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A formação de professores no período pós-ditadura militar (1985 à década de 1990): o renascimento do movimento de educadores

CAPÍTULO 1 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA POLÍTICA INOVADORA A PARTIR DO PERÍODO 1960-1980.

1.4 A formação de professores no período pós-ditadura militar (1985 à década de 1990): o renascimento do movimento de educadores

O período pós-ditadura militar constituiu importante cenário, marcado por grandes tensões e transformações no quadro da formação de professores. No âmbito do frutífero movimento nacional pela recuperação do Estado de Direito, ressalto o movimento dos educadores reunidos nos fóruns em defesa da escola pública por uma educação de qualidade, bem como pela formação de professores.

Em clima de mobilização e inconformismo, foi realizado, ainda no âmbito do regime militar, já enfraquecido, em 1978, na Unicamp, por iniciativa do Centro de Estudos de Educação e Sociedade (CEDES), o I Seminário de Educação Brasileira, espaço em que os educadores reunidos reivindicavam o direito de participar e inferir na definição das políticas públicas educacionais.

A década de 1980, ao contrário do significado que teve para a Organização das Nações Unidas (ONU) e demais agências internacionais que representavam a hegemonia econômica ao considerar o período como década perdida, para os educadores significou o marco da reação ao pensamento tecnicista das duas décadas anteriores. O movimento durante

esse período apresenta resistência ao Conselho Federal de Educação, por meio de debates e manifestações. Esse movimento surgiu especialmente nos programas de pós-graduação, espaço de crítica e resistência ao regime militar que tinha a intenção de mobilizar educadores, poder público e sociedade em geral, chamando a atenção para a importância da educação e das políticas educacionais.

Como expressa Saviani (2007, p. 402)

A organização dos educadores na referida década pode, então, ser caracterizada por meio de dois vetores distintos: aquele caracterizado pela preocupação com o significado social e política da educação, do qual decorre a busca de uma escola pública de qualidade, aberta a toda a população e voltada precipuamente para as necessidades da maioria, isto é, da classe trabalhadora (representado pelas entidades de cunho acadêmico); e outra marcada pela preocupação com o aspecto econômico-corporativo, portanto, de caráter reivindicatório, cuja expressão mais saliente é dada pelo fenômeno das greves que eclodiram a partir do final dos anos 1970 e se repetiram em ritmo, freqüência e duração crescente ao longo da década de 1980.

Na mesma direção, Cunha (1981) aponta que o arrefecimento gerado no interior desse movimento contribuiu para a criação, em 1979, da Associação Nacional de Educação (ANDE), com o objetivo de congregar os educadores em torno da defesa da escola pública, universal e gratuita. Ainda durante esta década, em 1978, a partir da iniciativa da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foi constituída a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), que reuniu os programas de pós-graduação em educação. A partir de 1980 passaram a ser realizadas conferências em todo o país, coordenadas por estas entidades, que tinham como objetivo, entre outros, o de divulgar o conhecimento produzido no campo educacional e questionar as diretrizes educacionais implantadas no período.

No entendimento de Germano (1993) a realização desses encontros possibilitou a circulação de vasta produção teórica, que procurava romper com as concepções vigentes e refletir acerca das mudanças em curso. Como bem se expressa o autor (1993, p. 150)

Essa produção ocorre na medida em que uma camada de intelectuais, cada vez mais numerosa, e quase sempre vinculada à universidade, procura, ao exercer a crítica à educação, efetuar, sobretudo, uma crítica da sociedade estabelecida e de sua dimensão em classes sociais. A sociedade não é encarada como uma entidade abstrata, mas como uma realidade dotada de conteúdo histórico-concreto, que encontra sua determinação na existência do modo de produção capitalista, no país.

Na primeira Conferência Brasileira de Educação, que aconteceu em São Paulo, foi organizado o Comitê Pró-Formação do educador, que se propôs a coordenar e a socializar as discussões acerca da formação de professores, no Brasil. Esse comitê teve sua sede, inicialmente, em Goiânia, até 1982, quando foi transferido para São Paulo34.

