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O regime militar e políticas educacionais: a formação de professores nas Leis da Reforma do Ensino 5540/68 e 5692/71 (1964-1984)

CAPÍTULO 1 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA POLÍTICA INOVADORA A PARTIR DO PERÍODO 1960-1980.

1.2 O regime militar e políticas educacionais: a formação de professores nas Leis da Reforma do Ensino 5540/68 e 5692/71 (1964-1984)

A partir de 1964, o país se transformou no cenário do regime autoritário/militar, prolongando-se por um período que foi marcado por sucessivos ciclos de liberalização que conviveram, dialeticamente, com os ciclos de repressão, dependendo das conjunturas políticas e das necessidades de legitimação do regime. Este resultou em alterações significativas no padrão de desenvolvimento do país, sob a tutela e ampliação do papel do Estado, incorrendo na modernização de suas práticas, colocando em campos distintos a sociedade política e a sociedade civil e, desse modo, impactando na formulação e no desenvolvimento das políticas sociais e, particularmente, nas políticas educacionais e na formação de professores.

Com o golpe de Estado de 1964, implantou-se uma ditadura que rompeu com a ideologia do nacional-desenvolvimentismo e do pacto populista que a sustentava. No plano econômico, se instalou a internacionalização crescente da economia, com a entrada do país no estágio do capitalismo monopolista do Estado, com o estabelecimento de uma política econômica modernizadora, que ampliava a dependência ao imperialismo, principalmente norte-americano (COUTINHO, 1992)30. No campo político-ideológico, o objetivo principal do regime ditatorial consistiu no desmonte das entidades organizadas da sociedade civil no campo do trabalho, com a utilização da força e dos instrumentos de coerção e repressão, sempre que necessário para conter o “ânimo” dos movimentos, e na obtenção de um consenso

30 Esse autor enfatiza que as forças produtivas da indústria, através de uma maciça intervenção do Estado, desenvolveram-se intensamente, com o objetivo de favorecer a consolidação e a expansão do capitalismo monopolista. A estrutura agrária, por seu turno, mesmo conservando o latifúndio como eixo central, foi profundamente transformada, sendo hoje predominantemente capitalista. A camada tecnocrático-militar, que se apoderou do aparelho estatal, certamente controlou e limitou a ação do capital privado, na medida em que submeteu os interesses dos múltiplos capitalistas, ao capital em seu conjunto; mas adotou essa posição ‘cesarista’ precisamente para manter e reforçar o princípio do lucro privado e para conservar o poder das classes dominantes tradicionais, quer da burguesia industrial e financeira (nacional e internacional), quer do setor latifundiário que foi se tornando cada vez mais capitalista. (p. 111).

passivo que, no entendimento do autor, somente foi possível na medida em que assimilou e deu respostas a algumas das demandas dos grupos sociais derrotados em 1964.

Nesse novo cenário, segundo Neves (1991), as políticas sociais implantadas se constituíram em mecanismos de substituição da negociação política na busca de equacionar as tensões entre Estado e sociedade civil e, no interior destes, em instrumentos do aumento da produtividade do trabalho em estratégia de mediação política dos conflitos entre os vários capitais. Na área da educação, as ações do Estado se conformaram em meio às estratégias de obtenção do consenso passivo e da criação de condições mínimas de adaptação das relações de produção impostas pelo imperialismo do capital internacional. A formação de professores nesse contexto deveria ajustar-se a um novo ordenamento legal e às necessidades da produção, adequando a formação desses profissionais à Teoria do Capital Humano e aos princípios da modernização, da produtividade, da eficiência e da racionalidade.

Mudanças significativas ocorreram no fim da década de 1960 e início dos anos 1970, à égide do regime militar, no campo educacional, com a implantação de uma profunda reforma do ensino no Brasil. Nesse sentido, Germano (1993), discute que a educação, neste regime, se constituiu como um dos principais mecanismos para garantir o consenso em torno do regime, mesmo considerando a predominância dos mecanismos de coerção para o ordenamento da sociedade, cunhado na ideologia da segurança nacional31. Para garantir sua governabilidade, o Estado militar necessitava conquistar bases de legitimação e de adesão de uma parte dos intelectuais das classes médias e dos extratos sociais pertencentes às classes menos favorecidas. O discurso ideológico de que o desenvolvimento econômico traria benefícios a todos serviu para justificar a recessão de alguns setores econômicos em detrimento da crescente concentração de renda em alguns setores.

