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CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES, DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E QUALIDADE

3.1 Formação continuada de professores: concepções e práticas formativas

A prática educativa enquanto prática social expressa a lógica do modelo social vigente, estabelecendo uma relação dialética entre educação e sociedade. Nos anos de 1960 até meados de 1970, no Brasil, a educação e a formação docente guiaram-se por influências da concepção positivista que entendia poder calcular probabilidades e coordenar os meios corretos com um fim determinado, adotando uma postura metodológica de cunho técnico, instrumental, útil, imediata, lógica e pragmática. Sob a influência dessa concepção a formação continuada buscou sua fundamentação teórica no tecnicismo skinneriano, na teoria de sistemas e no estruturalismo racionalista. A adoção desse referencial teórico se baseava na crença de que a escola só se tornaria eficaz se adotasse o modelo empresarial, o que significava aplicar o modelo de racionalização, típico do sistema de produção capitalista.

Este modelo orientou a estruturação das escolas e os objetivos educativos no sentido de adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica, o que decorria a ênfase na preparação de mão de obra qualificada para a indústria. A formação dos professores, que se dava por meio de treinamentos, utilizava-se de recursos didáticos de tecnologia educacional (filmes, slides, máquinas de ensino, módulos de ensino, etc.) que deveriam garantir o alcance dos objetivos educativos. Nessa perspectiva, o professor era um técnico, restringindo-se à instrumentalização técnica e a um mero reprodutor, que deveria

garantir objetivos pré-definidos. A ideia-chave, segundo Frigotto (1996, p. 41) “é a de que um acréscimo marginal ou instrução, treinamento e educação, corresponde a um acréscimo marginal de capacidade de produção”.

Tal influência não ocorreu de forma pura, fato que nos meados dos anos de 1980 as teorias críticas concebem a educação como mediação de um projeto social podendo se constituir num campo de luta pela transformação da sociedade, atingindo aspectos políticos, mas, também, sociais e econômicos. No que se refere à formação de professores em serviço, surgem, no final desta década, as primeiras críticas aos chamados cursos que, naquele período, recebiam denominação de treinamento, reciclagem, aperfeiçoamento e capacitação, oferecidos aos professores, por variadas instâncias formadoras ao longo desta década e que se estenderam na década seguinte até os dias atuais.

Como não foi objetivo deste estudo analisar as concepções teóricas que sustentam essas propostas formativas, faço uma breve exposição, a partir de Ferreira (1975) do sentido que estes apresentam.

Treinamento – apresenta uma perspectiva mecânica, repetitiva, cujo foco principal é a modelagem de comportamento. No dicionário de Ferreira (1975) designa treinar, tornar apto, destro, capaz de realizar determinada tarefa ou atividade, habilitar, adestrar. Nessa perspectiva, assim como na reciclagem, os objetivos e os conteúdos dos cursos são definidos por especialistas ou grupo de especialistas, sem a participação daqueles que serão treinados ou reciclados, no caso os professores. Essa perspectiva divorcia-se dos saberes e dos fazeres docentes, caracterizando-se mais como um receituário que reduz e fragmenta a formação a meras indicações do como fazer, que nada contribui para um trabalho pedagógico consciente e transformador.

Reciclar – termo utilizado no processo de produção industrial, cujo significado pode ser atribuído como (re)fazer, fazer novamente. Seria o professor melhor qualificado se “aprendesse” alguns conhecimentos que lhe possibilite fazer aquilo que não sabia, ou dar uma forma diferente ao mesmo conteúdo, reaproveitando o conhecimento.

Aperfeiçoamento – este termo se associa à ideia de que o indivíduo é um eterno vir a ser no mundo, indicando que ele está em permanente construção/reconstrução, num processo cíclico e inacabado. Em Ferreira (l975, p.114) este termo encontra-se definido como “tornar perfeito ou mais perfeito, concluir com esmero, dar a última demão, acabar, completar, perfazer ou completar (o que estava incompleto), adquirir maior grau de aptidão, emendar os próprios defeitos, corrigir-se, emendar-se”.

