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2 O ROMANCE-FOLHETIM E A RELAÇÃO COM AS CRÔNICAS DO DESCOBRIMENTO E COM OUTRAS SÉRIES CULTURAIS

2.4 O Folhetim na Argentina

Temos muitas evidências de que o romance-folhetim na Argentina nasce de um aproveitamento da literatura oral gauchesca. A cultura oral é um manancial para as narrativas de gaúchos em todos os sentidos: versos populares, cantos com guitarras, narrativas em versos que davam uma dimensão épica para o homem dos pampas, tudo oral e aos poucos habitando também o mundo da escritura. Todo esse material já havia começado a ser trabalhado de forma escrita nos jornais e revistas argentinas quando o folhetim chegou ao país. A novidade de comunicação de massa, e também literária, que foram os romances-folhetins no país se encaixou entre o que já existia e o futuro que se abria para essa cultura. Entre os exemplos que se pode colher entre os jornais argentinos, não cabe dúvidas que devemos ressaltar o fenômeno que foi a escritura de Eduardo Gutiérrez no jornal La Patria Argentina, do qual iremos nos ocupar. Antes, porém, iremos introduzir a temática que será trabalhada pelo recém-chegado folhetim.

A temática gauchesca, conforme dissemos acima, vinha sendo trabalhada por poetas e narradores. Um deles é Esteban Echeverría, considerado pela historiografia literária como o fundador do romantismo na Argentina. Uma série de poemas seus, publicados em jornais, foram reunidos com outros inéditos e publicados em 1837 como o título de Rimas, onde apresenta os tópicos nacionalistas do romantismo. A parte mais importante desse poemário se chama La Cautiva, cujo nome passará a acompanhar as futuras publicações em livro e se converterá em obra emblema do movimento.

O poema La Cautiva tem nove partes e mais um epílogo. Echeverría abre cada parte com uma epígrafe, nas quais cita trechos de Dante, Calderón, Petrarca, Lamartine e outros. A primeira epígrafe, a que abre o livro, é um verso de Victor Hugo: Ils vant. L´espace est grand. (Eles vão. O espaço é grande, em tradução livre). Para um poema que vai falar do deserto e da pampa, e do homem que se lança nesse espaço, a primeira vista incomensurável, nada mais sugestivo do que eles vão, o espaço é grande. Para tentar apreender o ambiente dessa

narrativa em forma de verso, na qual há a proposta de um tratamento mítico para o gaúcho, transcrevemos a primeira e a terceira estrofes da primeira parte, intitulada Desierto:

Era la tarde, y la hora en que el sol la cresta dora de los Andes. El desierto inconmensurable, abierto y misterioso a sus pies

se extiende, triste el semblante, solitario y taciturno

como el mar, cundo un instante el crepúsculo nocturno

pone rienda a su altivez. (…)

A veces la tribu errante, sobre el potro rozagante, cuyas crines altaneras flotan al viento ligeras, lo cruza cual torbellino, y pasa; o su toldería13 sobre la grama frondosa asienta esperando el día duerme, tranquila reposa, sigue veloz su camino.

(ECHEVERRÍA, 1983, p. 11-12).

Nesse pequeno trecho já podemos notar algumas das características das sociedades latino-americanas, como enfatizou Pinheiro: “Migrantes, mestiças, do espaço aberto” (PINHEIRO, 2004, p. 17-18), que vão aparecer nos folhetins de Gutiérrez.

Contudo, após a consideração dos versos de Echeverría, devemos dizer que a sua obra escolhida pela historiografia como marco do romantismo é em prosa, não é em verso. Trata-se da narrativa El Matadero, um texto que tem gerado polêmica quanto ao seu gênero. Há quem o considere uma novela curta, foi catalogada como romance da linha realista, na visão que segue a proposta de Monegal em dividir a literatura latino-americana em duas vertentes: a realista, e a fantástica. Nos cursos de letras das universidades brasileiras que oferecem a disciplina Literatura Hispano-Americana a obra faz parte das leituras obrigatórias do período chamado realismo. Mas o texto também foi considerado como conto, e há argumentos de que teria sido este o primeiro conto argentino. Alguns críticos mais modernos não o aceitam como conto porque a narrativa não tem uma única unidade temática, conforme propõe Horacio Quiroga no Decálogo do autor para que um texto seja um conto. A verdade é

