendo ter referência conceitual ou concreta, ou ainda ter caráter experimental. Os requisitos de entrega no final da disciplina são:

a) set mínimo de caracteres – letras maiúsculas ou minúsculas, além de algarismos, acentos e principais símbolos não-alfabéticos;

b) arquivo-fonte TrueType;

c) cartaz de apresentação da tipografia;

d) mídia digital com o processo de desenvolvimento da fonte, incluindo os primeiros desenhos, fotografias e arquivos de trabalho.

Durante essas 9 semanas, não houve explanação de conteúdo nem realização de exercícios nas aulas. O horário serve para os alunos apresentarem os trabalhos em andamento e receberem orientações do professor, além de tirar dúvidas técnicas com o monitor da disciplina.

5.2.2 Observação das aulas

A

Auullaa 11

Na primeira aula observada (que, na contagem do período, seria a sexta aula de

orientação), havia 18 alunos presentes no laboratório, dos 30 que frequentavam as aulas regularmente na primeira parte da disciplina, segundo o professor. Depois de uma pequena discussão sobre a data e os requisitos de entrega do projeto final, foi iniciada a atividade de orientação.

Apenas 4 alunos, entre os 18 presentes, trouxeram projetos para que o professor os orientasse. Os outros estavam ocupados com projetos de outras disciplinas, e se manifestaram a respeito da grande quantidade e do prazo curto para a entrega dos trabalhos. Os projetos trazidos ainda estavam na fase de definição da ideia e das principais características das letras.

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A

Auullaa 22

Na segunda aula, apesar de a frequência ter sido menor – apenas 13 alunos –, o número de orientações cresceu em relação à primeira aula. Nove alunos trouxeram seus projetos em andamento, e alguns já haviam avançado no desenvolvimento das tipografias. A figura 32 mostra uma visão geral dos projetos apresentados.

A orientação da segunda aula foi a que apresentou melhor rendimento. Foi notável a evolução dos projetos num intervalo de duas semanas desde a orientação anterior, o que pode se explicado pelo fato de que as outras disciplinas já haviam sido concluídas, dando aos alunos mais tempo para desenvolver suas tipografias.

75 Os alunos, com exceção de um deles, já tinham suas ideias definidas, e o professor tentou manter o foco da orientação em aspectos construtivos, problemas de desenho das letras e questões como métricas, alinhamento e compensação visual das letras.

Entretanto, os alunos que já trabalhavam no computador apresentaram dúvidas e dificuldades com a manipulação dos softwares utilizados, e essas questões tomaram a maior parte do tempo de sua orientação, em detrimento de observações mais

aprofundadas sobre o desenho das tipografias em construção. O responsável por ajudar os alunos a resolver problemas técnicos seria, teoricamente, o monitor. Era natural, contudo, que as perguntas fossem direcionadas ao professor, pois era a ele que os alunos se dirigiam diretamente no momento de orientação. Entretanto, este nem sempre encaminhava as dúvidas ao monitor.

A

Auullaa 33

A última aula observada foi também o último momento de orientação de projetos antes da entrega final. Os 16 alunos presentes mostraram projetos em andamento, sendo esta a melhor relação entre presença e orientação observada no período. Havia apenas um aluno com o desenho das letras ainda no papel; todos os outros já manipulavam os caracteres em softwares de desenho vetorial (CorelDraw ou Illustrator) ou de produção de fontes (FontLab).

Nessa última aula, foi possível notar a dificuldade da grande maioria dos alunos em operar os softwares. Apesar de já terem trazido as letras digitalizadas, vários desenhos ainda apresentavam problemas construtivos e de equilíbrio entre as letras. No entanto, a orientação ficou limitada à resolução de problemas técnicos. Tanto o monitor quanto o professor passaram a maior parte da aula tirando dúvidas dos alunos sobre manipulação de curvas de bézier, junção de formas, problemas na exportação do desenho entre 2 programas diferentes, entre outras questões.

5.2.3 Aplicação do modelo de Engeström

A atividade de orientação de projetos tipográficos foi organizada de acordo com o modelo de sistema de atividades proposto por Engeström (1987), ilustrado na Figura 33. Alguns fatores do sistema merecem ser comentados em mais detalhes.

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  Figura 33. Organização da situação observada de acordo com o modelo de sistema de atividades proposto por

Engeström (1987).

M

Moottiivvaaççããoo ddooss aalluunnooss ((oobbjjeettiivvoo))

Alguns aspectos observados durante as aulas podem ser considerados indicadores da motivação dos alunos em relação à atividade, tais como a frequência nas aulas e o cumprimento das tarefas requisitadas – apresentação de projetos em andamento.