Por outro lado, as políticas educacionais contribuíram para a difusão da ideologia da administração das desigualdades no país, através do discurso de valorização da educação escolar e da sua função equalizadora. Medidas neste sentido foram postas em prática, como, por exemplo, a obrigatoriedade escolar para oito anos, que se constituiu em importante mecanismo para oferecer aparentes condições de ascensão social por via da escolarização a todos os brasileiros, camuflando o propósito de responder às necessidades de formação de

31 Para Germano (1993, p. 102), trata-se de grupos que têm a função de domínio e não de direção, o que traduz, portanto, num regime político em que a função de direção (cultural-intelectual) ou de hegemonia. Mas isso não significa (mesmo em se tratando de uma ‘ditadura sem hegemonia’) que o Regime prescinda de um mínimo de consenso, de legitimação, ainda que estes sejam obtidos pela via do ‘transformismo’ – molecular ou de grupo – através da cooptação ou assimilação, pelo bloco do poder, de frações rivais das próprias classes dominantes e mesmo de setores das classes subalternas, decapitando assim as massas populares.

trabalhadores para a nova fase de desenvolvimento do país, orientada pelo crescente processo produtivo no âmbito da indústria que, segundo Melo (2003, p. 55)

A extensão do acesso aos vários níveis de escolaridade serviu tanto de formação básica para a população, aumentando a qualificação escolar para o exército industrial de reserva em crescimento nas cidades; quanto uma qualificação especializada para os trabalhadores da indústria; e as estatais, e para a direção do aparato estratégico militar.

O Estado militar autoritário estabeleceu, portanto, um paradoxo no que se refere à educação escolar enquanto equalizadora das desigualdades sociais, quando, além de não ampliar verbas para a educação pública, priorizou a privatização do ensino público com a redução dos gastos com o ensino oficial e pela destinação crescente de recursos públicos para a iniciativa privada. Não obstante, ainda sustentou a política educacional sobre o tripé: Doutrina de Segurança Nacional, alicerçada no anticomunismo; na Teoria do Capital Humano, que estabelecia uma relação aberta, imediata e de subordinação da educação à produção; e de correntes do pensamento conservador.

Em relação à formação do professor, o Parecer CFE 252/69 reformulou o Curso de Pedagogia nos moldes da Reforma Universitária implantada pela Lei 5 540/68. O parecer fixou o currículo e a duração mínimos para o curso de graduação em Pedagogia, visando à formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação educacional, administração, supervisão e inspeção escolar, podendo as três últimas ser oferecidas, tanto em curso de duração plena como de curta duração, neste caso, para a atuação em escolas do então 1º grau. Desse modo, o curso de Pedagogia ficou organizado em habilitações, fragmentando a formação do pedagogo, refletindo a lógica tecnicista ao atrelar a formação do professor e demais profissionais da educação à lógica do mercado e à ideologia da segurança nacional, imprimindo o molde da tecnocracia das empresas e dos objetivos de desenvolvimento definidos pelo Estado militar autoritário.

Nesse sentido, a reforma universitária (CUNHA, 1988; GERMANO, 1993) não consistiu na simples incorporação das recomendações do relatório Atcon32 e das

32 O Relatório Atcon, como ficou conhecido, consistiu de um documento elaborado por Rudolf Atcon, americano, membro da AID (Agency International Development). O documento refletiu um estudo que Atcon realizou sobre universidade brasileira a partir de visitas realizadas às várias instituições do país. Suas idéias doutrinárias partiam do pressuposto de que a educação seria o ponto de partida para o desenvolvimento da América Latina. Designado consultor do MEC, disponibilizou ao Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), sob o título “Recomendações”, as diversas esferas de reformulação universitária, notadamente no que dizia respeito à integração, reforma administrativa, reforma fiscal, educação superior e universidade. Estudos de Boschetti (1993), afirmam que coube a Atcon a incumbência maior de orientar a implantação de uma nova estrutura universitária baseada no modelo empresarial, objetivando rendimento e eficiência e a construção de um

determinações da Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). É preciso considerar que esta é uma questão polêmica, que suscita diferentes opiniões. Todavia, estes autores advertem que é preciso relativizar a influência norte-americana, levando-se em conta, na análise da tal reforma, o movimento governamental interno que, desde o fim da década de 40 privilegiava a modernização da universidade brasileira. Concluem que a reforma consistiu, ainda, em uma assimilação desfigurada das reivindicações de movimentos organizados da sociedade civil, tal como o movimento estudantil e dos professores.