13 Na edição que manuseamos o editor colocou um asterisco remetendo ao pé de página – Toldería: El

conjunto de chozas o el aduar del salvaje. O homem que vive no campo, na pampa ou no deserto é o selvagem, como todo nômade. Visão esta que antepõe civilização e barbárie, como bem podemos ver no Facundo, de Sarmiento.

que apesar de se filiar à linha realista, o texto tem alguns ares de fantástico ao falar da força da natureza e do poder que a realidade tem para se forçar sobre o ser humano. Algumas sequências narrativas chegam mesmo a se parecerem com alguns contos de Selvas do próprio Quiroga. Deixaremos a discussão sobre as características formais do conto para o próximo capítulo, onde trataremos mais especificamente do conto latino-americano. Vejamos um trecho selecionado de El Matadero:

A pesar de que la mía es historia, no la empezaré por el arca de Noé y la genealogía de sus ascendientes como acostumbraban hacerlo los antiguos historiadores españoles de América, que deben ser nuestros prototipos. Tengo muchas razones para no seguir ese ejemplo, las que callo por no ser difuso. Diré solamente que los sucesos de mi narración pasaban por los años de Cristo de 183… Estábamos, a más, en cuaresma, época en que escasea la carne en Buenos Aires, porque la Iglesia, adoptando el precepto Epicteto,

sustine, abstine (sufre, abstente), ordena vigilia y abstinencia a los

estómagos de los fieles a causa de que la carme es pecaminosa, y, como dice el proverbio, busca a la carne. (…) Sucedió, pues, en aquel tiempo, una lluvia muy copiosa. Los caminos se anegaron; los pantanos se pusieron a nado y las calles de entrada y salida a ala ciudad rebosaban en acuoso barro. Una tremenda avenida se precipitó de repente por el Riachuelo de Barracas, y extendió majestuosamente sus turbias aguas hasta el pie de las barrancas del Alto. El Plata, creciendo embravecido, empujó esas aguas que venían buscando su cauce y la hizo correr hinchadas por sobre campos, terraplenes, arboledas, caseríos, y extenderse como un lago inmenso por todas las bajas tierras (ECHEVERRÍA, 1983, p. 97-98).

Salta aos olhos o estilo de Echeverría, que está descrendo a paisagem formada pela soma do Rio da Prata com a cidade de Buenos Aires, junção esta propiciada por um elemento de desequilíbrio: as chuvas. O que temos são fatos para a crônica, e o escritor não está fazendo outra coisa que utilizar o estilo dos velhos cronistas das Américas, citados retoricamente por ele como historiadores espanhóis, para fazer ele também a sua crônica, ou seja, a sua história inventada.

Echeverría escreveu El Matadero entre 1838 e 1840, obra também considerada como o primeiro texto em prosa da literatura argentina. Não vale a pena entrar em detalhes citando quais críticos ou historiadores aceitam ou refutam essa tese porque a nossa postura, a que viemos seguindo no trabalho, aponta para as Crônicas do descobrimento como os primeiros

textos literários, portanto, os primeiros textos em prosa da literatura argentina estariam lá no século XVI. Bastante irônico, como podemos ver no trecho que citamos de El Madero,

Echeverría constrói na sua narrativa um ambiente que muitos viram como uma metáfora do Governo ditatorial de Rosas. O matadouro seria a própria Argentina, nessa hipótese a obra é lida como obra realista, social e política. Echeverría constrói um núcleo duro de fatos a serem

narrados dentro de um ambiente instável e movediço, que permitem as análises marxistas que a intelectualidade latino-americana de esquerda tanto produziu no século XX. As carnes dos bezerros levados ao matadouro abastecem a elite do clero e do governo. Os pobres que se amontoam nas grades levam para casa as entranhas das reses. Com a crise nos transportes de homens e animais causada pelas chuvas, a elite passa a frequentar o lugar dos pobres e a disputar as entranhas das poucas reses que chegam ao abate no matadouro.