77 O gráfico na figura 34 demonstra a frequência dos alunos durante as 3 aulas observadas. A frequência média neste período ficou em torno de 51%, mas o número de alunos que apresentaram projetos em andamento aumentou consideravelmente entre a aula 1 e a aula 3. Segundo o professor, esse é um comportamento recorrente nas turmas de Design de Tipos. Conforme a data de entrega da tipografia se aproxima, os alunos que deixam o projeto para a última hora começam a apresentar seus estudos.

A sobrecarga das outras disciplinas pode ter sido responsável, até certo ponto, pela baixa frequência dos alunos nas aulas de orientação, mas caso este fosse o único motivo, a frequência teria melhorado a partir da segunda aula, com o fim dos outros trabalhos, o que não foi o caso.

É possível que a ausência dos alunos e sua falta de engajamento na apresentação de projetos nas duas primeiras aulas tenha sido causada pela falta de mecanismos de estímulo que eram utilizados pelo professor na primeira parte da disciplina, como exercícios em sala e pontuação por presença, e também pelo o próprio fim das aulas expositivas. O professor julgou também que sua falta de organização pessoal e

profissional foi responsável, em parte, pela queda na motivação dos alunos, dizendo que pretendia ocupá-los com atividades, aulas e palestras de profissionais até o fim do semestre, mas circunstâncias externas interferiram.

FFeerrrraammeennttaass

Como pôde ser observado no diagrama da figura 33, foi possível identificar os softwares de desenho vetorial como as principais ferramentas utilizadas pelos alunos na criação da tipografia dentro da disciplina. Uma característica recorrente observada nos momentos de orientação era a dificuldade dos alunos em operar estes softwares. Podemos analisar esse problema específico através da tríade de atividade - ação - operação, concebida por Leont’ev (1979) e explanada anteriormente (seção 3.2.2, p. 40).

A figura 35 apresenta o processo de design de tipos, conforme descrito no capítulo 2 (seção 2.2, p. 28), organizado de acordo com os três níveis cognitivos. Segundo Leont’ev, uma operação inconsciente já ocupou, anteriormente, o status de ação consciente, que seria, no caso do sistema observado, aprender a usar os softwares de desenho e geração de fontes.

Ocorre que os alunos da disciplina, em sua maioria cursando apenas o segundo período do curso – 11, dos 16 pesquisados –, não haviam internalizado procedimentos como desenho e manipulação das curvas de bézier, junção de formas, uso de atalhos para agilizar o processo, entre outros. Podemos dizer que esses procedimentos ainda

ocupavam o status de ação consciente, o que tornava mais distante o objetivo maior, de desenhar e tornar funcional uma tipografia.

A área circundada em vermelho no segundo diagrama indica as etapas da tarefa de criação tipográfica nas quais foram observadas as dificuldades mais graves, que ocasionaram obstruções no processo de design.

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  Figura 35. A dificuldade em usar softwares de desenho vetorial e de criação de fontes atua como uma barreira

no processo de design de uma tipografia.

T

Teemmppoo

Questionados acerca do tempo disponível para o projeto da tipografia, 7 alunos julgaram que as 9 semanas dadas pelo professor foram suficientes, enquanto 9 deles disseram ter sido insuficientes. Entretanto, constatamos através de outras respostas no mesmo questionário que esta percepção estava distorcida em alguns casos: apesar de disporem de 9 semanas para desenhar a fonte, todos os 16 alunos relataram, no questionário, terem usado apenas as últimas 3 ou 4 semanas para a realização do projeto.

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C

Coommuunniiddaaddee –– iinntteerrffeerrêênncciiaass eexxtteerrnnaass

Conforme aponta Leont’ev (1979), elementos externos podem exercer influência sobre o funcionamento da atividade em questão. No contexto observado, tais elementos são a organização do curso de Design Gráfico e as outras disciplinas cursadas

simultaneamente pelos alunos. Já na primeira aula, foi possível notar que alguns alunos não conseguiam administrar a carga de trabalho imposta por outras disciplinas sem deixar de lado o projeto da tipografia. Dos 18 alunos presentes, 14 se mostraram ocupados com outros trabalhos, e não trouxeram seus projetos para acompanhamento do professor. À medida que as disciplinas eram concluídas, o número de alunos apresentando projetos tipográficos em andamento crescia.

