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FIGURA 139 – BANKSY,

No documento Onde Está Banksy? (páginas 161-166)

SUMÁRIO

FIGURA 139 – BANKSY,

Por outro lado, o lugar público é obstado de empecilhos, é acidentado, é perigoso, é

parkour255, e pode tornar a obra indiscernível: o grafite generalizado surge no urbano de

maneira inesperada, indiscriminada e tantas vezes gratuita, intenta a interferência mas

arrisca-se à fusão, à incorporação no entorno randômico; o bombardeamento visual sofrido

pelo transeunte, somado à rotina do trajeto, traz o cansaço do olhar – e conseqüente

indiferença. Aí, paradoxalmente, o trabalho será mais e melhor notado por aqueles, mais

treinados, que já freqüentam a galeria, o museu, os espaços identificados – observadores

perceptivos, atentos, inventivos. Observadores estimulados pelo subliminar. Identificadores

de identidades. Observadores apurados: que depuram, que enquadram, que recortam –

capazes de fazê-lo constante e concomitantemente à sua transitividade.

As imagens ambientais são o resultado de um processo bilateral entre o observador e seu ambiente. Este último sugere especificidades e relações, e o observador – com grande capacidade de adaptação e à luz de seus próprios objetivos – seleciona, organiza e confere significado àquilo que vê. A imagem assim desenvolvida limita e enfatiza o que é visto, enquanto a imagem em si é testada, num processo constante de interação, contra a informação perceptiva filtrada. [...] Uma pessoa pode ser capaz de encontrar objetos com facilidade num espaço que, para qualquer outra, parece totalmente desordenado. Por outro lado, um objeto visto pela primeira vez pode ser identificado e relacionado não pelo fato de ser individualmente familiar, mas por ajustar-se a um estereótipo já criado pelo observador.256

255

Le Parkour (o percurso) ou Free Running (trajeto livre), o mais novo esporte: superação de obstáculos em veloz deslocamento pelo urbano, a exemplo de correr por coberturas de edifícios, saltando de uma a outra, descer fossos de elevador, escalar e pular muros elevados, entre outras incontáveis modalidades.

256

LYNCH, 1990, p. 7.

FIGURA 140 – Policiais reconhecendo estêncil de

Banksy.

FIGURA 141 – Isolamento policial de estêncil de

Notável, pela consciência brincante da autodenominação e do universo em que se

insere, é o próprio nome da (algo grupal, familiar, doméstica) editora das coletâneas de

Banksy (bem como de outros títulos que abordam o grafite): Weapons of Mass

Distraction.257 Além disso, o cenário é também proibido, o que torna o grafite efêmero,

porque apagável. Essa efemeridade prenuncia em

si o fim da significação, mas também, ou por isso

mesmo, aumenta o poder de convencimento, na

“posição ambivalente de uma arte ao mesmo

tempo ‘da moda’ (efêmera) e substancial (a

eternidade)”.258 Daí militar o imediato, ativismo

associado ao momento, à história instante e

impendente – com proveito e sem reclame ou

surpresa quanto à superação, ao esquecimento, à dissolução no inelutável concreto. A obra

que visa produzir um conhecimento e participar um observador, que visa um raciocínio e/ou

um questionamento, tem portanto a obrigação de empregar todos os recursos possíveis, da

provocação até a subversão. Inclui entre esses recursos aproveitar-se do interesse

institucional que desperta na contemporaneidade. Seria tarefa árdua rastrear traços de

ingenuidade ou de pureza na arte contemporânea. E ponto.

Como já bem cabe e chega a ser compulsório, exposições convencionais, e vendas

a bom preço, também estão no repertório de Banksy, posto a incompatibilidade entre as

instâncias ditas oficiais e paralelas ceder anteriormente a uma compatibilidade polêmica.

Segue-se a compatibilidade polêmica cedendo a uma compatibilidade normativa. Os artistas

podem alternar-se livremente entre tais instâncias em favor da necessidade das obras.

Podem alternar-se inclusive regionalmente ao redor do globo. Cambalhota da dissensão

para a coextensão. O que antes poderia ser entendido como incoerência autoral, ideológica,

agora é recebido como coerência produtiva, que prima a criação ao criador e prima a

257

“Armas de Distração em Massa”.

258

CAUQUELIN, 2005, p. 27.

FIGURA 142 – BANKSY, grafite/estêncil

especificidade do sítio. Sobretudo, ambos os espaços, intramuros e extramuros, são

espaços da arte.

A convergência do lugar que ocupam as duas faces do muro se encontra na potência

do conceito de exposição.

De mais a mais, de Banksy é inegável sua surpreendente capacidade de auto-inserir-

se por próprio esforço, mérito e risco; de emergir no mapa das artes. E para os grafiteiros,

representativos do estamento paralelo, não oficial, há já espaços dedicados à diferença,

erigidos por ela e/ou em prol dela. Convidativas, estão por e para eles escancaradas as

portas desses espaços, demonstração de força, demonstração de eficiência ombreada.

