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A-,1.5 - Os mercados do vinho do Douro

Aludimos nas páginas precedentes ao problema dos mercados do vi- nho do Douro e salientámos o lugar primacial ocupado pela cidade do Por- to.Vimos ainda que o segundo grande mercado era a capital do Reino,pa- ra onde seguiam todos os anos quantidades apreciáveis - algumas das quais podemos conhecer.Ei-las:

- em I588 (entre 9 de Abril e 5 de Setembro) - 1593 pipas (106) - em 1592 (entre 3 de Fevereiro e 31 de Julho)- 2398 " (107) - em I615 (entre 30 de Março e 17 de Agosto) - 769 " (108) - em I6l6 (mês de Fevereiro) - 205 " (109) - em 1622 ( todo o ano) - 5722 " (110) - em 1626 (; » " ) _ i+890 " (111) - em I63I (alguns registos) - 626 " (112) A referência frequente nas fontes a pipas "terçadas",isto ê,a

pipas cuja terça parte ficava obrigatoriamente na cidade,permite-nos supor que a quantidade de vinho que cada ano saía pela foz do Douro era muito elevada,na ordem dos números documentados para 1622 e I626.

Se exceptuarmos a notícia,de resto inexpressiva, do envio de uma pipa para França (113) e da remessa repetida de quantidades apreciáveis para a Galiza,são muito escassas as provas documentais claras acerca da exportação de vinho do Douro para a Europa.Ko entanto,em 1629 Balta- sar Pelles Sinel fez carregar várias pipas para diversas partes,presu- mivelmente para o norte europeu,de onde cremos ser originário.(114) E em I638 os Procuradores do Povo embargaram a partida de naus para fora do Reino por conterem bacalhau que,no seu entender,fazia falta à popu- lação.Mas ,para além do peixe,o carregamento era constituído por farinhas, azeite e vinho.(115)

E o que era embarcado para Lisboa não seria reexportado através daquele porto,talvez com outro nome?

Além disso,frequentemente apareciam no Porto agentes dos Provedo-

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pra de"vinhos de Lamego" como,por vezes,se refere nos documentos.« Cllé) De cada vez embarcavam centenas de pipas. Não raro surgiram con- flitos com os governantes portuenses quando estes queriam obrigar os agentes a deixar na cidade o terço das aquisições.

0 vinho do Douro muito justamente era apreciado pelos soldados castelhanos. Em Agosto de l6l3, quatro caravelas partidas do Douro carregadas de vinho , antes de ancorarem em Lisboa, foram desviadas violentamente por militares castelhanos e levada a carga para os seus depósitos.(117)

Este acto de pirataria domestica deve ter sido o primeiro gran- de desvio do generoso liquido. Era breve, a Europa aprenderá a apreciar as qualidades do vinho do Douro e a apetecer as cargas preciosas que do Porto partiam rumo ao Norte.

As colónias, por seu lado, constituíam razoáveis mercados para o produto, em especial o Brasil. Mas ai os vinhos nacionais tinham que contar com um sério concorrente que eram as Ilhas Canárias.

Tal companhia não agradava aos produtores reinícolas. os quais procuraram combatê-la e anulá-la. Nas Cortes de Lisboa de 1619- os Po- vos denunciaram a concorrência que os vinhos das Canárias faziam aos nacionais, procedentes de Viana, Monção, Lamego, Porto, Algarve e Madei- ra e reivindicaram do Rei a suspensão das licenças de exportação da- queles vinhos para o Brasil ou, em contrapartida, permitisse a aber- tura dos mercados das índias Castelhanas aos nacionais.

A resposta do Soberano esteve longe de satisfazer o pedido das Cortes e, por isso, a concorrência deve ter prosseguido atê" ao fim da

dominação filipina0(lio)

4.1.6 As questões da "beneficiação" e das "misturas" dos vinhos do Douro

Sabe-se que os vinhos do Douro desde longa data eram "beneficia- dos" juntando-se-lhes um pouco de aguardente que intensificava o se" aro- ma natural, o tornava mais encorpado e o conservava por longo tempo.

Ora, tem-se atribuido aos inícios do sêc. XVIII o começo da bene- ficiação do vinho do Porto.(119)

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ciação, independentemente das carecterísticas técnicas nele usadas, deve ser revista. Na verdade, encontramos documentação dos fins do 12 quar- tel do sêc. XVII que nos sugere que já então o vinho "fino" do Douro era beneficiado. Com efeito, em 26 de Abril de I626 o rendeiro da Impo- sição dos vinhos quisera obrigar o mercador António Bernardes H regis- tar as 93 pipas que trazia de Riba Douro e a pagar os direitos corres- pondentes. 0 mercador pretendeu esquivar-se a assinar a escrituração

e a fugir ao tributo, pretextando que se tratava de vinho destinado à real Armada do Mar Oceano. Ora ê a argumentação usada por António Bernardes que nos esclarece sobre a questão posta .

Declara ele que "j^ara remir sua avexação e que portestava não pa-

. ~ a gar imposição parcoanto os ditos vinhos erao pêra armada de sua magestade

deste mar oseano de que he feitor o dito Manuel Gomez da Costa que tem obrigação prover porquanto os vinhos que estavão nas barauas que vierão de sima de douro que era necesario beneficialos e com muita brevidade embarqualos ..."( 120

Sabemos, ainda, que os Jesuítas igualmente beneficiavam os seus vinhos.De facto, pelos anos 20 do séc. XVII os inacianos, como disse- mos, produziam cerca de 60 pipas por ano na sua quinta do Alto Douro, as quais "se grangeava, cultivava e beneficiava por ordem do Colégio e por sua conta e risco as mandavam vir e recolher numa logea que ti- nham em a Lada..." Prr os seus vinhos serem "mui limpos e puros, sem mistura alguma de outror. e colhidos e feitos com muita perfeição" pre- tendiam vendê-los pelo preço que entendessem justo, sem nisso interfe- rir e almotaçaria. (121 )

Qual o tipo de benefício?Junção de aguardente? Não sabemos. De qualquer modo, a datação dos inicios do benefício parece que deve ser recuada, mesmo que a este novo tipo de vinho não se lhe chamasse ainda vinho do Porto.