A ironia do narrador, sangue, morte, medo, situação de perigo e de aventura, além da luta pela sobrevivência, e várias situações grotescas dão o tom bem popular para a narrativa. Percebe-se toda uma áurea dos folhetins franceses mais carregados dos problemas sociais nesse romance-conto, ou conto-romance. Um exemplo para a ambientação da narrativa seria

Os mistérios de Paris, de Eugène Sue, e não só a atmosfera da narrativa que coloca em cena

os pobres e os problemas sociais que Sue cava no submundo de Paris. O envolvimento político-social do autor francês é paralelo ao envolvimento que o escritor argentino tem pessoalmente. Sue era um nobre francês que vai ao submundo fazer estudo de personagens para escrever seus folhetins com mais veracidade. Envolve-se tanto com as questões que se torna um político socialista. Echeverría não era de origem nobre, mas juntou seus parcos recursos para ir à Europa absorver a cultura que ele julgava imprescindível para a formação do seu espírito. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que motivavam todos os nacionalistas latino-americanos que passam a fazer parte do chamado primeiro romantismo argentino movem o escritor ao velho mundo. Apesar da admiração, não pode permanecer muito tempo na Europa por falta de recursos, mas teve tempo de ler os grandes autores do romantismo europeu. Na volta à Buenos Aires, seus escritos e sua participação política o levaram ao exílio no Uruguai, onde foi sepultado no Panteón. Sua obra é catalogada não só como argentina, mas como literatura do Rio da Prata.

Em relação ao envolvimento político dos escritores e sua relação com os jornais da época, basta lembrarmos que o romantismo teve sua primeira manifestação na Argentina com a aparição, em 1832 do poema "Elvira" ou "La novia del Plata" do próprio Echeverría, quem liderou o movimento que se concentrou na chamada Geração de 37 e teve um de seus centros no Salón Literario. También integrou a língua tradicional espanhola com os dialetos locais e gauchescos, incorporou a paisagem rio-pratense à literatura e os problemas sociais, como já vimos em La Cautiva e El Matadero. O movimento esteve intimamente ligado com o romantismo uruguaio, tanto pela amizade dos escritores de ambos os países, que provinham de uma cultura bastante semelhante, quanto pela publicação e republicação de seus textos nos jornais de Buenos e Aires e de Montevidéu.

Entre as obras mais importantes deste movimento se destacam La cautiva e El

matadero, ambas de Echeverría, como já vimos; Martín Fierro, obra prima de José

Hernández; Amalia, de José Mármol; Facundo, de Domingo F. Sarmiento; e o folhetim e obra dramática Juan Moreira, de Eduardo Gutiérrez. José Hernández recolhe e transcreve em versos a poesia oral gauchesca em Martín Fierro, um livro que também pode ser considerado

como de domínio público: criado pelo povo e editado por José Hernández. José Mármol escreve textos com os seus ideais nacionalistas libertários nos jornais e se vê obrigado a sair da Argentina por perseguições políticas de Rosas. Vai viver no Rio de Janeiro, de onde encaminha a primeira parte de seu romance para ser impresso no Uruguai. Só anos mais tarde será impressa a segunda parte de Amalia. Deixa o Rio de Janeiro em 1845 e vai viver em Montevidéu, chega a fundar três jornais, o mais importante deles foi La semana. Além dos jornais que fundou também colaborou com muitos outros jornais. Foi poeta lírico, ensaísta e crítico político, romancista e jornalista ativo. Regressou à Buenos Aires após a morte de Rosas, onde faleceu em 1871. Mármol viveu uma vida de romântico, com muitas aventuras e desventuras, das quais tirava experiências para a sua escritura. Em 1844 tentou imigrar do Rio de Janeiro para o Chile, mas as ondas gigantes provocadas por tempestades o fizeram vagar por dois meses, retornando ao Rio sem conseguir chegar ao destino proposto. A experiência da tormenta no mar foi utilizada por ele para compor parte dos doze cantos do seu poema El

perigrino, do qual os seis primeiros cantos foram publicados no ano de 1847, em Montevidéu. El perigrino é um poema inspirado em Childe Herold, um poema narrativo de Lord Byron,

mas cheios de episódios autobiográficos e autênticos da vida de Mármol, que o escrevia ao compasso das suas andanças.

