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FIGURA 117 – BANKSY,

No documento Onde Está Banksy? (páginas 136-139)

SUMÁRIO

FIGURA 117 – BANKSY,

em excessivos formatos, que caracterizaram os metrôs novaiorquinos da década de oitenta

(período de intensa expansão – e de especialização

técnica – do ofício de grafitar); e que, vez ou outra,

ainda se vêem em qualquer metrópole, teimosas, algo

antiquadas, tão sobrecarregadas de cores quanto

sobrecarregadas da datação daquela década para o

olhar mais afiado.

Tampouco era incomum encontrar na Pedra

Lascada traços rápidos e finos, desenhos

desordenados em várias camadas realizadas em épocas diversas, sobrepostos e/ou

repetidos – como não é incomum encontrá-los nos nossos atuais muros, muitas vezes tendo

por base o hedonismo de cores e formas, o reconhecimento grupal e territorial e a

demonstração de virtuosismo técnico.

De lá para cá, a expressão mural manifestou-se e manifesta-se em todos e em cada

momento da história, atravessou o tempo de todas as comunidades, dos grupos nômades

às megacidades, do que não há melhor exemplo que as inscrições na anterior promissora

polis e posterior sítio arqueológico de Pompéia, que desde então e até hoje vão se sobrepondo e se somando – ou se completando – contínuas e contíguas ao passar do

tempo; mas para aqui construir a história e circunscrever o campo, basta a junção dos dois

fechos mais distantes que remata a circularidade em que “a modernidade cita sempre a pré-

história. Isso ocorre graças à ambigüidade própria às produções e às relações sociais dessa

época. A ambigüidade é a manifestação figurada da dialética, a lei da dialética detida”.216

Esse lençol subterrâneo – que religa, por dentro e por baixo, as civilizações e épocas, por mais afastadas que estejam umas das outras – torna-nos, em certo sentido, contemporâneos de todas as imagens inventadas por um mortal, pois cada uma delas escapa, misteriosamente, de seu espaço e tempo. Há uma ‘história da arte’, mas ‘a arte’ em nós não tem história. A imagem fabricada é datada em sua fabricação; também o é em sua

216

BENJAMIN, 2007, p.43.

recepção. O que é intemporal é a faculdade que ela tem de ser percebida como expressiva até mesmo por aqueles que não têm seu código. Uma imagem do passado jamais estará ultrapassada porque a morte é o nosso limite inultrapassável e porque o inconsciente religioso não tem idade. É, portanto, em razão de seu arcaísmo que uma imagem pode permanecer moderna.217

O exercício relacional entre as extremidades rupestre e urbana serve de inventário

às expressões continuadas entre elas, ainda que conforme a adequação dos tempos – e

que demonstram uma raiz perene, de condição humana. Como ancestralmente, a

consciência da finitude – o ser humano é, por

sua avaliação, das espécies a única ciente da

própria mortalidade. Como ancestralmente, a

pulsão é a do retrato da época, do comentário;

o impulso é o de estancar e cicatrizar o tempo,

deixar o vestígio, o resíduo, a marca, a

impressão, o registro no espaço circundante,

não só o qual toda espécie freqüenta, mas que

o próprio criador também freqüenta, feito lembrar ao outro – e a si mesmo – da própria

existência, da própria condição. Banksy e seus pares procuram, cada qual a seu modo,

fotografar polaróides urbanas, imediatas, da situação de nosso mundo, da nossa situação,

e, ato contínuo, professam intelecto e professam política – profissões de fé.

A nossa vida urbana incorpora muito mais semelhanças que diferenças: em qualquer

direção, espelha-se o cotidiano de uma grande cidade, que se serve das mesmas infra-

estruturas e que se cerca dos mesmos espaços públicos profusos de consumo, copiosos da

anarquia publicitária e da insurgência das pichações. Chega-se a encontrar a mesma exata

propaganda, do mesmo exato produto, aqui ou acolá. A publicidade superou imune sua

crítica, fez-se onipresente, fez-se benfazeja, fez-se aceita.

217

DEBRAY, 1993, p. 40-41.

Ora, nesse meio tempo as coisas encostaram à queima-roupa na sociedade humana. [...] O olhar essencial de hoje, o olhar mercantil que penetra no coração das coisas, chama-se publicidade. Ela desmantela o espaço da contemplação desinteressada confrontando-nos perigosamente com as coisas, assim como, na tela de cinema, um automóvel, agigantando-se, avança vibrando para cima de nós. [...] O que é que, em última instância, torna a publicidade tão superior à crítica? Não é o que diz o luminoso vermelho, é a poça de fogo que o espelha no asfalto.218

É o pacto, tácito, consuetudinário. Foi antes a feira. Depois, a escalada da feira. É a

articulação das ruas, é a procuração do convívio por superioridades pretensas, e a conexão

do convívio por igualdades tensas. Apologias partícipes. É o massivo das massas. É

sobremaneira o idioma das cidades, a diretiva da atenção:

imagens de apelo imediato, por simpatia e por

reconhecimento; legendas bravas e breves, como devem ser.

Escritas performáticas, de tratos e polissemias para alcance

plural, ou de cifras e catacreses para alcance tribal. Gênese

comum aos muros publicitários e aos muros grafiteiros –

representatividade e reprodutibilidade. Publicação. Arrogar-se

aos muros o direito, tomá-los para a nota, para o aviso:

Banksy é um renovado situacionista.

Habilidades da cultura urbana, práticas de identidade, cortejos contemporâneos:

compreensão de si – e de todos – como análogos em direito e aptidão à voz. Dessa cepa da

muito variada arte citadina e cidadã, os requisitos panfletários, anunciantes. Cartazista.

Afixações despidas da subliminar intenção-cifrão, do coercivo propagandista, despidas do

utilitarismo comercial, mas proveitosas do arquétipo, contestando pela semelhança então

contestando pela contradição; incorporando os mesmos princípios, os mesmos métodos, as

mesmas convenções: o proclame, o reclame, a divulgação reprodutível, a transmissão

intensiva e extensiva de uma idéia única – um produto, um evento, uma oferta, uma

exigência, um requerimento, uma convocação, um agradecimento, uma homenagem, um

218

BENJAMIN apud BOLLE, 1999, p. 143.

No documento Onde Está Banksy? (páginas 136-139)