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2.6 Feminismo e imprensa

Durante os anos de 1970, o feminismo ganhava, igualmente, espaço na imprensa alter- nativa (também chamada de “nanica”50, independente ou underground), caracterizada pela

oposição ao regime civil-militar, elemento comum e que unia as publicações. Segundo Ku- cinski (1998, p. 183), três atores sociais participaram na formação desse tipo de imprensa no país: grupos de esquerda, jornalistas em busca de alternativas ao fechamento de seus espaços de trabalho e intelectuais procurando fugir da censura imposta às universidades.

A tiragem desses jornais e revistas era irregular e a sua circulação restrita. Alguns po- diam ser encontrados em bancas mas, na maioria das vezes, a distribuição se dava via militân- cia, mão a mão, em eventos ou nas sedes das próprias organizações.

Essa imprensa era representada por jornais de vários tipos e de diferentes tendências políticas, entre os quais podemos citar Pasquim, Opinião, Movimento e Em Tempo, com posições e informações fundamentalmente políticas, e Versus, Ovelha Negra, Lampião e De Fato, com orientação cultural, sexual e ideológica (Leite, 2003).

As discussões de cunho mais feminista foram abordadas em alguns desses espaços, sendo valorizadas ou ridicularizadas, de acordo com a linha geral da revista. Dentre os “alter- nativos” que mais ridicularizaram as mulheres e o feminismo está O Pasquim. Publicado se- manalmente nos anos de 1970, “boa parte de seus membros, inspirada na contracultura norte- americana, afastava-se do dogmatismo de muitos marxistas, caracterizando uma pluralidade ideológica suprapartidária, voltando-se para o combate ao autoritarismo e à crítica de costu- mes” (Soihet, 2005, p. 594).

No ano de 1971, integrantes do Pasquim entrevistaram (22 de abril) a feminista esta- dunidense Betty Friedan51 por ocasião da sua passagem pelo Brasil para divulgação do seu li-

vro A Mística Feminina, traduzido pela editora Vozes. Friedan liderava a National Organizati-

50O apelido nanica se deve ao formato pequeno, como o dos tablóides, adotado pela maioria desses informativos.

A palavra alternativa era usada nos Estados Unidos e na Inglaterra para designar arte e cultura não-convencio- nais (Kucinski, 1998, p. 178).

51O sobrenome desta autora aparece escrito de duas formas distintas na literatura internacional: Friedman e Frie-

dan (Cf. www.barnesandnoble.com/index.asp?z=y). Para este trabalho, se adotou a segunda versão (Friedan), utilizada em textos mais recentes.

on of Women e estivera entre as feministas que escandalizaram o mundo com a queima de soutiens em praça pública nos EUA (como protesto e sinal de libertação das estruturas opres-

sivas da sociedade). Em seu livro denunciava um mal sem nome (a frustração e o desespero de inúmeras mulheres diante do seu tradicional papel na família), questionando a realização mís-

tica da mulher na vida doméstica, como mãe e esposa. Na entrevista, é possível perceber o

descrédito dos entrevistadores para com o feminismo e as intenções políticas das mulheres, apesar de as colocações de Friedan enfatizarem o contrário. Como exemplifica a resposta dada à provocação de Millor Fernandes de que o movimento de mulheres não teria um objetivo:

O movimento da mulher é apenas uma parte do todo de uma grande revolução hu- mana que está acontecendo no meu país. No atual estágio dessa revolução a mulher é uma parte muito importante, mas ela não é um fim em si mesmo. É uma parte inte- grante da contracultura. Em várias faculdades e uma universidade de absoluta maio- ria masculina em Berkeley, em todo lugar, tenho falado dessa questão de libertação, não só da mulher mas também do homem.

A aparência física de Friedan, considerada feia para os padrões tradicionais de beleza, foi utilizada posteriormente como forma de chacota, não só sobre ela, mas para todas as mu- lheres identificadas com o feminismo. As feministas eram descritas como “viragos”, “sapa- tões”, “pesadas como elefantes” (gordas), perigosas, mal amadas e feias, o oposto do ideal fe- minino “constantemente re-atualizado, de beleza, meiguice, delicadeza, paciência, resignação,” (Soihet, 2001, p. 25). Tais idéias contribuíam, não apenas para denegrir o femi- nismo mas, para afastar outras mulheres do movimento.

