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2.2.3 A Escola Holandesa

FIGURA 17 – BALDRAME.

Fonte: ALBERNAZ; LIMA, 2003, pág. 80

2.2.3.1 O forte Orange como unidade do sistema de defesa holandês

Segundo Falcão Neto 22, os holandeses trouxeram para o Brasil não apenas os seus exércitos, mas um estilo de vida e uma concepção de mundo, que deixaram vestígios. A interpretação dos achados arqueológicos do forte Orange e da fortaleza de Santa Cruz tais como estruturas arquitetônicas remanescentes e artefatos, pode ser compreendida dentro de um contexto: o sistema de defesa do Brasil colonial, implantado pelos dois lados do conflito num momento específico.

O forte Orange pode ser visto como uma unidade dentro de um sistema maior, que foi o sistema de defesa elaborado pelos holandeses num momento específico, durante o início da guerra em Pernambuco e o seu relacionamento com as outras unidades deste sistema e com as unidades do sistema inimigo. Para garantir a sua permanência na terra conquistada. E depois, como uma unidade do sistema de defesa elaborado pelos luso-brasileiros, após a rendição dos holandeses. Cada uma das partes de um sistema pode ser subdividida e analisada. O forte e a fortaleza são subsistemas, dentro de sistemas maiores. Mas são também sistemas, porque se compõem de partes, dos vários edifícios, como os quartéis, a cadeia, os alojamentos, a enfermaria, o paiol de pólvora etc. Segundo Stickel (1982), os sistemas humanos são abertos e tendem a se manter estáveis.

A implantação de uma fortificação altera a paisagem, além de intimidar e mostrar o sistema de organização da sociedade que a construiu. A distribuição espacial dos edifícios desta fortificação também expressa uma hierarquia social através do poder, da segregação e de status. O espaço é dividido segundo específicas funções. Como foi projetado por engenheiros militares, que usavam as concepções arquitetônicas do seu tempo e se baseavam nos tratados eruditos da Escola Holandesa de Fortificação, os edifícios do forte Orange obedeceram aos padrões de construção da época, à técnica e aos materiais disponíveis e aos preceitos sobre a arte de guerrear. A pesquisa

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- Joaquim de Arruda Falcão Neto – Brasil Holandês, Referência Cultural. Imagens do Brasil Holandês

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arqueológica buscou entender o funcionamento das duas fortificações, a holandesa e a luso-brasileira e seu relacionamento com os aspectos culturais e sociais (SOUZA, 1995, p. 119).

Para Trigger (2004, p. 19), através da Arqueologia, o comportamento humano pode ser inferido e não só este, mas também as idéias que fizeram com que as coisas acontecessem. Os achados, os artefatos, contam a história destas pessoas, da sua passagem e do seu impacto por este ambiente estudado. A análise do sítio arqueológico procurou relacionar seus artefatos com as atividades do cotidiano do forte holandês e da fortaleza luso-brasileira, explicando estas duas sociedades.

Quando surgiu nos anos 60 do século XX, a Arqueologia Histórica representou uma nova abordagem, por tratar como documentos materiais com valor histórico todos os restos deixados pelas sociedades pretéritas. Os restos materiais poderiam ser os edifícios e tipos variados de estruturas, como muros, poços, buracos de fogueiras e buracos para lixo, trincheiras para paliçadas, lareiras, fossas sanitárias, bases para traves (ORSER JR, 1992, p. 31). Uma sociedade poderia ser entendida a partir da análise dos artefatos encontrados e o seu meio ambiente, através da contextualização desses elementos.

As fontes utilizadas pelos arqueólogos são várias e todas elas são importantes, devendo ser analisadas dentro de um contexto específico e norteadas por uma teoria. Os artefatos, os edifícios, que são vistos também como artefatos ao nível da superfície, apesar de monumentos, os documentos escritos, informações orais e a iconografia (ORSER JR, 1992, p. 35).

Para a Arqueologia, a contribuição de outras áreas do conhecimento é fundamental, pelo seu caráter multidisciplinar. Diferentes abordagens teóricas ou diferentes perspectivas podem trazer aportes importantes a diversos aspectos do passado. Para Targa (2000), a Arqueologia Histórica pode ser vista sob três diferentes definições: a primeira estuda o passado recente, procurando entender a natureza global da vida moderna. A segunda pesquisa as interações entre conquistadores e conquistados, letrados e iletrados, em diferentes contextos culturais e cronológicos. A terceira propõe o estudo do sincretismo entre o colonizador e o colonizado. O estudo sobre o forte Orange enquanto unidade do sistema de defesa holandês abarca o passado recente dos acontecimentos ligados à sua implantação e as interações que ocorreram entre a Companhia das Índias Ocidentais e os luso-brasileiros.

Segundo South (1977), o foco de interesse dos estudos de Arqueologia Histórica é o processo de expansão européia em âmbito mundial, tendo como meta o lucro e o rápido retorno do capital investido. A Companhia das Índias Ocidentais, criada em 1621, foi fruto de uma associação entre o governo dos Países Baixos e empresas privadas. Seus objetivos eram principalmente financeiros. E ela teve muitos lucros, mas também muitos prejuízos, conforme atestam os relatos da época. Manter as tropas nestas fortificações foi difícil, tanto que na fase final, o forte Frederik Hendrik (forte das Cinco Pontas) foi o centro das decisões, sendo preferível incendiar os outros fortes do sistema de defesa holandês.

