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Proteção do idoso na Constituição Federal de 1988

Viver muito sempre foi um dos maiores anseios de toda a humanidade. Uma vez conquistada essa aspiração, instauram-se vários desafios para a sociedade, desafios estes que devem ser enfrentados e superados para promover a adaptação da sociedade como um todo a essa nova realidade trazendo como resultado a promoção do bem-estar e a realização da dignidade daqueles que alcançaram uma idade avançada.

É inquestionável que o aumento da longevidade é um imenso triunfo, uma verdadeira conquista, mas é certo também afirmar que as pessoas querem viver muito, mas não querem envelhecer e muito menos não querem morrer. Há uma forte resistência ao envelhecimento e isso causa mitos e preconceitos relacionados à terceira idade. As pessoas vivem como se não fossem envelhecer, estão sempre tentando postergar o seu envelhecimento como se o passar do tempo não lhes atingisse e é nesse contexto, onde o belo e o jovem são idolatrados, que os idosos são discriminados, tendo essa discriminação fortes influências no mundo do trabalho.

Existe o preconceito de que a inteligência diminui com a idade, o que é uma perfeita inverdade, pois a produção intelectual, artística, religiosa e empresarial é vasta entre os longevos. Há também outro preconceito de que o idoso não consegue mais aprender, o que também é falso, pois as universidades da terceira idade espalhadas pelo país provam o contrário, que o idoso pode sim aprender coisas novas.

Há ainda a crendice de que o idoso só deve conviver com idoso, o que não passa também de puro preconceito, pois ao contrário, deve o idoso conviver com as mais diferentes faixas etárias dando e recebendo experiências, sendo o relacionamento entre idosos e não idosos muito benéfico para ambos.

Em relação à crença de que velhice é sinônimo de doença também não deixa de ser um pensamento preconceituoso, pois todos nós, independentemente da idade que temos somos suscetíveis a ficarmos doentes e ainda podemos dizer que há várias pessoas de mais idade que possuem boa saúde física e mental.

No que diz respeito à morte, não se pode dizer que o idoso, por sua avançada idade esteja mais perto de falecer, pois, na sociedade em que vivemos, fazer tal assertiva seria um grande erro frente aos problemas sociais que nos assolam como, por exemplo, índices alarmantes de violência, muitos acidentes de trânsito e doenças contagiosas o que faz com que qualquer pessoa, não importando a sua idade, possa a qualquer momento vir a morrer.

O Brasil, como se tem tentado demonstrar no decorrer deste estudo, encaixa-se no perfil da sociedade que não se mostra preparada para enfrentar a realidade pela qual está passando, qual seja, o envelhecimento da sua população.

Para a sociedade brasileira, dominada pelo preconceito e pela onda globalizante neoliberal, o que predomina no mundo do trabalho é o saber que advém do domínio da tecnologia, ficando o conhecimento que é oriundo das experiências vividas relegado ao plano do pouco estimado. Esse contexto precisa ser repensado e modificado, pois se deve fazer o possível para que o conhecimento valorizado atualmente e o conhecimento advindo através de experiências com o passar dos anos detido pelos idosos caminhem lado a lado para o progresso e bem estar do povo brasileiro. Se faz necessário portanto, refletir e repensar ações que propiciem qualidade de vida para os idosos, a fim de que suas potencialidades e sua sabedoria sejam aproveitadas, não apenas em benefício dos próprios idosos, mas também em benefício da sociedade. Seguindo esse pensamento é que afirma Furtado:

É possível que se escolha o novo e que, concomitantemente, se valorizem experiência e sabedoria, frutos do conhecimento e do trabalho, e que sempre estiveram presentes na história humana, enquanto elementos preponderantes do processo de civilização.34

O Brasil ainda é um país muito carente de ações sociais voltadas para as pessoas com mais idade, por isso vem tratando o idoso como problema e não como membro da sociedade. É com base nesta triste realidade que devemos tentar integrar essa camada da sociedade que são os idosos no sistema social, não apenas reconhecendo e valorizando os seus direitos, mas também criando mecanismos de controle para que tais direitos sejam respeitados e sejam propiciadas aos idosos oportunidades de atuarem ativamente no destino de suas vidas e no futuro da sociedade.

