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Flexibilização das relações trabalhistas

3.5 O mundo globalizado e o desemprego

3.5.1 Flexibilização das relações trabalhistas

O mercado de trabalho está em crescente precarização e os trabalhadores estão cada vez mais fragilizados diante das transformações constantes. Se antes era possível se afirmar que existia certo rigorismo nas relações de trabalho, atualmente tem-se que esse rigor está sendo repelido na tentativa de que seja substituído pelo que se pode denominar de flexibilização das relações trabalhistas.

As empresas não seguem mais uma relação padrão de trabalho, uma vez que sua produção é orientada com vistas a se chegar à máxima produtividade e lucratividade, sob os moldes dos ideais da globalização neoliberalista. Nesse contexto, uma relação de trabalho bem definida, tendo estabelecida em sua essência quais são os direitos do empregado e sendo esses direitos irrenunciáveis e não negociáveis, seria uma espécie de peso a ser carregado pelo empregador que teria seus custos aumentados para sustentar o rol de direitos dos empregados, o

27 HADDAD apud VEIGA JÚNIOR, Celso Leal. PEREIRA, Marcelo Henrique. Comentários ao Estatuto do Idoso.

que seria para a empresa mais um empecilho para se alcançar a competitividade desejada. Nesses moldes são as palavras de Peduzzi ao afirmar que:

A globalização econômica opera de acordo com uma lógica economicista que realça, em primeiro plano, a busca de competitividade, calcada na absorção de tecnologia e na qualificação de mão-de-obra. Nos países em desenvolvimento, no entanto, a busca de competitividade ocorreu por via transversa, consistindo, fundamentalmente, na supressão ou redução de direitos sociais, pouco se investindo em ciência e tecnologia ou na qualificação do trabalhador. Emerge desse processo um Estado “empresarial” ou “gerencial”, meramente regulatório, em cujo bojo a concretização dos direitos sociais é vista como um ônus a ser extirpado. Daí as propostas de flexibilização dos direitos trabalhistas, desestatização e desregulamentação da economia.28

O objetivo dos empregadores de verem reduzido o máximo possível o custo da mão-de-obra leva a uma forte pressão para a imposição de uma desregulamentação no mercado de trabalho, rumo à flexibilização das relações trabalhistas que intenta dar maior maleabilidade às leis e destituir a rigidez tradicional da legislação laborista. Nesse contexto, temos que, segundo Vieira:

Essas práticas flexibilizadoras traduzem-se, de maneira geral, na diminuição de regras ditadas pelo Estado para regular as relações de trabalho, dando ênfase às negociações coletivas, realizadas pelos sindicatos do empregado e do empregador. A desregulamentação pela supressão das normas que regulam essas relações, tanto entre empregado e empregador quanto entre categoria de empregados e categoria de empregadores, deixa que as negociações entre elas se estabeleçam sob o manto do livre mercado, sem qualquer interferência estatal.29

Em termos gerais a flexibilização no direito do trabalho apresenta como argumento uma ampliação na capacidade e no poder das partes envolvidas no contrato de trabalho, tanto o empregador como o empregado, em estabelecerem e definirem os parâmetros e limites que regerão as suas relações de trabalho.

Tal argumento é completamente falacioso, pois partindo-se de uma visão açodada e ingênua pode parecer que essa liberdade contratual é benéfica para ambos os lados da relação trabalhista. Porém na verdade, o que se tem com a flexibilização é a busca do afastamento da interferência do Estado nas relações de

28 PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Globalização, Integração de Mercados, Repercussões Sociais: Perspectivas

do Direito do Trabalho no Brasil. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. 2003. p.22.

29 VIEIRA apud COSTA, Walber Carrilho da. O processo da globalização e as relações de trabalho na economia

capitalista contemporânea. Disponível em http://www.fclar.unesp.br/soc/revista/artigos_pdf_res/18- 19/06costa.pdf. Acesso em 15/06/07.

trabalho, pretendendo que a negociação seja livre, o que acarretaria para o trabalhador, parte hipossuficiente da relação laborista, inúmeras agressões aos seus direitos, pois este se acharia sem a devida proteção, tendo, para conseguir a sua subsistência, que se submeter à exploração desmedida da sua força de trabalho pela mão forte do empregador que visa produzir mais gastando menos e dessa forma oferece o mínimo de prerrogativas ao trabalhador para dele retirar o máximo que puder sob pena de se achar o empregado sob forte risco de ser substituído por outro que melhor se adapte à exploração e renda mais para o empregador. Isso caracteriza um verdadeiro retrocesso à barbárie da exploração do trabalho do homem.

A proteção que é dada ao direito do trabalhador é que permite na verdade que ele tenha certa segurança em acertar com o empregador como se dará a relação de trabalho. Não pode o trabalhador ter que renunciar a esses seus direitos laboristas para conseguir uma oportunidade de trabalhar, sob pena de se achar diminuído em sua cidadania e afetado em sua dignidade. É nesse sentido que os direitos trabalhistas são indisponíveis e irrenunciáveis.