Nesse contexto, a escola normal começa a perder, gradativamente, sua relevância enquanto lócus de formação de professores para os anos iniciais de escolarização. Essas escolas logo se transformariam, pela Lei 5692/71, em espaços de habilitação profissional de 2º grau – habilitação específica para o magistério, equiparando-a às demais habilitações criadas em nível profissionalizante. Desse modo, a formação de especialistas e professores para as escolas normais passou a ser feita exclusivamente no Curso de Pedagogia.

Adequando-se às diretrizes da Teoria do Capital Humano, foi instituída a Lei 5692/71 da Reforma do 1º e 2º Graus, trazendo algumas definições quanto à organização do ensino e a formação de professores. Regulamenta a expansão da escolarização obrigatória e

suporte institucional para a execução de decisões militares de acordo com os interesses estrangeiros. Desse modo, o Relatório afirmava que para avançar no progresso seria preciso investir na educação, o que representou, no período, desenvolver e criar condições para que a trajetória entre a aprendizagem acadêmica e a utilização da aprendizagem fosse rápida e propiciasse retorno em curto prazo. Segundo o Relatório, a urgência na formação de mão-de-obra possuidora de alta capacidade profissional para o sistema tecnológico que se queria expandir, sinalizada para a necessidade de uma universidade utilitarista capaz de garantir a formação de um potencial humano indispensável ao desenvolvimento e, ao mesmo tempo, ativo e integrado às responsabilidades e compromissos assumidos pelo país junto ao capital internacional. De acordo com Fávero (1991), o Relatório Atcon estava assim estruturado: a) Integração: dava enfoque sócio-econômico e a educação dele decorrente, bem como a necessidade de criar um organismo educacional de alto nível com identidade continental, envolvendo todos os países; b) Educação superior: propunha a adequação das universidades latino-americanas ao desenvolvimento econômico; c) Universidade: propunha consolidar a autonomia e transformá-la em função privada; d) Reforma universitária: apontava para uma secretaria bem treinada, criação da carreira universitária, suspensão da ação discente na administração, desvinculação das regras do serviço público e limitação de salários; e) Reforma fiscal: dispunha sobre a divisão do custo real de ensino entre alunos e instituição e a instalação de um sistema de bolsas para atender as carências durante a gradual extinção do ensino público gratuito – a emergência dessa nova universidade seria fator de eficiência e produtividade adequada à ideologia pós-64, calcada no racionalismo desenvolvimentista e reconstrucionista, onde as linhas gerais da universidade ideal estavam, resumidamente, assim estabelecidas no Plano. Finalmente, o Relatório Atcon ainda dispunha sobre: flexibilização e diversificação docente, com critérios de máxima integração e economia; novas atividades acadêmicas e científicas; melhora da qualidade e ampliação da quantidade; criação de cursos básicos de estudos fundamentais; criação do departamento e extinção da cátedra; ampliação/diversificação dos cursos profissionais; criação da unidade de ensino básico; formação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) para controle interno das universidades e independente do poder executivo; estruturação funcional formada pelo Conselho Universitário (formado pela elite do mundo acadêmico-científico, mas descomprometido com a carreira e pelo Conselho de Curadores, com responsabilidade financeira (constituída por membros ativos da elite empresarial, pelo administrador com livre trânsito (o tecnocrata).

gratuita para oito anos e implanta a profissionalização obrigatória compulsória do currículo do 2º Grau. Nesse sentido, fazia-se necessária a ampliação do sistema de ensino público, tornando-se indispensável tratar da formação dos profissionais necessários à sua implantação.