Carmen da Silva também encontrava dificuldades para se identificar como feminista na revista Cláudia diante da conotação negativa desta palavra entre os setores conservadores da sociedade. Os responsáveis pela revista não queriam seu nome associado ao feminismo pois corriam o risco de perder anunciantes e leitores/as (Petersen, 2006, p. 33). A trajetória desta jornalista foi marcada por uma negociação constante e pelo uso de estratégias para a conquista e manutenção de espaço junto às leitoras e à editora Abril (Duarte, 2002, p. 14-35).

Contrapondo-se à imagem veiculada pelo Pasquim, Carmen da Silva evidenciava os aspectos positivos do feminismo, contrapondo-os à idéia de “guerra entre os sexos”. No artigo intitulado O que é ser uma mulher livre (jul. 1971, p. 107-111), Carmen “discute as idéias de Betty Friedan, tentando mostrar a seu público que [...] eram inteligentes e que estavam sendo deturpadas” (Ferreira, 1995/1996, p. 187). A imagem da feminista como feia, encalhada e masculinizada era desconstruída, destacando-se a beleza das mulheres identificadas com um

projeto de emancipação.52

Ainda assim, segundo Mayra Corrêa e Castro (1995/1996, p. 114), a imagem predomi- nante da mulher feminista é a de uma mulher frustrada, masculinizada e sem vaidade alguma. Para ela, o que se veiculava era a separação das feministas do mundo feminino. “Trata-se de uma exclusão, de uma definição pela negativa. Ou melhor: é a partir dessa negativa que é construída uma imagem das feministas como não-mulheres, colocando-as numa espécie de limbo da identidade sexual”.

A indefinição quanto à identidade das feministas aparece no Pasquim n. 345 (p. 31, 6 a 12 fev. 1976) em uma “brincadeira” na qual são excluídas dos direitos humanos ao mesmo tempo em que se faz alusão às dificuldades enfrentadas pelas militantes em terem suas lutas incluídas na pauta das lutas gerais dos grupos de esquerda. A “piadinha” recebeu o título de “Questão de prioridades” (apud Soihet, 2005, p. 597) e é assinada por Ivan Lessa. Como se- gue: “Ei, feministas: em primeiro lugar os direitos humanos. Depois, então, a gente vê o caso de vocês, tá?”

O “humor” misógino deste periódico reforçava os estereótipos e insistia na “inferiori- dade natural” da mulher e no seu papel como objeto sexual. Assim, lemos no texto intitulado

As Mulheres, de Pedro Ferreti53: “Se a mulher quiser ser igual ao homem, ela que, basicamen-

te é passiva no sexo, vai trocar de sexo. Não estou recriminando lésbicas. Estou tentando ex- por um fato psicológico e biológico”. Outro exemplo está na “piada” feita por Ivan Lessa com o título “Cadelas, uni-vos!”54, bordando um suposto protesto de feministas contra licen-

ças de cachorro em forma de hidrante, onde se lê: “Organizações feministas prontamente pro- testaram contra a discriminação sofrida pelas cadelas. Depois as mulheres se queixam quando a gente manda elas pro tanque, pra cozinha, pra cama, esses lugares enfim onde são mais úteis, chateiam menos e podem usar melhor a cabeça”.

Como coloca Rachel Soihet (2001, p. 24), “à primeira vista, esta maneira burlesca de apresentar as mulheres empenhadas na luta por direitos não guardaria maiores conseqüências, visando apenas divertir o público leitor”. No entanto, a insistência nos deboches e na desquali- ficação das feministas indicam uma violência contra as mulheres e difunde uma imagem nega- tiva relativa à sua luta por direitos e pela modificação da situações de opressão.

52Como evidencia a reportagem sobre Simone Weil, atuante no parlamento francês em prol da legalização do

aborto, onde se pontua a bela aparência da militante (“Simone Weil: a grande revelação de 1975”, Cláudia, jul. 1975. Cf. Castro, 1995/1996, p. 111). O mesmo pode visto na escolha da atriz Norma Bengel, integrante do Gru- po de Mulheres Exiladas em Paris, para uma entrevista (“Norma Bengel de vedete a feminista”, Cláudia, abril 1975, Cf. Castro, 1996, p. 150).

53Pasquim, n. 28 de 1º janeiro de 1970, p. 22 (Soihet, 2005, p. 602).

Além das feministas, qualquer mulher estava exposta, nas páginas d'O Pasquim, a uma zombaria a toda prova, por ser mulher. E isso tudo no clima político de intensa transformação cultural dos anos 1960 e 1970, quando aparentemente o gênero, no caso a “superioridade masculina”, era o único valor estável para aquele grupo de jornalistas que durante muito tempo foram considerados verdadeiros heróis da resis- tência política à ditadura.