Os próprios ‘irregulares da arte’ não escapam a essas regras de homologação que continuam sempre válidas. A ‘arte bruta’ adquiriu [...] seu local permanente de exposição. [...] Assim a ‘não-cultura’ deixava de ser tributária da ‘cultura asfixiante’. Mas tornando-se, por seu turno, uma cultura com plenos direitos à qual é preciso pagar tributo. O devir-arte leva os ‘anartistas’ a darem sua colaboração.259

E posto ainda que há sempre uma tentativa de assimilação do sistema: as galerias

absorvem os grafiteiros (e aí marcas anônimas tornam-se assinaturas célebres, desde Keith

Haring, Jean-Michel Basquiat, Ronnie Cutrone, até, bem recentemente, a dupla brasileira

osgemeos – gêmeos de fato); o oficial reivindica o paralelo: em parte porque o que parece

um jogo de provocação cultural é tantas vezes um atalho e um pleito para reconhecimento

público, em parte por retroalimentação e necessidade do novo, em parte para subverter o

subversivo.

As discussões sobre arte estão focadas em torno de um tema essencial: o que significa ser um artista 'bem-sucedido' trabalhando no mundo atual? [...] Por esta premissa, é importante engalfinhar-se com nosso modelo cultural, para entender como ele afeta nosso jeito de pensar e determina o que nós queremos. [...] Há alguma maneira, então, de não deixar o paradigma dominante sob o qual nós existimos atualmente definir quem nós somos? E

259

em qual nível, então, o pessoal ou o cultural, o problema pode ser solucionado?260

Aí a enunciação: para a arte vale mais a comunicação e a significação em si ou o

padrão de produção e recepção que lhe encerra, mas lhe dá abrigo, suporte e turma, o

espaço galeria/museu? “O interior é o asilo onde se refugia a arte. [...] Seu ofício é a

idealização dos objetos”.261 Espaço que destaca a obra, que mostra-a isoladamente, dirige-

lhe toda a atenção – por ter a quase neutralidade como local de acolhimento. Espaço que,

por outro lado, é também um sistema de conivências, é um comando implícito, é uma

liberdade vigiada. Esse enunciado não parece tanto comprometer a ética ou a validade da

arte e dos artistas de ambos os lados do muro quanto expor uma simbiose de práticas nos

dois campos, e então proveitosamente descerrar uma janela, uma interseção, um vetor de

circularidade. E explicitar a fragilidade das autonomias, bem como dos argumentos, na

inexistência de outra construção de visibilidade e efetividade e de outra tessitura de

imperativos. Esboça-se um silogismo.

Banksy não se furta aos duradouros recortes da hip-hop, enquanto pesquisa ética

contemporânea, e, de todo modo, para a arte que se quer crítica, intervir no posicionamento

institucional do objeto de arte ou reivindicar uma

instância cultural própria, negativa e marginal, podem

não funcionar tão bem quanto criticar a tradição

usando as formas dessa tradição, ser lícito, opor-se à

cultura dominante de dentro dela, usar a submissão

como morada e trânsito, como senda para a

subversão, ser visto numa forma culturalmente

privilegiada – a galeria, o museu – e nela conquistar

autenticidade e reconhecimento para subverter a

subversão do subversivo. Banksy:

260

GABLIK, 1991, p. 02-03 (tradução do autor).

261

BENJAMIN, 2007, p. 59.

FIGURA 143 – Leilão de auto-retrato

De fato, […] grafite é por definição bastante proscrito. A maioria dos conselhos municipais está comprometida com a remoção de grafites ofensivos dentro de 24 horas; qualquer coisa racista, machista ou homofóbica, eles enviarão um time dentro de 24 horas. Mas, seja como for, se é 'arte' em uma galeria, os limites do gosto não estão assim tão rigidamente definidos.262

Assim, a crítica favorável vem considerando que Banksy tem feito pelo estêncil o

mesmo que Basquiat fizera pelo grafite. Assim, Banksy conta hoje com vasto acervo em

galerias regulares, e longa fila de espera em galerias virtuais, como Andipamodern,263

Artificialgallery264 e Picturesonwalls.265 E resolutas disputas em leilões, em casas tradicionais

como as sedes londrinas da Bonham’s ou da Sotheby’s: “Ele é o artista de progressão mais

rápida que qualquer um já viu em todos os tempos, disse Ralph Taylor, um especialista da

Sotheby’s”.266 Assim também, uma galeria no cosmopolita distrito londrino de Convent

Garden267 promoveu há, dois anos, uma

exposição com obras de Banksy e de Andy

Warhol, surpreendentemente pareando-os e

paralelizando-os. Assim, suas tão justamente

criticadas midiatização e superexposição, em sua

velocidade de propagar informações, são as

próprias responsáveis por altear o balzaquiano

Banksy, razoavelmente noviço para tamanha

aprovação e atento acompanhamento mundiais.

Ele se vê em algum momento tornando-se parte da arte estatutária? “Eu não sei. Eu não venderia merda nenhuma a Charles Saatchi. Se eu vendo 55.000 livros (ele publicou dois, Existencilism e Banging your head against a

brick wall) e, além do mais, muitas gravuras, eu não preciso que um homem

262

BANKSY, 2003, não paginado. Entrevista a Simon Hattenstone (Tradução do autor).

263 <www.andipamodern.com/WorksbyBANKSY.htm>. 264 <www.artificialgallery.co.uk/banksy>. 265 <www.picturesonwalls.com/Art_Artists.asp?Artist=Banksy&Offset=0&PageNo=1>. 266

OSLEY, 2008, não paginado (tradução do autor).

267

Região eclética e exuberante, recheada de museus, cinemas, lojas, bares, restaurantes; habitada de apresentações musicais e performances em suas ruas. Muito adequada à captação de tendências culturais.

No documento Onde Está Banksy? (páginas 161-166)