Ao tratar do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas nos assevera Delgado que:

A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação sócio-econômica de emprego.30

Por detrás da campanha de flexibilização que se diz um instrumento para gerar e manter empregos e diminuir o informalismo se esconde uma proposta de desregulamentação. A maior devastação que se emerge desse contexto é a desconstrução da unidade basilar do Direito do Trabalho, que se consubstancia na relação de emprego juridicamente protegida entre o empregado e o empregador.

Nesse sentido são as palavras de José Vidotti e Gonçalves Bento:

Visa-se, assim, à propagação da ideologia de que o caráter protetor do Direito do Trabalho não se coaduna com os tempos modernos, com a robótica e nem tampouco com o mundo globalizado, ou seja, o intuito é mostrar que as normas protetoras trabalhistas são arcaicas, vetustas, fazem parte do passado, e que a única saída é o rompimento com esse passado, através da flexibilização normativa, como se ela fosse a solução para todas as mazelas enfrentadas atualmente no mundo do trabalho.31

Estamos passando por uma verdadeira revolução caracterizada por dois fenômenos que estão intimamentes ligados à globalização neoliberal: de um lado temos a destruição de postos de trabalho ocasionada pela introdução de novas tecnologias de produção e de organização do trabalho fazendo ressurgir a “lei da selva” numa versão “high-tech” onde as chances no mercado de trabalho são somente para profissionais com instrução aperfeiçoada, com domínio das novas tecnologias, de línguas estrangeiras, de informática etc. e por outro turno temos o desmonte da relação entre empregado e empregador que cada vez mais se impõe, arrimado em falsos argumentos, na busca incessante e egoísta pelo lucro.

A flexibilização decorre da ideologia que o capitalismo deseja incutir na sociedade de que o homem, ao ser detentor de liberdade econômica, adquire a propriedade de si mesmo e, portanto é livre para vender sua força de trabalho no mercado, ou seja, pode vender a si mesmo como se fosse coisa. Porém essa idéia trata-se de verdadeira afronta à dignidade humana e ao valor social do trabalho como fundamentos da República Federativa do Brasil.

Ao tratar da flexibilização do Direito do Trabalho afirma Marques de Lima que:

A flexibilização é uma das conseqüências mais acentuadas da globalização nas relações de trabalho, cuja dinâmica é cada vez diversificada, em virtude do avanço da tecnologia em todos os quadrantes, que vem triturando os postos de trabalho e exigindo mais qualificação profissional. [...] Trata-se a flexibilização de precarização do trabalho, levada a efeito pelo Neoliberalismo, sob o argumento de compatibilizar e preservar a sobrevivência das empresas com o mínimo de garantias dos trabalhadores.32

31

VIDOTTI, Tarcio José. BENTO, José Gonçalves. O Capital e a nostalgia do ideário do laissez-faire: um ataque à dignidade humana no âmbito das relações de trabalho. Disponível em

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3908. Acesso em 14/06/07.

É nesse contexto que se insere o Direito do Trabalho, como conjunto de regras coativas impostas pelo Estado, trazendo um regramento mínimo para a relação entre empregado e empregador, regulando as atividades dos homens no interior da unidade produtiva. Tais regras são revestidas de ordem pública, são cogentes e por isso não podem ser renunciadas pelo trabalhador, na medida em que são imperativos de um Estado Democrático de Direito.

O que se tem a fazer é buscar uma adequação dos interesses trabalhistas às novas tecnologias e modelos de produção e não abolir esses direitos que foram duramente conquistados ao longo dos tempos. Assim é o pensamento de Batista Soares, que se evidencia através de suas palavras:

Sem embargo, adequar os interesses trabalhistas às tecnologias que surgem a todo momento não significa suprimir direitos conquistados a duras penas, e militâncias. Deve-se, sim, fortalecer-lhes e a partir daí buscar novos rumos para a árdua tarefa de preservação e criação de novas frentes de trabalho.33

Em toda essa conjuntura, marcada pela globalização, onde a ordem é conseguir o maior lucro possível e para isso as empresas buscam contratar os profissionais de mais alto nível e que se mostram mais preparados para os atuais desafios no mercado de trabalho e visam reduzir seus custos através do objetivo de se conceder menos direitos aos trabalhadores, pois como visto no decorrer do presente trabalho o neoliberalismo não combina com concessão de direitos, é que se avulta em importância a posição do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho em proteger cada vez mais o trabalhador, dando especial atenção para aqueles que, por alguma razão, como por exemplo, a mais idade, são alijados dos postos de trabalho, restando feridos em sua dignidade.

Esse contexto relatado juntamente com o fenômeno do envelhecimento populacional que cresce rapidamente no Brasil formam uma situação bastante preocupante a ser urgentemente pensada, discutida e modificada para que os idosos tenham voz e vez no mundo do trabalho e possam através dele, sentirem-se cidadãos respeitados em sua dignidade como pessoa.

33 SOARES, Danton Luiz Batista. Tempos Modernos? Neoliberalismo e Direito do Trabalho. Disponível em