Capacitação – esse termo tem sido utilizado em cursos pontuais, adotando uma concepção de capacitar ou tornar capaz, habilitar mediante cursos ou palestras, tidos como espaços para incorporar “o que falta” para superar a ignorância. Nessa perspectiva, o professor é tido, na concepção freireana, como uma tábula rasa, o que não conhece, que não sabe, que não é capaz, que não está habilitado, em que o conhecimento aparece de forma dogmática e o especialista (formador) é tido como único detentor do saber.

Todos esses cursos se expressam por um tipo qualidade que deve garantir a eficácia da economia da sua realização. Por meio de cursos pontuais e, muitas vezes, de curtíssima duração, o professor deve aprender conhecimentos e desenvolver habilidades, atitudes e competências adequadas à sua intervenção de sala de aula. As orientações desses cursos, calcadas de racionalidade técnica propõem receitas de intervenção que devem, no âmbito da prática docente, garantir os resultados previamente definidos. Para Nóvoa (1992), esses modelos tem relação com o processo de racionalização do ensino que busca o controle do ato educativo, como forma de eliminar os fatores externos e imprevisíveis que possam atrapalhar o desenvolvimento do processo educacional.

Nesse sentido, Pérez Gómez (1998) enfatiza que a figura do professor compara-se ao de um aplicador, no chão da escola, de conhecimento científico produzido por outros e transformados em regras de atuação. Igualmente, as concepções que conduzem ao planejamento de cursos de curta duração, descontextualizados e distantes dos saberes e práticas do professor, por serem guiados por inovações educacionais, produzem resultados insipientes, uma vez que, ao serem definidos noutras instâncias distantes do cotidiano escolar, não refletem as reais necessidades e os interesses daqueles que exercem suas práticas e suas subjetividades.

Outra característica deste modelo é o caráter homogeneizador da formação continuada, que dificulta a existência de mecanismos que valorizem as dimensões pessoais e coletivas do professor. A falta de articulação da formação continuada com a escola e seus projetos contribuem para o desenvolvimento de uma prática formativa que não valoriza a prática do professor e seus saberes. Na apreciação de Tardif (2007), o professor torna-se um ator, cuja tarefa é cumprir a transmissão de saberes sem nenhuma relação entre si, de modo que seus saberes, neste caso, vinculam-se à competência técnica e pedagógica para transmitir saberes produzidos por especialistas ou grupos de especialistas, exteriores ao seu contexto de atuação.

A ineficácia dessas modalidades formativas, de acordo com Fusari (1988) se consistia (e ainda se consiste) em propostas fracassadas. A partir desses descaminhos porque

passou a formação continuada de professores, diferentes autores propuseram novos enfoques teórico-metodológicos, sugerindo que estes profissionais deveriam ser envolvidos e se envolverem numa formação que ocorra em processo contínuo de qualificação profissional, considerando aspectos, como: lacunas não preenchidas na formação inicial, para suprir o trabalho pedagógico no espaço/tempo de sala de aula; o cotidiano da escola; a valorização dos saberes e fazeres docentes, sugerindo que os planos de formação devem atender às reais necessidades dos docentes; a cultura escolar; a autonomia da gestão escolar e o contexto em que a escola está inserida

Esta virada paradigmática no pensamento educacional e na formação docente aproxima-se da tentativa de superação da visão linear e mecânica do conhecimento e dos processos de formação de professores. A ideia em torno da superação da dicotomia teoria- prática na formação docente e de autonomia dos sistemas de gestão foi muito difundida, sobretudo a partir da segunda metade da década de 1990, quando o Estado brasileiro passou por profundas reformas, tanto no plano institucional quanto nas políticas sociais, incluindo-se na educação e na formação de professores. As mudanças no setor educacional foram amplamente favorecidas pela “nova” LDBEN e pela institucionalização de normas e/ou leis que produziram significativas reformas no campo das políticas educacionais, principalmente no que tange à formação docente (inicial e continuada) e no atendimento escolar.