A anti-propaganda feminista, veiculada pela imprensa masculina, confundia até mes- mo as mulheres e intelectuais de vanguarda dispostas a se identificar com o feminismo. Rose Marie Muraro comenta em uma entrevista (Toscano, 1992, p. 52-53) o quanto ficara aturdida com a imagem que o Pasquim fizera dela e do feminismo, tendo discutido o assunto com um analista para se sentir segura novamente quanto às suas opções pessoais (incluindo a heteros- sexualidade). Saffioti (Mulherio, 1982, n. 6) também comenta a dificuldade em se identificar como feminista:

Na verdade, eu sempre relutei em me dizer feminista no Brasil. No passado, esse termo tinha uma carga ideológica muito grande e ainda apresenta uma carga razoá- vel. Eu gosto de dizer: eu sou feminista mas o meu feminismo é este [...] porque eu tenho muito medo que tomem o meu feminismo através dessa adulteração que se fez do termo que interessa muito à ditadura, de entender que esta é uma luta das mulhe- res contra os homens.

A discriminação em relação ao feminismo estava presente em jornais de renome naci- onal, refletindo na publicação de determinados textos e pontos de vista bem como na ausência de outros e na rejeição de material produzido por feministas. Hildete Pereira de Melo, em uma entrevista concedida à Rachel Soihet (2006, p. 4), relata a humilhação passada por ela e Bran- ca Moreira Alves na redação do Jornal do Brasil (quando ali se encontravam no intuito de di- vulgar o Encontro da Mulher Trabalhadora a ser realizado no Sindicato dos Metalúrgicos no dia 8 de março de 1978). Em seu relato ela afirma ter sido “escorraçada” do local após uma onda de gozações e discussões com os redatores que insistiam em uma imagem caricaturizada e deturpada do feminismo e das mulheres com ele identificado.

A propaganda anti-feminista esteve presente também em outras regiões do país, nas mais diferentes épocas. Assim, podemos ler no no jornal catarinense A Nação55, no ano de 1965, a descrição do feminismo como “um dos mais cruciantes problemas da sociologia do- méstica”. Assim como o trabalho feminino remunerado, o feminismo é responsabilizado pelo afastamento das mulheres “do posto que naturalmente lhes compete na engrenagem social: a direção do lar.” Além disso, era visto como um incentivo à concorrência “em todo o terreno com o homem” levando à perda do “recato natural” e ao ingresso da mulher no mundo dos “vícios sociais do fumo, da bebida, etc.”. Para o “perfeito equilíbrio social”, o feminismo de-

veria ser combatido e apenas uma variação dele, descrita como feminismo moderado (não competitivo, sem intenções no campo público e sem interferência no lar), poderia ser aceita.

Ainda que alguns setores da sociedade se manifestassem de forma hostil em relação ao feminismo, a década de 1970 presenciou a publicação de uma série de jornais alternativos que reservaram lugar em suas páginas para abordar temáticas consideradas importantes pelas fe- ministas (liberdade sexual, igualdade de direitos e de oportunidades, aborto, políticas públicas para as mulheres, melhores condições de trabalho, etc.). Dentre eles se destacam os jornais

Opinião, Movimento e Repórter.

Editado e publicado entre outubro de 1972 e 1977 no Rio de Janeiro, com distribuição para todo o Brasil e países da América Latina (uma tiragem inicial de 25 mil exemplares), o

Opinião56 possuía uma linha editorial bastante crítica, concedia um importante espaço aos te- mas mulher e feminismo ao publicar cartas e testemunhos de leitoras, mas não fazia propagan- da de movimentos políticos. No número 12, de janeiro de 1973, o jornal publicava a carta de Norma Bahia Pontes e Rita Moreira (ambas residentes nos EUA e passando férias no Brasil) criticando um cartoon de Millôr Fernandes na revista Veja. A carta realiza uma crítica ao pa- triarcado57. No número 17 de Opinião aparece um artigo de Branca Moreira Alves comentan-

do a polêmica levantada pelo mesmo cartoon e relatar sua trajetória pessoal como feminista. Dois números depois é publicado um artigo do economista Paul Singer: “Caminhos Brasilei- ros para o Movimento Feminista” (Cardoso, 2004, p. 63).

