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1. APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO: Teoria da Variação e Mudança

4.1 ANÁLISE GERAL: FREQUÊNCIA DE USO

4.1.2 Fator: tipo de complemento

Assim, para observarmos se essas relações gramaticais interferem, restringindo ou favorecendo, no emprego de uma ou de outra variante linguística, também quantificamos os dados, de acordo com sua relação sintática. Vejamos a tabela 3 a seguir.

Tabela 3: distribuição das variantes por tipo de complemento.

TE/TI/VOS/VÓS A/PARA/DE/EM + VOCÊ/TU LHE ELIPSE CI 91/531 – 17,1% 41/531 – 7,7% 255/531 – 48% 144/531 – 27,1% CO 9/79 – 11,4% 65/79 – 82,3% 3/79 – 3,8% 2/79 – 2,5% Total 100/610 – 16,4% 106/610 – 17,4% 258/610 – 42,3% 146/610 – 23,9%

Fonte: autoria própria.

A tabela 3 mostra que as formas pronominais te/ti/vos/vós ocorrem com mais frequência com verbos que predicam um (CI) do que com aqueles que predicam um (CO). Em (CI), o pronome lhe também desfruta de maior produtividade, do que em (CO). Fica nítido o quanto a complementação oblíqua favorece a entrada das formas preposicionais com o

pronome você no paradigma de P2. Vejamos que enquanto essa variante preposicionada ocorre com apenas 7,7% de produtividade em complementos indiretos (CI), esta mesma variante, a/para/de/em + você/tu, ocorre em 82,3% das ocorrências de (CO). Diferença bastante significativa. A relação gramatical de (CO), além de favorecer a variante você preposicionada, ainda age na restrição à elipse e ao pronome lhe. Apenas os pronominais originais de P2 e P5 mantêm-se em certo equilíbrio, apesar de sofrer, também, uma pequena regressão em termos de produtividade. Observemos alguns exemplos dessas relações gramaticais.

(5) E, como não me foi possivel falar-te hoje, aviso-te por meio désta, apresentando-te as minhas sincéras despedidas. (Carlos a Iracema, Iguahy, 26-03-1968).

(6) Não quero | dizer-te o que é, pois; só com dias depois apresentarei pro- | vando com êle o amor e amizade que dedico a tí. (Lourival a Ruzinete, Patu, 22-10-1946).

(7) Todavia Vossa Excelência me disse na car-|ta que se dignou escrever-me| em resposta a que lhe dirigi so-|bre esse assumpto que – “dar-se-|ia por muito feliz se me pudes-|se ser util em alguma cousa.” (Antonio Augusto Cardoso de Castro ao Dr. Severino Vieira, Salvador, 20-09-1902).

(8) Você sabe que sinto certa dificuldade em escrever para você? (Otto a Renné, Salvador, 19-08-1949).

(9) Quasi 8 horas. Ganho CR$45,00 escrevendo uma carta para você (Otto a Renné, Salvador, 19-08-1949).

(10) || Ivone está copiando os livros so | bre os ingleses que eu citei a você. (José Antônio Gonsalves de Mello Neto a Gilberto Freyre, Pernambuco, 21-08- 1940).

(11) |Mando tambem separata do | seu prefacio “Morão – Rosa - Pi- |menta”. Na 4ª feira, enviarei | - conforme promessa da Imprensa

Oficial – exemplares de “Companhia |de operários” do G. Auler. (João Emerenciano a Gilberto Freyre, Pernambuco, 1959).

Os exemplos de (9) a (15) representam as variantes linguísticas ocorrendo na relação gramatical de complemento indireto – (CI). Retomemos as palavras de Raposo (2013, p. 368) sobre o (CI),

caracteriza-se por ser um sintagma preposicional cujo núcleo é a preposição a. No caso de ser um pronome, realiza-se através das formas que pertencem à série dativa – me, te, nos, vos, lhe(s), se. [...] O complemento indireto usa- se frequentemente em frases transitivas com verbos de transferência, como dar, comprar, entregar, oferecer e vender (entre outros), denotando geralmente um indivíduo a quem se destina a entidade transferida, [...] e ocasionalmente, com alguns (poucos) verbos, o indivíduo que está na origem da transferência. [grifo nosso]

