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PARTE II A EFICÁCIA EXTRAFISCAL NA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

4.1 A finalidade do tributo ambiental

O Estado intervencionista, com o objetivo de proteger o meio ambiente, pode utilizar-se de instrumentos normativos, como já analisados, entre outros, o estudo de impacto ambiental, as auditorias, o zoneamento ambiental. De outro lado, pode lançar mão dos chamados instrumentos econômicos, e nesse sentido estão a ecoetiqueta, os subsídios, os empréstimos. Todavia, a presença do tributo, com o objetivo de proteção do meio ambiente, tem-se mostrado como uma opção bastante eficaz de intervenção do Estado nas atividades produtivas. O tributo ambiental dessa forma pode ser visto na consecução de duas finalidades principais: uma de natureza fiscal, redistributiva, a outra de características regulatórias, extrafiscais.

Pode-se dizer que a primeira finalidade, de cunho fiscal, está associada à realização específica do fim do tributo enquanto receita pública derivada e necessária, para que o Estado atenda às suas atribuições constitucionais. Nesse sentido, o tributo ambiental visa buscar receitas públicas que serão aplicadas na proteção do meio ambiente.

A segunda finalidade tem no tributo ambiental o instrumento apropriado para induzir comportamentos nos sujeitos passivos tributários, de modo que sejam afastados ou mitigados os efeitos de condutas atentatórias ao meio ambiente.

Como se vê, o uso do tributo pelo Estado deixou de ter uma acepção exclusivamente fiscal, passando a assumir uma função social da política interventiva. Ademais,

“há cerca de cinco séculos, já eram percebidos os efeitos da tributação sobre redistribuição do capital e da renda entre os indivíduos e sobre a formação das classes sociais. A idéia de revolução social pelo impacto dos tributos, em lugar da força das armas, começou realmente a definir-se na segunda metade do século passado”.141

Observa-se, desde a década de 60 do século passado, que a principal

“finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de 141 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. p. 258.

finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio de despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada”.142

Dessa forma, à medida que o legislador adota o tributo, como meio de intervenção nas atividades econômicas, aplica a sua função extrafiscal.

Apesar de alguns doutrinadores143 entenderem que a utilização extrafiscal dos tributos volta-se apenas para a aplicação de incentivos fiscais, é importante observar que o caráter extrafiscal, enquanto finalidade do tributo, insere-se na essência de muitos tributos, sobretudo de impostos. Prova disso, no sistema tributário pátrio, encontram-se alguns impostos de conotação estritamente extrafiscal, como é o caso dos impostos incidentes sobre o comércio exterior, imposto de importação e exportação. Exemplos significativos a corroborar o exposto também se referem ao imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou as relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), bem como ao IPI- Imposto sobre Produtos Industrializados. Os impostos citados incorporam o caráter extrafiscal, uma vez que são empregados permanentemente na regulação, seja da atividade produtiva, seja do mercado econômico e financeiro. Nesse passo, a base constitucional da extrafiscalidade encontra-se disposta no artigo 153, parágrafo primeiro da Constituição Federal de 1988, ao dizer que “é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas” dos impostos supramencionados. A finalidade extrafiscal dos tributos está presente na letra da Constituição Federal de 1988 e nesse sentido constata-se que

“o constituinte de 1988 não pretendeu instituir um Estado-passivo, mero coletor de impostos e provedor de serviços essenciais. Ao contrário, instituiu um Estado-agente, que interfere no processo e que, para tanto, recebe instrumentos de intervenção. Neste sentido, a distinção entre os diversos tributos traçados na Constituição deixa de considerar apenas aspectos como fato gerador, base de cálculo, ou critérios de arrecadação, para atentar, também, para os fins que objetivam, podendo ser classificados em: a) tributos meramente 142 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. p. 536.

arrecadatórios; e b) tributos com finalidade interventiva. É dentro desta última classificação que podemos agrupar tributos como os Impostos sobre a Importação de Produtos Estrangeiros (art. 153, I, da CF), sobre a Exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (art. 153, II, da CF), sobre Produtos Industrializados (art. 153, IV, da CF), e sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (art. 153, V, da CF)”.144

É importante ressaltar também o aspecto extrafiscal referente às regras relacionadas com o Imposto Territorial Rural-ITR. A esse respeito tem-se que o finalismo que ensejou a criação desse tributo revela a nítida intenção do Estado de intervir na propriedade que não atende a sua função social145 e nela realizar a reforma agrária. Nesse sentido, o constituinte perseguiu o intuito extrafiscal quando “desejou proceder à reforma agrária nacional deu à União, como um dos instrumentos efetivos para implantá-la e regulá- la, competência para legislar sobre o imposto territorial rural, competência essa que se conserva até hoje no parágrafo 4°, do art. 153 da Constituição vigente”.146

O Poder de Tributar é um poder do Estado com o objetivo de intervir na ordem econômica visando arrecadar a receita pública que o Estado necessita para implementar a sua atividade financeira. Dentre a receita pública, como já visto, o tributo é a fonte mais importante; todavia, o tributo exerce um caráter instrumental na sua aplicação, isso porque sua exigência vincula-se aos fins que o Estado, ao persegui-lo, pretende realizar. Assim, fiscalidade e extrafiscalidade são características que estão presentes no tributo e dele não podem ser dissociadas. A política fiscal adotada num determinado local, atuando na

144 SHOUERI, Luís Eduardo; GUIMARÃES, Camila Cavalcanti Varella. “IOF e as operações de mútuo”. In:

ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética,1999. p. 207-222.

145 A presença da extrafiscalidade do ITR está prevista no art. 153, § 4º, da Constituição Federal de 1988 que

dispõe “o imposto previsto no inciso VI terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel”.

146 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. p. 191. Salienta ainda o autor na página 192 dessa

obra a posição externada pela Comissão que elaborou o projeto de Emenda Constitucional n. 18, da Constituição de 1946, que teve como relator Rubens Gomes de Souza: “Como é sabido, este imposto, a princípio estadual, depois transferido aos municípios pela Emenda Constitucional n. 10, para servir como instrumento da reforma agrária, somente concebível em bases nacionais. Essa atribuição é mantida pelo dispositivo ora comentado, com aquele mesmo caráter instrumental de finalidades extrafiscais.”

instrumentalidade do tributo, é que vai encaminhá-lo para um fim mais determinadamente fiscal ou extrafiscal.

Sendo assim, o tributo ambiental tem uma função muito importante no processo de reforma social não só como fonte de receita mas, sobretudo, como forma de conscientização das pessoas acerca da importância e necessidade de preservação do meio ambiente. O emprego eficaz do tributo ambiental, sem dúvida, está relacionado com a noção da extrafiscalidade; todavia é importante destacar que

“os tributos extrafiscais estão continuamente crescendo em variedade e importância econômica, não se deve concluir que se chegará a uma fase em que a tributação extrafiscal sobrepujará à fiscal. O que no passado ocorreu, foi a prevalência absoluta da tributação simplesmente fiscal, ante uma tímida e esporádica tributação extrafiscal quase sempre exercida de um modo inconsciente ou rudimentar. Neste ponto germinal da metamorfose jurídica dos tributos, a transfiguração que ocorre é, em síntese, a seguinte: na construção jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre – agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido, a fim de melhor estabelecer o equilíbrio econômico-social do orçamento cíclico”.147