Para a historiografia literária a obra mais considerada de Mármol é o romance

Amalia, que figura na vertente realista. O romance está dividido em cinco painéis, ou planos,

e consta de setenta e sete capítulos. O fio condutor do relato são as peripécias airosas de Amalia e Eduardo Belgrano. Eduardo é ferido ao tentar fugir de Buenos Aires para incorporar-se aos rebeldes que combatem contra Rosas. Seu amigo Daniel Bello o salva e lhe oferece refúgio na casa de sua prima, uma jovem viúva chamada Amalia.Os dois primos fingem ser partidários de Rosas para poder lutar contra o regime e salvar Eduardo. Amalia e Eduardo se casam na véspera de uma fuga arquitetada, mas morrem pelas mãos da Mazorca.14 Romantismo e drama, como convém à época. Não faltam no enredo uma viuvinha e um jovem

14 Refere-se à Sociedade Popular Restauradora, que apoiava o governo de Juan Manuel de Rosas, na

enamorado, nem a luta dos bons contra os maus, mas sem final feliz. Um folhetim para fazer a juventude chorar no final.

Nessa obra, escrita durante o exílio em Montevidéu – há pistas de que haveria escrito uma parte no Rio de Janeiro – Mármol se propôs a narrar a situação política que se vivia em Buenos Aires em 1840. Ironicamente ele desloca o tempo na narrativa para que o leitor contemporâneo seu pense que está lendo sobre fatos que se viveram no passado, e não na atualidade. Mescla personagens reais com personagens inventados por ele. A mesma técnica de alterar o tempo dos fatos históricos e mesclar realidade com ficção que fazem García Márquez em El Otoño del Patriarca, e Roa Bastos em Yo el Supremo, claro que de maneira muito menos elaborada. Além das várias análises socialistas de orientação marxista que se fizeram da obra em mais de cem anos, como obra de denuncia social, obra engajada, ou literatura realista, o que não é um desacerto, devemos notar que o romance se estrutura a partir de vários elementos do romance-folhetim. E que, do ponto de vista artístico, o que lhe garantiu o êxito foi justamente a proposta de descrever com ironia retrospectiva a situação de personagens que viviam na atualidade, criando uma ilusão. Se o tempo da narrativa fosse o mesmo das pessoas reais, teria ficado no texto jornalístico apenas, e integraria a literatura panfletária. Com o deslocamento do tempo a narrativa pode ser consumida como ficção, inclusive pelas mocinhas da elite, integrantes da Sociedade Popular Restauradora. Por esta razão, o trabalho com o aspecto social e com o tempo, ainda se discute se Amalia é um romance histórico ou político.

Entretanto, o grande sucesso de vendagem e de cultura de massa foram os romances- folhetins gauchescos de Eduardo Gutiérrez, o principal escritor na modalidade como já dissemos. Ele publicou muita coisa, mais de trinta livros. O grande sucesso de vendagem, que devemos ressaltar não apenas pelo êxito comercial, mas porque refletiu a efetividade da recepção por parte dos leitores, se concentrou em torno de nove romances-folhetins publicados no jornal matutino La Patria Argentina. Rodríguez McGill resume em poucas

linhas a tipologia e a proficuidade da escritura de Gutiérrez:

Este éxito, popular y masivo conseguido por Eduardo Gutiérrez tuvo su génesis en al año 1879, cuando publica su Juan Moreira en el matutino La Patria Argentina, y con este folletín abre un ciclo de nueve novelas

gauchescas que se extenderán desde 1879 hasta 1886. No obstante, la obra literaria de Gutiérrez se explaya para incluir un total de treinta y siete obras, de las cuales, nueve completan el ciclo gauchesco, nueve pertenecen a su serie histórica y diecisiete son clasificadas como folletines policiales. Sólo dos obras, no pertenecen al género folletín. Por lo tanto su producción escrito-literaria es prolífica, especialmente si se considera que toda ella es

producida en un período de nueve años, entre 1879 y 1888 – año de su muerte (MCGILL, 2008, p. 1).