Existe uma seqüência de eventos que pode ser atribuída a esta fortificação, a começar pela escolha da sua localização. A construção holandesa ocorreu no início da

ocupação, em 1631, porque era imprescindível controlar o acesso ao Canal de Santa Cruz e ao “Porto de Pernambuco”. Os luso-brasileiros tinham a mesma visão, tanto que planejavam construir outro forte no exato local onde foi construído o forte holandês. De lá foi possível conquistar um dos pontos que defendia este porto e a entrada do canal, que era a vila fortificada de Nossa Senhora da Conceição. Isto significava também acesso ao que era produzido na ilha e na capitania de Itamaracá.

Um fator importante da localização de um forte era a sua relação com outras unidades do sistema de defesa. Conforme mostrado no mapa de João Teixeira Albernaz de 1631-1640, próximos do antigo forte Orange existem vestígios do que provavelmente seriam dois redutos e mais um alojamento holandês, construídos em terra e que deveriam servir de apoio a este. A localização dos vestígios, feita pelos Professores Marcos Antônio Gomes de Matos Albuquerque, Veleda Cristina Lucena Albuquerque e Ricardo José Pessoa, este último do Departamento de Geologia da UFPE, foi possível através de fotos aéreas e da iconografia, mas não foram realizadas pesquisas arqueológicas nestes locais e o trabalho feito por eles, “Trilha dos Holandeses – Uma Avaliação Geo-Arqueológica” ainda não foi publicado. Os vestígios se localizam hoje em terrenos de particulares e se assemelham a fossos e baluartes.

FOTO 25 – POSSÍVEL REDUTO DO INIMIGO. FOTO 26 – POSSÍVEL REDUTO - ALOJAMENTO.

Fonte: BARTHEL, Stela. Novembro, 2006. Fonte: BARTHEL, Stela. Novembro, 2006.

FOTO 27 – POSSÌVEL FOSSO DO REDUTO. FOTO 28 – POSSÌVEL ALOJAMENTO.

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Fonte: BARTHEL, Stela. Novembro, 2006. Fonte: BARTHEL, Stela. Novembro, 2006.

A partir do Reduto - Alojamento, pode ser avistada a fortificação que se encontra próxima a este. Uma ponte de madeira fica ao lado dos vestígios dos alicerces de outra

ponte atribuída aos holandeses, no caminho que ia da Vila Schkoppe até o Morro da Baliza. Os três caminhos, citados anteriormente, levavam da vila até o forte Orange e são conhecidos atualmente como a “Trilha dos Holandeses”.

FOTO 29 – VISTA DA FORTIFICAÇÃO. FOTO 30 – VESTÍGIOS DA PONTE HOLANDESA.

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Fonte: VALLS, Marcela. Novembro, 2006. Fonte: BARTHEL, Stela. Novembro, 2005.

Durante dois anos, o forte Orange e provavelmente estes pontos fortificados,

concentraram esforços no sentido de tomar a vila de Nossa Senhora da Conceição. Depois que isto ocorreu, estes pontos de apoio parecem ter sido abandonados, pois o livro de Barlaeus, ao fazer um levantamento das fortificações holandesas existentes na ilha de Itamaracá, cita apenas duas, justamente o forte Orange e a Vila Schkoppe. Deveriam ser fortificações de campanha, provisórias, feitas com material encontrado no local, embora o mapa tenha registrado as datas de 1631 e 1640, ficando difícil a determinação de quando estas fortificações poderiam ter sido abandonadas.

Não há referências ao fortim da barra de Catuama, se foi ou não ocupado pelos holandeses. As forças luso-brasileiras, ajudadas pelos espanhóis, tentaram recuperar a ilha e tomar o forte, mas não conseguiram, embora a Vila Schkoppe tenha sido tomada de volta em 1646, com a tropa holandesa indo se aquartelar no forte Orange.

O forte foi holandês durante vinte e três anos. Quando a rendição foi assinada e a Companhia das Índias Ocidentais deixou o Brasil, em 1654, o forte Orange foi então entregue e ocupado pelos luso-brasileiros e passou a integrar um novo sistema de defesa. Durante cerca de quarenta e dois anos permaneceu como foi deixado pelos holandeses, com as muralhas em taipa, na variação torrão e foi utilizado assim pelos luso-brasileiros, mas com algumas adaptações e reformas, o que explica o reaproveitamento de material holandês encontrado na escavação. Finalmente foi demolido em parte, suas estruturas antigas foram aterradas, com as muralhas, que serviram de enchimento para os terraplenos, o que foi confirmado pela pesquisa arqueológica. Houve momentos em que esteve em ruínas, nos séculos XIX e XX e o IPHAN possui em seus arquivos fotos da década de 70 do século passado, documentando o estado da fortificação.