No que tange à formação de professores para o então 1º e 2º graus, a lei assim definiu:

 Habilitação específica para o magistério em nível de 2º grau, destinada ao ensino de 1ª a 4ª série do 1º grau;

 Habilitação específica para o magistério em nível de 2º grau, mais um ano de estudos adicionais, destinado ao ensino de 1º grau, até a 6ª série;

 Habilitação específica em licenciatura curta em nível superior, destinada ao ensino de 1ª a 8ª série;

 Habilitação específica de especialista em educação, para o desempenho das funções específicas de orientador, supervisor, administrador e inspetor, realizada em nível superior no Curso de Pedagogia.

No Capítulo V, a Lei 5692/71, definiu que a formação de professores e especialistas em educação para o ensino de 1º e 2º Graus seria feita em níveis que se elevassem progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais de cada região do país e com orientação que atendesse aos objetivos específicos de cada grau às características, área de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento dos educandos (art. 29). Desse modo, a elevação das exigências para a formação de professores e especialistas estaria condicionada às possibilidades de cada região. Nessa perspectiva, fica patente o caráter discriminador e excludente da lei, ao definir o ajustamento da educação a ser oferecida, bem como a formação de professores e demais profissionais da educação escolar, às condições sócio-econômicas e culturais das regiões do país.

Especificamente em relação à formação de professores, a lei tecnicista define que a formação mínima para o exercício do magistério dos anos iniciais do ensino fundamental (primário) deveria ocorrer em cursos de habilitação específica em nível médio. Dessa forma, a Lei 5692/71, criou a figura do professor técnico de nível médio, com a estrutura dos cursos de magistério em substituição às escolas normais. Os novos cursos, de caráter predominantemente tecnicista comprometeram, qualitativamente, a formação dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, ao descaracterizar o curso normal, que foi transformado em um entre tantos outros cursos profissionalizantes. Os próprios institutos de

educação, instituições respeitadas, até então, na formação de professores, foram obrigados, por força da lei, a oferecer outros cursos profissionalizantes.

Ao analisar o conteúdo da Lei 5692/71, Alves (1988) enfatiza que o curso de formação de professores foi o menos discutido em nível federal, sem que houvesse nenhum pronunciamento do CFE, nem de outra instância do MEC. Ao mesmo tempo, a autora aponta que, dessa forma, o curso de formação de professores foi deixado às determinações das autoridades estaduais, sob a justificativa de que as redes de ensino fundamental eram, em grande maioria, estaduais e municipais.

Importa destacar o art. 77, parágrafo único, onde define que para atender a demanda de professores, onde persistisse a falta real desses profissionais, poderiam ser admitidos professores com habilitação menor para lecionarem em séries mais avançadas e, após a aplicação dos critérios estabelecidos, poderiam ainda lecionar:

No ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que hajam concluído a 8ª série e venham a ser preparados em cursos intensivos;

 No ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em exames de capacita ção regulados, nos vários sistemas, pelos respectivos conselhos de educação;

 Nas demais séries de ensino de 1º e 2º graus, candidatos habilitados em exames de suficiência regulados pelo Conselho Federal de Educação e realizados em instituições oficiais de ensino superior, indicados pelo mesmo conselho.

A abertura que a Lei 5692/71 propiciou à docência na educação básica, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental a pessoas sem formação mínima em normal médio, deixou o então ensino primário relegado ao processo de crescente exclusão das classes menos favorecidas, principalmente nas regiões mais pobres do país, consideradas, àquele momento, como menos importantes dentro das pretensões desenvolvimentistas do capital internacional. Por outro lado, pode-se questionar, também, a fragilização da formação superior de professores através de cursos de licenciatura curta e polivalentes que tinham o objetivo de reduzir o tempo de formação, acarretando prejuízos na qualidade de preparação destes profissionais. É nesse cenário que grandes movimentos no âmbito dos educadores progressistas emergem no final do governo militar, embrenhados na discussão pela reformulação dos cursos de formação de professores, visando, por um lado, dotar tal formação de caráter técnico e político e, por outro lado, resgatar a escola pública como um bem público essencial à construção de uma sociedade cidadã.

1.3 Regime militar e políticas educacionais: a formação continuada ganha espaço nas

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