Interessante observar que mesmo nesta relação sintática mais rígida e definida, a variante preposição + você já adentrara no sistema na função de OI desde a primeira metade do século XX, como podemos observar por meio dos exemplos (12), (13) e (14). Ocorrências essas inclusive com verbos que predicam um complemento “denotando geralmente um indivíduo a quem se destina a entidade transferida”, como apontou Raposo (id ibdem). Além dessa variante inovadora, a elipse também ocorre nessa relação como apontado por meio do exemplo (15).

Vejamos alguns exemplos com base na relação gramatical de complementação oblíqua:

(12) Ultimamente tenho pensado com certa assiduidade em você. (Otto a Renné, Salvador, 19-08-1949).

(13) Meu amor tri- | lhões de beijos te gosto | muito. (Walter a Lucinha, São Paulo, 18-10-1991).

(14) não quero esconder os senti- | mentos de amor que meu coração | senti por te. (Walter a Lucinha, São Paulo, 25-08-1992).

(15) Como voce ja | sabe eu já te lembro de | mais e com essa camisa vai | ser diferente porque sem- | pré que usar vou ter você | comigo. (Walter a Lucinha, São Paulo, 05-05-1992).

(16) Eu gosto de você, Maria Renée. (Otto a Renné, Salvador, 25-01- 49).

(17) Fiquei muito a pensar | em você quando li o Diario de Domingo. (José Lins do Rego a Gilberto Freyre, Pernambuco, 8-07-192?) (18) Pode sair | meu amor eu confio muito | em você, só não quero des- |

confiar. (Walter a Lucinha, São Paulo, 05-05-1992).

Os exemplos de (16) a (22) representam as variantes linguísticas ocorrendo na relação gramatical de complemento oblíquo – (CO). Retomemos as palavras de Raposo (2013, p. 368) sobre o (CO),

os complementos oblíquos definem-se pela negativa, como sendo aqueles que não são nem diretos nem indiretos. Tipicamente, são sintagmas preposicionais; quando são pronomes, realizam-se através das formas que pertencem à série oblíqua – mim, ti, nós, vós, ele(s), ela(s), si as quais seguem a preposição.

Interessante observar que mesmo com verbos que predicam (CO), por mais que não prediquem pronomes dativos, alguns escreventes ainda assim empregam pronominais dativos pelo complemento oblíquo, a exemplo do que ocorre em (17), (18) e (19).

É por meio da relação gramatical de complemento oblíquo que a variante preposição + você vai entrando na relação dativa de complemento indireto, como mostra a alta produtividade de mais de 82% apontada na tabela 3. A variante padrão preposição + ti está praticamente extinta, como constatado em Lopes e Cavalcante (2011),

desses resultados globais, foram os complementos preposicionados seguidos de você (de você, em você, com você) e não os acompanhados da segunda pessoa original ti (de ti, contigo, para ti, em ti), as formas que prevaleceram como complementos oblíquos. (LOPES; CAVALCANTE, 2011, p. 52).

Nos trabalhos de Oliveira (2014) e Nunes de Souza (2015), também ficou constatada a muito baixa produtividade do oblíquo ti, como relatado abaixo:

a representação gráfica também nos possibilita visualizar claramente o desaparecimento gradativo dos sintagmas preposicionados relacionados ao paradigma de tu em cartas produzidas no Rio de Janeiro (a ti e para ti),

acompanhado do aumento das taxas de sintagmas preposicionados relacionados ao você (a você e para você). (OLIVEIRA, 2014, p. 132)

Por meio dos exemplos (17), (18) e (19), infere-se que a complementação oblíqua por meio do pronome tônico ti é um resquício recuperado, muito provavelmente, apenas por meio da escola. Quando a escolarização do escrevente encontra-se em um nível incipiente, ocorrem construções como as supracitadas, em que o escrevente ora emprega o pronome átono te pelo tônico ti, como faz em (18), ora emprega-o como CO sem preposição, como faz em (17) e (19).