A crítica ao tecnicismo (pedagógico e do ensino), vigentes durante a década de 1970 foi objeto de estudo da produção teórica do período. Entre os educadores críticos ao modelo tecnicista, destaca-se Saviani (1989) que denuncia ser essa concepção uma expressão concreta da pedagogia oficial dos governos militares, organizada a partir dos princípios da racionalidade, da eficiência e da produtividade. Nesse sentido, o sistema educacional, segundo esse autor, deveria pautar-se pela visão científica da administração gerencial, o que levaria à otimização na utilização dos meios, possibilitando um produto com maior qualidade e menos custo. Essa concepção, de acordo com Saviani (1989, p. 24) traduz

O parcelamento do trabalho pedagógico com a especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino de técnicos das mais diferentes matizes. Daí, enfim, a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas e planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas.

Por outro lado, Candau (1982) assevera que, nessa perspectiva, a formação dos especialistas em educação buscou capacitar o organizador dos componentes do processo de ensino-aprendizagem (objetivos, seleção de conteúdos, estratégias de ensino, avaliação, etc.) que deveriam ser rigorosamente planejados para garantir resultados instrucionais altamente eficazes e eficientes.

Diante do desejo de colocar a educação a serviço de um projeto de transformação de sociedade, nos anos 1980, organiza-se um movimento intimamente ligado às universidades, pela reformulação dos cursos de formação de professores e os seminários de didática. Estes últimos passaram a discutir o rumo da didática no âmbito desses cursos. O movimento propiciou debates, reflexões e diversos estudos sobre o seu conteúdo e o seu papel na formação de professores e a relação deste com o espaço/tempo escolar, da sala de aula, contribuindo, pois, para a ampliação do debate político-pedagógico em torno da questão, ajudando a explicar modelos, pressupostos, categorias e suas relações com o conteúdo da educação brasileira. Dessas aproximações, começaram a pensar sobre a necessidade de

34 Em 1983, o Comitê Nacional Pró-Formação do Educador passou a constituir a Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador – CONARCEFE. A partir de 1990, a comissão deu lugar à Associação Nacional Pela Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE

mudanças na formação de professores que vinham sendo formados a partir de uma proposta/modelo tecnicista, veiculada, principalmente, pela produção do MEC e das secretarias estaduais de educação.

Segundo Gohan (2000) as ações dos movimentos sociais comportam dois tipos de cenários: o interno e o externo. Eles são duas partes constitutivas de uma mesma realidade. O cenário interno está composto pelas demandas, emanadas dos valores, crenças e ideologias adotadas. Enquanto que o cenário externo é o meio sócio-político e cultural no qual o movimento se insere e as relações com os seus opositores – grupos estatais e demais agências da sociedade política. Gohan expressa que, enquanto ações sócio-políticas construídas por atores sociais, os movimentos sociais se estruturam a partir de demandas, reivindicações e de um repertório de ações coletivas geradas no interior delas. Dentre as categorias como participação, direitos, cidadania, identidade coletiva e exclusão social, a autora aponta a participação como um dos principais termos articuladores das demandas e das reivindicações dos movimentos sociais que, na busca dos seus direitos, reivindicam o acesso à cidadania que permita superar a exclusão social que quer combater.

Nesse cenário de busca de alternativas para subsidiar a discussão acerca da formulação de propostas para a formação de professores, destaca-se o movimento pela reformulação dos cursos de formação de docentes que surgiu, inicialmente, com o nome de Comitê Pró-formação do Educador, com o objetivo de formular novas propostas, na perspectiva de superação do modelo tecnicista implantado pelas leis 5540/68 e 5692/71. Mais tarde, o Comitê ganha visibilidade e transforma-se, em 1990, na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). Cabe destacar a atuação decisiva desta entidade na tomada de posição crítica em relação às propostas oficiais que foram se delineando no processo de elaboração da nova LDB e, de forma mais acentuada, após a sua aprovação. A incursão e o papel desta entidade nas discussões acerca das políticas de formação de professores serão tratados mais adiante.

Cabe, também, destacar a importância e relevante atuação do Comitê Pró-formação do Educador na promoção de debates, estudos, discussões e na divulgação do conhecimento, do ponto de vista da reformulação do curso de Pedagogia. Na análise de Brzezinsk (1992) à medida que se efervesciam os debates e o conhecimento era socializado, o comitê defendia que era impossível reformular o curso de Pedagogia distanciado da formação do professor e, consequentemente, emergia a necessidade de revisar os currículos das licenciaturas. O comitê defendia que a formação do professor deveria ser realizada em nível de graduação em pedagogia, para ser o professor capaz de exercer as atividades específicas da escola, a partir

de suas exigências. Nesse sentido, lutavam contra a formação de especialistas, defendida por Valnir Chagas (agente oficial), e propunham que a formação do pedagogo deveria compreender, tanto a formação do especialista, quanto do professor.