A argumentação dos Jesuítas põe-nos perante um outro problema, respeitante aos mesmos vinhos: desde quando é que podemos datar a tenta- ção de misturar vinhos bone com outros menos bons (a que Guerra Tenrei- ro chama o pecado original do Douro ( 122) numa tentativa falaciosa de aumentar a produção e os lucros?

0 mal vem de longe. Os acórdãos municipais do Porto de I587 proí-

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bem o "calabrear" de vinhos:" a pessoa que se achar ou se provar que calabreou algum vinho ou fez alguma mistura nelle pagara de pena 6$000 reis". Pela mesma razão aí se proibia que a mesma casa vendesse duas qualidades diferentes de vinho ou que tivesse simultaneamente aberta mais que uma torneira. ( 123$

Este acórdão ê reapregoado várias vezes no decorrer do período aqui estudado. Logo em 1588 se proíbem misturas de vinho novo com velho maduro ou verde, (I2*f ) ordem retomada em 1590.(125) Mas em l6l2 os ter- mos em que a mesma legislação êpublicitada são mais sugestivos:"por- quantto avia muita desordem nisso e se despejava a cidade de vinhos e muitas pipas de vinhos dos terços se davão a pesoas que o não vendião ao povo e o guardavão para no tarde o venderem as pipas a mayores preços

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e pêra fazerem misturas com vinhos verdes..." E a argumentação dos Je- suítas em 1629 constitui de modo subentendido mas irrefutável a prova de que então não faltava quem misturasse vinhos bons com outros de infe- rior qualidade.

0"pecado original do Douro" ê mais antigo do que ^ensava Guerra Tenreiro e a tentação de "calabrear" o vinho do Douro com as suas impli- cações no aparecimento de novo tipo de vinho, deve recuar-se mais para trás do que sugerem recentes estudos.(12?)

^.1.7 A comercialização do vinho na cidade e a intervenção das autoridades concelhias

A carga vínica transportada até ao Porto nos barcos vindos de Riba Douro, tinha um de dois destinos: ou era recolhida nos armazéns de Mira- gaia e talvez Vila Nova ( 128) para ser reembarcada para fora, depois de apartada a terça parte a fim de ser comercializada na cidade; ou era des- tinada na totalidade à transacção na mesma cidade e arrabaldes.(±2 9)

Neste último caso,a mercadoria primitivamente vendia-se ao povo ainda sobre as águas,antes de se efectuar a descarga.(i3o)'ías,em I587, os Vereadores determinaram que,"nos tempos de agora" não sendo sofrível manter o costume por não ser serviço de Deus,nem do Rei,nem da cidade,o

vinho se vendesse no interior c1 o burgo e arrabaldes e não nas barcas. (I3I)

A quem não agradou a inovação foi aos Procuradores do Povo que logo pro- testaram e prometeram requerer sua justiça.Alegavam os representantes

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populares que alterar o sistema era beneficiar os mercadores e prejudi- car a população consumidora que, devido ao aumento de intermediários

e à regatice mais que certa7teria que pagar o vinho mais caro.

A plebe deve ter exposto ao rei os seus agravos, o qual em 1591 arbitrou que os vinhos vindos de Riba Douro se vendessem sobre as bar- cas como era costume.(132)

Não sabemos quanto mais tempo sobreviveu o velho uso de mercade- jar o vinho "â_ prancha".

Em 159^» de novo, os procuradores do povo requeriam que ele se mantivesse(133 ) sinal de que as forças da governança,aliadas dos mer- cadores, insistiam na introdução do novo e, pelos vistos, impopular sis- tema. Mas, em I608, a Vereação sem que, os Procuradores do Povo mostrem qualquer oposição, deixa ao critério dos fornecedores o vender o vinho sobre a água ou nas"l6geaá'. &J>k ) A partir dai não mais se fala em tran- sacção sobre o rio!

Quanto ao vinho armazenado em Miragaia, nem todo acabava por ser exportado. De facto, quando o preço autorizado pelo Senado era compensa- dor, os donos preferiam vendê-los localmente: assim aconteceu, por exem- plo, no verão de I608. Devido à má produção de vinhos maduros (ao con- trário dos verdes em que a colheita fora excelente) a Câmara deixou ven- der livremente a produção destinada a embarque.

Alguns mercadores, atendendo aos altos preços que podiam praticar, (acima de 10 reis o quartilho) transaccionaram as quantidades que pude- ram.

Quanto aos vinhos de cutelo, era permitido a seus donos armazená- -losnas próprias "logeas" e vendê-lo a retalho através de seus criados devidamente ajuramentados ou, se assim o entendessem, entregá-lo à ven- dagem a pessoas autorizadas pelos vereadores.(135) Em qualquer dos casos, os vinhos assim rotulados não podiam ser arrematados por junto. A desvan- tagem para o consumidor é que em geral cnstavam mais caro um real ou mais por quartilho que os de igual qualidade adquirido nos taberneiros apro- vados e obrigados. (136)" Não obstante a oposição que algumas equipas de vereadores opuseram a esse privilégio(por exemplo,em 1613, Simeão Alvo viu indeferida a sua pretensão de licença para vender a sua (?) produção a preços superiores aos da postura)(137) ele perdurou. Em 1629» os Jesuí-

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tas obtiveram sentença para levarem mais 1 real de que as posturas