Um caminho para os estudos da cultura de massa seria a análise desses dezessete folhetins policiais. Por ora, deixaremos registrado que houve essa produção, para nos concentrarmos no que mais nos interessam, os folhetins gauchescos que vão de Juan Moreira

(o primeiro, em 1879-1880) até Los Hermanos Barrientos (o nono, que cerra o ciclo em

1886), todos publicados no jornal La Patria Argentina. Essa série de folhetins gauchescos não marca o primeiro encontro dos argentinos com a literatura popular impressa, mas marca o primeiro encontro com que Martín-Barbero chama de massivo,15 a chamada cultura de massa. Devemos considerar que os argentinos da elite já liam romances impressos como Amalia e traduções dos folhetins franceses, além dos originais que vinham em francês e inglês. Mas nada havia sido tão massivo antes, e tão nacional como esses folhetins, sem se declarar tão político como haviam feito as obras anteriores. O folhetim argentino parece, à primeira vista, uma narrativa de aventura sobre homens fora da lei, ou meros desventurados, para entreter – para alienar, dirão os mais críticos –, mas aos poucos ele vai levantado os problemas sociais e se metendo no campo político. É uma pílula caramelada por fora que vai ficando amarga à medida que se vai digerindo.

O folhetim argentino também parte do modelo francês, mas acrescenta a cultura gauchesca: o falar e o cantar do gaúcho muda a linguagem, o ritmo, o ambiente etc., assim como o México acrescenta o tema da revolução no seu folhetim. Sobretudo, o folhetim na argentina é uma escritura que se encontra com o povo, “o qual se reconhece nela”, dirá Martín-Barbero. León Benarós observou o fenômeno que foi o folhetim de Gutiérrez na Argentina: “Pela primeira e última vez o público se abarrotava nas portas do diário La Patria

Argentina para seguir o folhetim que Gutiérrez havia escrito quiçá na noite anterior ou alguns

dias antes” (BENARÓS, 1960). O crítico Roberto Giusti considera que aquela era uma época modernizadora, e Eduardo Gutiérrez e José Hernández eram os dois autores nacionais mais fielmente lidos daqueles dias.

A biografia de Gutiérrez diz que ele nasceu em Buenos Aires em 1851, e morreu na própria Argentina em 1889, portanto, teria vivido um ano mais do que diz McGill. Elucidar essa dúvida não é tão importante no momento. Devemos considerar com mais atenção a sua relação com os jornais. De formação autodidata, começou a trabalhar em periódicos aos 15

15 Ver a diferenciação que Martín-Barbero faz entre “popular” e “massivo” no livro Dos meios às

anos de idade. Entre 1870 y 1880 serviu no exército, logo depois passou a se dedicar ao jornalismo e à escritura de folhetins. Os personagens de seus mais de 30 livros foram tirados dos arquivos policiais nas comissárias de polícia, das crônicas jornalísticas de crimes comentados pelo povo e de entrevistas pessoais que ele fazia com criminosos famosos na cadeia pública. Seus personagens folhetinescos eram baseados em tipos humanos reais, que assumiam graus variados de heroicidade, todos marginalizados pela origem, por circunstâncias pessoais ou sociais. Uma das práticas de Gutiérrez era a seguinte: crônicas policiais publicadas nos jornais, contando crimes reais cometidos por gaúchos ou condenações dos criminosos eram estudadas e reproduzidas em forma de folhetim nos próprios jornais por Gutiérrez, que cada vez ganhava mais espaço nos jornais de maior prestígio do país.

Além de autodidata, Gutiérrez teve formação literária para pertencer ao clube dos escritores seletos de sua geração. Não o fez pela opção de se dedicar intensamente ao folhetim. Seu tio Bartolomé Hidalgo foi o criador de "cielitos", um poemário patriótico sobre a independência da Argentina, e outra parte posterior sobre a independência do Uruguai. Seu irmão, Ricardo, foi um poeta gauchesco que se tornou um prestigiado médico, e seu cunhado foi ninguém menos que Estanislao del Campo, autor do Fausto criollo. Seguramente essa