Em 1983, em encontro realizado em Belo Horizonte, o Comitê Nacional Pró- formação do Educador transformou-se em Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores (CONARCFE). Durante esse encontro os educadores expressaram a necessidade de se promover uma ampla reforma educacional e, dentre os pontos apontados como necessários, destacam-se: garantia de 13% dos recursos públicos para a educação, previstos na Constituição; ampliação dos recursos para estados e municípios para o atendimento da educação em todos os níveis; que as reformulações do ensino partissem dos envolvidos com a escola; que fossem criadas as condições para a realização de formação continuada dos professores; que se efetivasse uma política de valorização do magistério em todos os níveis; e que fossem estimuladas e financiadas pesquisas no campo educacional e social.

Especificamente em relação à formação de professores, foram aprovados os seguintes pontos:

 As licenciaturas curtas deveriam ser extintas no prazo de quatro anos, assim como as disciplinas parceladas e os cursos de Estudos Sociais;

 Não deveria existir a separação inicial nos cursos de licenciatura e bacharelado numa mesma área, evitando-se a discriminação da licenciatura;

Seria realizado um trabalho comum entre as unidade s de educação das IES e os institutos;

 As instituições deveriam ter liberdade para propor e desenvolver experiências pedagógicas a partir de uma base comum nacional;

Todas as licenciaturas (Pedagogia e demais áreas) deveriam ter uma base comum, posto que dedicam-se a formar professores – a docência constituiria a base da identidade profissional do professor. A base comum nacional dos cursos de formação de professores35 não deveria ser concebida com um currículo mínimo de um elenco de disciplinas, mas como uma concepção básica de formação do professor e a definição de um corpo de conhecimento fundamental;

 A teoria e a prática deveriam ser consideradas o núcleo integrador da formação do professor;

35 A proposta de base comum nacional deveria contemplar: disciplinas relativas ao conteúdo específico; disciplinas relativas à formação pedagógica; disciplinas integradoras.

 O professor deveria ser entendido como profissional que domina determinado conteúdo técnico, científico e político, de acordo com os interesses da maioria da população brasileira, além de ser capaz de perceber as relações existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das relações sociais, econômicas e políticas.

Todas as recomendações acima foram endereçadas ao CFE e ao MEC para que a Comissão Nacional dos Profissionais da Educação fosse antecipadamente comunicada diante de qualquer nova normatização referente às licenciaturas. O intuito foi o de estabelecer um permanente diálogo, uma vez que os postulados dos documentos representavam os interesses dos educadores do país e, por isso, o comitê deveria ser consultado diante de novas propostas para a formação do professor.

Desse modo, as transformações da sociedade brasileira rumo à democratização social e a mobilização da área da educação, inserida no processo da abertura política, exerceram papel importante no questionamento da formação humana neste projeto societal autoritário e conservador, o que contribuiu para que novas propostas pudessem ser pensadas, discutidas e implantadas nos anos seguintes. Do ponto de vista político, constituiu-se uma aliança como uma frente de oposição que organizou um amplo movimento por eleições diretas em todos os níveis, intitulado “Diretas Já”, que, realizando grandes manifestações em todo o país, reivindicou eleições diretas para a presidência da República, em 1985 e produziu um movimento de inflexão política na direção de uma ampla discussão nacional sobre os princípios basilares da Constituição de 1988.

A segunda metade dos anos de 1980 (Nova República) viu ressurgir a mobilização de setores organizados da sociedade em prol de políticas sociais mais democráticas. As Conferências Brasileiras de Educação e o Fórum Brasileiro em Defesa da Escola Pública congregaram partidos políticos, educadores, estudantes, sindicatos, moradores de bairros e associações de pais, tendo como norte a elaboração de propostas para a futura Assembléia Nacional Constituinte de 1988 e para o futuro Plano Nacional de Educação (que viria a ser aprovado em 2001).

1.5 A formação de professores, do processo constituinte às reformas educacionais dos

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