A partir de então, as discussões que tratam da formação de professes ganharam novas luzes, que passaram a dar destaque ao papel docente enquanto sujeito/ator social, cuja atividade profissional está associada à atividade de pesquisa, ensejando que esta seja contínua e permanente e que seja atrativa para o professor. Entre os autores que discutem nessa nova perspectiva encontramos Imbernón (2006; 2010) que ao tratar da formação continuada, atribui um conceito que se vincula ao desenvolvimento profissional, que, segundo ele, traduz uma conotação de evolução e continuidade, ultrapassando a justaposição entre formação inicial e aperfeiçoamento profissional dos professores. Além disso, aponta para a valorização dos aspectos contextuais, organizativos, orientados para a mudança na cultura da formação docente.

Garcia (1999) é outro autor que enriquece o conceito de formação continuada ao descrevê-la como área de investigação e de propostas teóricas e práticas que ganha sentido no âmbito da organização escolar e das práticas educativas, por meio das quais os professores se implicam individualmente ou no coletivo em experiências de aprendizagens através das quais adquirem ou melhoram seus conhecimentos, competências e disposições que lhe permitem intervir no desenvolvimento e na construção de práticas construtivas no âmbito da escola.

Acrescenta o autor que por meio da formação continuada, os estudantes podem ser implicados num processo que aproxime o ensino à qualidade da educação de que precisam para se apropriar de bases que sustentem seus processos formativos.

Na perspectiva da formação enquanto processo contínuo e dinâmico, os planos levam em consideração o professor enquanto sujeito, bem como as suas reais necessidades e, desse modo, a prática educativa se enriquece e ganha sentido e significado. Do ponto de vista da complexidade que envolve os processos formativos de professores, Imbernón (2006) analisa a formação como uma síntese que engloba diversos componentes, tais como: cultura; contexto, conhecimento disciplinar, ética, competência metodológica e didática; e como um espaço/tempo essencial para a socialização profissional de uma determinada práxis contextualizada. Assevera o autor que formação continuada e desenvolvimento profissional formam um conjunto necessário para o desenvolvimento da profissão docente.

Outro autor que contribui de modo significativo para compreender o desenvolvimento profissional docente é Antônio Nóvoa, cuja proposta desloca-se para além das vertentes tradicionais que, segundo ele, desmerecem as articulações com os projetos da escola, bem como ignoram o desenvolvimento pessoal do professor, o que inviabiliza que a formação tenha como eixo de referência o desenvolvimento profissional dos professores, no plano individual e no coletivo do trabalho docente escolar. Na verdade, o que Nóvoa (1992) ajuda a perceber é uma separação, na formação docente, dos aspectos técnicos e políticos, dimensões que precisam estar articuladas para dar primazia a pessoa do professor, a profissão do professor e a organização escolar, dimensões que, além de precisarem estar articuladas, não podem ser esquecidas quando se intenciona desenvolver uma formação continuada que produza mudança na qualidade da prática do professor.

Na perspectiva desse autor, a formação docente não deve ser desenvolvida exclusivamente nos espaços/tempos das instituições formadoras, mas principalmente, pela relação com o saber que se encontra no cerne da sua identidade profissional, o que requer considerar a sua prática como acumulador de experiências, de trocas e de interações, posto que é da troca de experiências e da partilha de saberes e fazeres que se consolidam espaços/tempos de formação, aonde cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando, atribuindo-lhe o protagonismo e a autoria do seu processo formativo.

Noutra análise, encontramos Schön, que defende um modelo de formação de professores numa ótica reflexiva das ações do sujeito, onde a prática se constitui como elemento central, constituindo-se como espaço/tempo de aprendizagem e de construção do

pensamento prático do professor. A perspectiva de Schön (1992; 2000) envolve o modelo reflexivo a partir de conceitos e/ou movimentos básicos, onde a ação, entendida como toda atividade profissional do professor, e a reflexão constitui o cerne da prática docente que são adquiridos através da experiência e da atividade cotidianas do professor, em situações reais do exercício profissional.