Além do material das leitoras, o Opinião denunciava atitudes discriminatórias contra as mulheres no campo do trabalho (como a demissão de estagiárias do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia e o rebaixamento de funcionárias por parte do Tribuna da

Bahia, por considerar a mulher “um mau negócio”, 5 mar., 1973), entrevistou feministas

(como Carmen da Silva, em 5 mar. 1976) e veiculou informações sobre leis favoráveis às mu- lheres em outros países. A postura do jornal pode ser percebida nos dois exemplos a seguir (apud Woitowicz, 2005):

O dia 29 de dezembro de 1975 marcou, na Inglaterra, a entrada em vigor de duas leis contra a discriminação às mulheres: a Lei do Salário Igual e a Lei da Discrimi- nação Sexual. [...] Antes da nova lei homens e mulheres podiam receber salários di-

56Criado por iniciativa de um grupo de jornalistas: Raimundo Pereira (ligado à Ação Popular católica), Fernando

Gasparian (industrial auto-exilado em Londres, articulador da chamada burguesia nacional, empresários do setor têxtil, metalúrgico e mineral aliado ao governo Goulart); e de intelectuais consagrados como Antonio Candido, Antonio Callado, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Paul Singer, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Otto Maria Carpeaux, Hélio Jaguaribe, Paulo Francis, Lauro de Oliveira Lima, Jean-Claude Bernadet, Millôr Fernandes e Oscar Niemeyer, (muitos deles afastados das universidades pelo regime). Para mais informações, ver: MARQUARDT, Eduard. Opinião 1972-1973. Os Limites Regrados da Oposição. Boletim de Pesquisa – NELIC, Núcleo de Estudos Literários e Culturais, n. 4. Universidade Federal de Santa Catarina, jul. 1999.

ferentes por trabalhos iguais. A única justificativa para se dar a elas salário menor era simplesmente o fato de pertencerem ao sexo feminino. [...] Essas duas leis não significam a igualdade total entre os sexos na Inglaterra, conforme várias feministas já fizeram questão de apontar. Porém, representam um começo e, mais importante, o reconhecimento de que a discriminação existe mesmo e que é perfeitamente possível lutar contra ela. (Opinião, 16 jan. 1976)

Entre os dias 4 e 8 de março reúne-se, em Bruxelas, o Tribunal Internacional de Cri- mes Cometidos contra as Mulheres. Entenda-se por crimes contra as mulheres as ati- tudes sexistas que possam prejudicá-la como ser humano, física e psicologicamente. (Opinião, 27 fev. 1976)

Avaliando o material produzido pelo Opinião, Goldberg-Salinas (1996) observa uma diferença entre o material produzido por feministas e leitoras em geral (visível nas cartas e nos depoimentos) e os demais artigos. Nos textos mais gerais, o feminismo é visto apenas como mais um movimento emancipatório, a diferença se dava por conta de algumas demandas espe- cíficas: “a luta contra todas as barreiras que impedem a mulher de obter sucesso no trabalho produtivo e de participar da transformação social58”, enquanto para as feministas, trata-se de

uma luta contra um sistema de dominação masculino presente em todos os aspectos da vida social: o patriarcado.

Temáticas consideradas polêmicas (e mal-vistas pelo regime civil-militar por coloca- rem em risco “a moral e os bons costumes”) e ligadas às novas demandas femininas foram pu- blicadas pela imprensa alternativa. Exemplos são encontrados nas páginas do jornal Movimen-

to de maio de 1976, sobre a pílula anticoncepcional e a liberação sexual da mulher, e no Re- pórter de julho de 1978, uma edição especial sobre o aborto (Woitowicz, 2005).

Criado a partir de um “racha” interno no Opinião, o jornal Movimento era encabeçado pelo jornalista Raimundo Pereira. A proposta do jornal consistia em unir “várias correntes de esquerda, atraindo tanto militantes que haviam se afastado da luta armada como grupos novos que se animavam com o surgimento do novo jornal, vendo nele um espaço em que seria possí- vel o exercício da ação política em um plano mais geral”. O Repórter, por sua vez, não repre- sentava nenhuma tendência política e era o jornal da imprensa alternativa que mais vendia nas bancas (Woitowicz, 2005).

Em uma importante edição do jornal Movimento (12 de junho de 1978) a própria cen- sura ao feminismo é abordado sob o título “É proibido falar de mulheres”, tratando da proibi- ção de um grande volume de material preparado para uma edição especial do jornal.

O Dia Internacional da Mulher estava próximo. Numa das reuniões de pauta decidi- mos que era necessária uma edição especial, onde se pudesse aprofundar os debates em torno do papel da mulher no Brasil. [...] O esforço foi realmente grande – cerca

58[...] la lutte contre toutes les barrières qui empêchaient la femme d'avoir accès au travail socialement productif

de 40 jornalistas participaram do trabalho e o resultado, extraordinário: o mais com- pleto levantamento, em termos de pesquisa e reportagens já feito no país em torno do tema. O contra-esforço da censura, no entanto, não foi menor: praticamente ve- tou tudo, 337 laudas de texto, 65 ilustrações. Mais de 80% do material enviado; um corte como nunca havíamos visto antes, suficiente para produzirmos um livro de 250 páginas.