Perguntados sobre como as outras disciplinas influenciaram o andamento do projeto da tipografia, 8 dos 16 alunos disseram ter se sentido prejudicados pela quantidade de trabalhos exigidos, e 6 afirmaram que os conteúdos das disciplinas de História da Tipografia e Design de Tipos se complementaram, configurando uma interação positiva.

R

Reessuullttaaddooss

Os resultados diretos da atividade de orientação foram as tipografias entregues pelos alunos uma semana após a última aula observada. Dos 30 alunos que vinham

frequentando a primeira parte da disciplina, 24 entregaram o trabalho final. Alguns não tiveram nenhum momento de orientação ao longo do período observado, já que em nenhuma das três aulas foram orientados mais do que 16 alunos.

A partir da análise das tipografias entregues, é possível observar que alguns alunos não atingiram o objetivo de efetivamente desenhar as letras. Em vez disso, se limitaram a usar uma tipografia preexistente como base e aplicar elementos, texturas e efeitos sobre ela. A figura 36 mostra alguns dos resultados da disciplina.

  Figura 36. Algumas tipografias entregues pelos alunos como trabalho final da disciplina.

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5.2.4 Considerações sobre o sistema de atividades

A grande quantidade de alunos que deixou a produção da fonte para as últimas semanas, observada em conjunto com os resultados, pode indicar um falso-engajamento de boa parte da turma. Os alunos não estariam interessados em realmente aprender a projetar tipografias digitais, objetivo previsto no sistema (figura 33), mas apenas em obter a aprovação na disciplina, já que esta é obrigatória no currículo do curso. Acrescentam-se as dificuldades com o uso de softwares de desenho, o pouco tempo disponível e a grande carga de trabalho imposta por outras disciplinas cursadas no mesmo período, e o

resultado são alunos pouco motivados.

É evidente que os momentos de orientação são importantes, tanto para os alunos quanto para o professor. Esta atividade foi bastante prejudicada por circunstâncias externas e internas. No entanto, mesmo com todos os problemas aqui relatados, a percepção dos alunos sobre a disciplina e sua utilidade na vida profissional foi positiva. As respostas obtidas através dos questionários se alinham com a observação final do professor, de que o principal ganho da disciplina está no amadurecimento do olhar dos alunos em relação à tipografia. Ter uma noção, mesmo que superficial, de como uma fonte é projetada e posta em funcionamento leva o aluno a um melhor entendimento do universo tipográfico, que se traduz no ato de observar, escolher e usar fontes de forma mais criteriosa e consciente.

Esse aprendizado parece emergir como o resultado indireto – e talvez mais relevante do que o primeiro, de produzir uma fonte digital – do sistema de atividades, mesmo que o conhecimento acerca dos aspectos práticos de desenho tipográfico não seja utilizado pelos alunos no futuro.

5.2.5 Considerações práticas sobre o piloto

A combinação entre observação presencial, entrevistas com o professor e questionário respondido pelos alunos se mostrou eficiente, pois possibilitou uma visão ampla da situação de ensino analisada. O modelo de Engeström (1987) auxilia em grande medida o entendimento do sistema e da maneira como diferentes fatores influenciam o resultado final.

Contudo, apesar do êxito na observação, foi percebida a necessidade de refinamento dos instrumentos de coleta de dados de modo geral, principalmente o questionário aplicado aos alunos, cujas respostas não forneceram profundidade suficiente para uma análise mais completa.

Pesou também o fato de que não houve oportunidade, ao final da disciplina, para uma análise coletiva dos trabalhos entregues ou da experiência como um todo. Durante todo o período observado, a orientação se dava de modo individual entre cada aluno e o professor, não existindo assim o caráter de atividade coletiva preconizada pela Teoria da Atividade e pela psicologia sócio-cultural.

81 Após o estudo piloto, a principal expectativa para a pesquisa de campo era de que fosse possível observar melhor a interação entre os alunos na sala de aula e a troca de conhecimento proporcionada pelo ambiente. Durante o piloto, não foram observados momentos de exposição de conteúdos ou a realização de exercícios coletivos, pois, segundo o professor, estes ocorrem na primeira parte da disciplina.

Foi notável também a necessidade de um maior cuidado nos registros fotográficos do ambiente e dos projetos. Por conta do pouco tempo disponível para observação e da necessidade de registro escrito das orientações observadas, foi possível notar, durante a fase de processamento dos dados, algumas lacunas no registro dos trabalhos em andamento.

5.3 Observação final de uma situação de ensino:

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