É nesse sentido, que a nossa Constituição Federal de 1988, diferentemente das Constituições passadas que apenas faziam uma rápida menção aos idosos, como por exemplo, a Constituição de 1937 que em seu artigo 137 lia-se sobre “a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes de trabalho” e a Constituição de 1946 que em seu artigo 157 mencionou a aposentadoria por idade, traz em seu espírito, guiada pelo princípio da dignidade da pessoa humana que a permeia, buscando assegurar direitos fundamentais a todos os seres humanos, o dever de amparar o idoso, dever este que deve ser compartilhado pela família, pela sociedade e pelo Estado nos moldes do seu artigo 230, caput, a seguir descrito:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Fica perfeitamente claro com a leitura do supracitado dispositivo constitucional que há a responsabilidade conjugada de três entes para com o idoso, são eles: a família, a sociedade e o Estado. Todos esses entes devem atuar conjuntamente com o objetivo de conseguir a reinserção do idoso na sociedade, inclusive, se for necessário e se for da vontade do idoso, buscando sua integração no mundo trabalhista, respeitadas, obviamente as limitações de cada um, haja vista que o direito ao trabalho é imperativo para a efetivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e que traz inúmeros benefícios para a vida de quem o realiza.

A Carta Política de 1988 traz em seu bojo a cidadania, ao lado da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, como valor fundamental

da República Federativa do Brasil (Art. 1°, inciso II da CF/88). O idoso é ser humano, portanto merece a proteção da sua dignidade assim como toda e qualquer pessoa. Nesse diapasão assevera Moreno que:

Podemos concluir que a dignidade é o princípio básico, basilar, fundamental, supremo, é o respeito ao ser humano. O idoso é um ser humano; portanto, possui status de cidadão e, por conseqüência, deve ser contemplado por todos os instrumentos asseguradores da dignidade humana, sem qualquer distinção.35

O fato de o idoso ser cidadão, merecedor de dignidade, portanto, já é suficiente o bastante para que ele seja tratado sem nenhuma distinção injustificada, mas é tão notória a discriminação sofrida pelos longevos que o legislador constituinte de 1988 achou necessário tecer dispositivos que deixassem expresso o repúdio à discriminação por eles enfrentada, externando o merecido respeito que para eles deve ser dirigido através desses dispositivos que delineiam como deve ser o tratamento para com o idoso. Nesse mesmo sentido, assegura Moreno que;

Apesar de estar prescrito na Carta Magna que será garantida a dignidade humana e a cidadania, na maioria das vezes, o idoso não é tratado como cidadão e a própria Constituição Federal foi obrigada a estabelecer meios legais para que deixasse de ser discriminado e recebesse o tratamento que lhe é devido.36

A cidadania decorre da dignidade ínsita a cada um de nós. Ao ser respeitada a nossa dignidade restará valorizada a nossa cidadania, mas se ao contrário, for de alguma forma molestada a dignidade de uma pessoa, e vale lembrar que a discriminação é altamente prejudicial à dignidade, não se poderá dizer que se está dando possibilidade para que ela seja verdadeira cidadã. A cidadania decorre da possibilidade de se ver alcançado os direitos de uma pessoa na medida em que esses direitos são indispensáveis para a realização de sua dignidade. Dentre esses direitos que são imprescindíveis para o alcance da cidadania, possibilitando-se uma vida digna, está o direito ao trabalho, este deve ser respeitado em decorrência de sua importância já salientada em capítulo anterior do presente estudo monográfico.

35

MORENO, Denise Gasparini. O Estatuto do Idoso. 2007, p. 155/156.