Zeichner (1993) propõe compreender o processo de formação como base fundamental na produção de conhecimento sobre e para o ensino, a partir da reflexão na e sobre a prática do professor. Para este autor, a prática reflexiva possibilita ao professor problematizar a própria prática, o que o levaria a problematizar-se. Na ótica deste autor a prática reflexiva ajudaria o professor perceber os condicionantes internos e externos, permitindo-lhe avaliar sua própria prática no contexto das necessidades dos seus alunos e dos próprios condições sociais onde sua prática se insere.

Já no dizer de Libâneo (1998), a reflexão constitui uma estratégia que possibilita ao professor transformar-se em pesquisador, produzindo mudanças na sua prática e enriquecendo seus conhecimentos, abrindo caminho para a conquista da sua autonomia profissional. Ao se referir ao caráter reflexivo da formação continuada, o autor aponta que, nessa perspectiva, o professor participa ativamente dos problemas e, à luz da teoria, analisa suas práticas, rever suas rotinas, encontra novas soluções, experimenta novas formas de trabalho, organiza novas estratégias e procedimentos.

Por outro lado, Sacristán (1991) enfatiza questões que em maior ou menor grau, inviabilizam a possibilidade do domínio de conteúdos por parte do professor em programas de formação. Segundo afirma, além do professor precisar dominar um conjunto de conhecimentos específicos sobre a educação, as influências políticas, econômicas e culturais, bem como a situação da (des)profissionalização constituem elementos que incidem sobre os saberes e fazeres docentes no âmbito da sua prática social. Para este autor o processo educativo enquanto prática social envolve sujeitos que refletem a cultura e os contextos sociais a que pertencem e, desse modo, a interação pedagógica do professor é influenciada pelo modo como pensa e como age nas diversas esferas da sua vida. Formar professores indica, portanto, que é muito mais que prepará-lo para o domínio de competências técnicas, posto que além das competências, mobiliza a pessoa do professor na sua multidimensionalidade, o que por si mostra a complexidade e os desafios de articular saberes docentes e práticas pedagógicas de professores em processos de formação.

Em grande proporção, os autores que tratam das tendências atuais para a formação continuada de professores, incluindo Candau (1996), defendem que a formação deve ser

pensada sobre quatro importantes bases: o lócus a ser privilegiado na formação é a escola; o processo de formação continuada deve ter com referência os saberes e fazeres docentes mobilizados no cotidiano de sala de aula, mas não se limitando a este; o adequado desenvolvimento dos processos de formação devem considerar as diferentes etapas ou níveis de formação profissional; os planos de formação continuada devem ser abertos à participação dos docentes, propiciando a emergência das suas necessidades e considerando a singularidade de cada escola.

Há que considerar nestas tendências a necessidade de um esforço em diversificar as estratégias e espaços/tempos de formação continuada, como forma de abrir possibilidades para a socialização de experiências que vão de encontro aos modelos formais comumente propostos e realizados. Todavia, a escola e o seu cotidiano devem ser tomados como potencial espaço/tempo da formação. É do e no cotidiano que professores elaboram, reelaboram, fazem descobertas e aprendem a (re)significar seu papel e suas práticas, bem como aprimoram sua formação. Um processo de formação continuada de professores que tem como princípio a qualificação do trabalho docente e o processo ensino-aprendizagem deve recuperar a escola enquanto espaço/tempo político pedagógico, fortalecendo internamente os pensares e fazeres escolares de modo a produzir mudanças significativas nas práticas e na cultura escolar e organizacional da escola. Nesse sentido, o chão da escola e o cotidiano dos professores precisam, também, ser (re)significados na formulação de políticas públicas que tenham como horizonte a qualidade da educação.

3.2 Formação continuada de professores: a qualidade da educação como foco das

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