Apesar dos cortes, “o material vetado foi distribuído para algumas personalidades bra- sileiras, principalmente políticos e intelectuais, que se posicionaram a respeito e repudiaram a prática autoritária adotada pelo governo militar em relação às transformações que estavam ocorrendo no universo feminino” (Woitowicz, 2005).

Outro periódico que se dedicou às questões feministas durante os anos 70 foi a revista

Mais, dirigida pela jornalista Judith Patarra. A revista possuía “uma coluna mensal, fixa com

informações sobre o feminismo, escrita pela socióloga Eva Blay” (Ferreira: 1995/1996, p. 187). Informações gerais eram repassadas, de forma bastante didática, explicando as reivindi- cações do feminismo, o funcionamento dos grupos de reflexão e desmistificando as imagens negativas que se formavam na sociedade. Como nos artigos “Feminismo - Os caminhos para a liberdade da mulher. Quais são?” e “Feminismo - Da luta pelo voto de nossas avós ao grupo de conscientização”,(edição de nº 2, de setembro de 1973, apud Marson, 1995/1996, p. 103).

Vários artigos mostravam exemplos de “feministas inteligentes, femininas e bonitas”, na tentativa de convencer o público de que “a feminista não era o monstro que o discurso mas- culino [hegemônico] pintava” (Marson, 1995/1996, p. 103) e discutiam questões como a da violência contra as mulheres (“Segundo a honra, o homem pode matar. Mulher não. Que é isso?”, nº 1, agosto de 1973).

Ao lado destes jornais e periódicos, começou a circular no país, desde 1974, o jornal feminista Nosotras, editado pelo Grupo de Mulheres no Exílio em Paris. O jornal, feito de for- ma artesanal (com ilustrações e escrito à mão, datilografado, mimeografado e grampeado pe- las participantes do grupo), analisava a situação de mulheres em vários países e tinha a cola- boração de cubanas, venezuelanas, albanesas, chilenas e brasileiras. De 100 a 200 cópias eram feitas e enviadas ao Brasil para o endereço de uma prima de Danda Prado, moradora em uma fazenda, que as redistribuía via correio (para “despistar” a censura do governo).

Os textos, inicialmente em português e espanhol, tinham um teor mais acadêmico e abordavam desde temas polêmicos (como prostituição e aborto) até questões ligadas ao traba- lho, à saúde, relacionamento familiar e as novas vertentes feministas. Assim, lê-se no artigo de Fançoise Collin, Nuevo feminismo, nueva sociedad o el advenimiento de otra59:

Ya no se trata unicamente de obtener para las mujeres los mismos derechos y posibi- lidades que los hombres poseen. Lo que ahora se reivindica es una nueva estructura- ción de la sociedad que permita la afirmación de la especificidad feminina y la reali- zación de una verdadera comunidad “humana”.

Cardoso (2004) atribui ao trabalho das mulheres do Círculo de Paris a responsabilida- de pela mudança de paradigma dos grupos feministas que atuavam no Brasil, “das prioridades de classe rumo às prioridades de gênero”. Além disso, seguindo o exemplo do Nosotras, res- surge, na segunda metade da década de 1970, a imprensa feminista no país60.

O primeiro jornal feminista dos anos 70 foi o Brasil-Mulher (1975-1979). Começou a ser editado na cidade de Londrina (PR) com uma tiragem de dez mil exemplares e uma circu- lação nacional, sendo deslocado posteriormente sua sede para São Paulo. Dirigido pela jorna- lista Joana Lopes, por mulheres ligadas ao PC do B e militantes da Ação Popular Marxista Le- ninista (APML) e do MR-8, contou com 16 edições regulares (mais quatro edições “extras”) (Leite, 2003, p. 235-236). As autoras do jornal estavam em contato com as feministas do Cír- culo de Paris (algumas delas ex-colegas dos grupos revolucionários), mantendo-se minima- mente informadas sobre a situação e a luta umas das outras.

A primeira temática pensada para o jornal havia sido a da Anistia, em colaboração com a líder do Movimento Feminino pela Anistia (MFA), Terezinha Zerbini, e que coletava assina- turas pelo país para um abaixo-assinado que pressionasse o governo em favor da volta dos exilados políticos. No entanto, Zerbini e Joana Lopes discordavam entre si sobre a amplitude