Interpretando-se o artigo 230 da Constituição Federal sob a ótica do direito ao trabalho e sua vital importância como instrumento de dignificação humana, tem-se que a família que possui um idoso, se este tiver condições físicas e psicológicas para trabalhar e vontade para tal, deve incentivá-lo e ajudá-lo a superar os obstáculos que existem para que ele exerça o seu direito ao trabalho. A sociedade, por sua vez, deve acolher o idoso, propiciando a ele chances para ingressar e/ou permanecer no mundo do trabalho, reconhecendo a importância da contribuição que este tem a dar. O Estado, através de seu poder coercitivo, deve proibir e punir atitudes discriminatórias que impeçam o idoso de trabalhar e o afetem em sua dignidade. Todos esses três entes, portanto, têm relevante papel no combate à discriminação no mundo do trabalho que atinge aos idosos devendo contribuir para que se extinga a imagem de inútil e improdutivo que se tem a respeito dos longevos.

Também em relação ao trabalho temos em nossa Carta Política no artigo 7° que trata dos direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, em seu inciso XXX a “proibição de diferença de salários, de exercícios de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. É visível que nesse dispositivo protetor estão incluídos os idosos, sendo assim inaceitável a discriminação no trabalho por conta da idade, seja a menoridade, também abrangida por este artigo, seja a idade avançada. Nesse contexto afirma Martinez ao tratar deste dispositivo constitucional que:

Provavelmente pensou a Assembléia Nacional Constituinte no menor de idade, mas atingiu também quem está na idade madura e no outono da vida profissional.37

Traz ainda a Carta Magna de 1988 em seu plano, assegurada pelo artigo 230, parágrafo 2°, abaixo transcrito, a garantia de gratuidade nos transportes coletivos urbanos para aquelas pessoas com mais de sessenta e cinco anos de idade, tratando-se tal dispositivo de “norma constitucional de eficácia plena, que, por conseguinte, independe de qualquer legislação infraconstitucional”38:

37 MARTINEZ, Wladimir Novaes apud FURTADO, Emmanuel Teófilo. Preconceito no trabalho e a discriminação

por idade. 2004. p. 307.

Art. 230. [...]

§2°. Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

Ao se referir a este artigo assegura Moreno que:

Obviamente que o idoso deve demonstrar a sua condição para usufruir tal benefício, apresentando a carteira de identidade ou qualquer outro documento hábil. O fato de a legislação pretender facilitar sua identificação, por meio da inscrição “maior de 65 anos”, na cédula de identidade não apresenta nenhum caráter ilegal ou discriminatório.39

A lei n° 7.116, de 29 de agosto de 1983 prevê quais são os elementos obrigatórios que devem constar da Carteira de Identidade e em seu artigo 4°, parágrafo 1°, determina que “o Poder Executivo Federal poderá aprovar a inclusão de outros dados opcionais na Carteira de Identidade”. O Poder Executivo Federal, com base neste artigo e com base no exercício do poder regulamentar previsto no artigo 84 da Constituição Federal que trata da competência privativa do Presidente da República, expediu o Decreto n° 89.950, de 27.12.1983 posteriormente alterado pelo Decreto n° 98.963 de 16.02.1990, prescrevendo que “a Carteira de Identidade conterá campos destinados ao registro dos números de inscrição do titular do Programa de Integração Social – PIS ou do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP, no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda – CPF, bem assim a expressão ‘maior de 65 anos’, logo acima do local destinado à assinatura do titular, quando for o caso”.

A gratuidade nos transportes coletivos urbanos é uma forma de instigar a movimentação do idoso, servindo como importante fator de integração social haja vista que facilita a sua circulação ajudando a promover o seu contato com outras pessoas e com outros lugares. Inclusive, pode-se até mesmo dizer que a gratuidade nos transporte pode servir de forma de incentivo à contratação de pessoas com mais de 65 anos de idade, já que haverá um custo a menos para o empregador na medida em que não haverá dispêndio com a locomoção até o local de trabalho.

Vale ainda ressaltar que apesar de a gratuidade nos transportes urbanos para os idosos acima de 65 anos de idade ser uma conquista importante na construção de sua cidadania, muito há ainda que ser melhorado na qualidade dos transportes pois não são poucas as reclamações em relação a prestação desse serviço. Este poderia ser melhorado com atitudes que podem ser consideradas simples, mas que trariam enormes benefícios, como por exemplo, a colocação de mais degraus na entrada e na saída dos coletivos facilitando não só para os idosos a utilização dos mesmos e a colocação de barras horizontais que os ajudem no equilíbrio quando do uso dos transportes coletivos.

Ao tratar da Ordem Social a Constituição Federal diz em seu artigo 193 que:

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Entre os direitos integrantes da ordem social prevista na Constituição temos os direitos relativos à Seguridade Social que contempla a previdência social, a saúde e a assistência social.

Ao definir assistência social Frischeisen, em seu artigo intitulado “Benefício assistencial para as pessoas portadoras de deficiência e idosos e a dignidade humana” afirma que:

A assistência social pode ser definida como a política pública, integrada por um conjunto de ações de iniciativa pública e da sociedade, que visa prover aos brasileiros com renda inferior aos mínimos legais, condições de inclusão na sociedade, através do atendimento às necessidades básicas, para o efetivo exercício dos direitos, que constituem a cidadania.40

A Constituição, quando dispõe da assistência social estabelece que:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e á velhice;

40

FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Benefício assistencial para as pessoas portadoras de deficiência e idosos e a dignidade humana. Disponível em: http://www.entreamigos.com.br/textos/direitos/beasspe.htm.

II – [...];

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – [...];

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Infere-se da leitura do supracitado artigo que ao contrário do que acontece com os benefícios previdenciários, não se aplica à assistência social o princípio da contrapartida, ou seja, não é necessário que haja contribuição para receber o benefício.

A assistência social é direito do cidadão e um dever do Estado, porém a Lei Federal n° 8.742/93, conhecida como LOAS (Lei da Organização da Assistência Social), através de seu artigo 20, parágrafo 3°, acrescentou um empecilho à sua efetividade, porquanto além do idoso ter de comprovar insuficiência de recursos para sua sobrevivência, terá também de provar que sua família não possui renda per capita superior a um quarto do salário mínimo. Tal dispositivo da referida Lei teve sua constitucionalidade questionada por uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) já que representa um embaraço a um direito constitucionalmente estabelecido, mas infelizmente, esse dispositivo foi tido por constitucional por julgamento de mérito no Supremo Tribunal Federal.

A citada Lei Federal ainda estabelece que no âmbito da assistência social é garantido o acesso ao benefício de prestação continuada aos idosos mas somente para aqueles acima de 67 anos de idade.

Apesar dos empecilhos elencados na Lei Federal n° 8.742/93, a assistência social é mais uma forma trazida pela Constituição Federal de tentar minimizar as adversidades sofridas pelos idosos, pois visa atender as necessidades básicas dos mais vulnerabilizados, dentre eles os idosos que não conseguem manter-se por si próprio ou com a ajuda da família, e dessa forma consubstancia-se em direito de cidadania voltado para a valorização do ser humano. Nela está implícita a idéia de oferecer um mínimo básico como meio de buscar garantir ao idoso participação no processo de promoção humana, de crescimento e de

valorização da pessoa. É através dela que se busca a reinserção de grupos mais vitimizados pela exclusão social nas políticas que visam garantir os direitos sociais.

Todos os dispositivos constitucionais citados neste trabalho são decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a Constituição Federal de 1988, obedecendo a este princípio, ao garantir os direitos fundamentais dos homens, podemos, sem sombra de dúvida, afirmar que também garantiu direitos para os idosos, já que a dignidade abrange todas as etapas da vida.

É de fundamental importância que estejam estabelecidos constitucionalmente meios para se conseguir assegurar a dignidade e a reinserção dos idosos na sociedade, valorizando-os como seres humanos que são, mas se não houver uma conscientização profunda por parte da sociedade em geral de que os idosos merecem respeito, são pessoas produtivas e capazes de contribuir com o destino da sociedade e que ninguém, em qualquer idade que seja, merece ser discriminado, não haverão as necessárias modificações para a adaptação ao fenômeno do envelhecimento populacional, inobstante aos mandamentos da Lei e as conseqüências serão bastante sérias, pois o preconceito se disseminará cada vez mais fazendo com que a conquista de se poder viver durante mais tempo se torne algo não tão festejado como deve ser.