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Formação de professores(as): lições pioneiras

No documento Por uma formação para a docência (páginas 79-87)

A preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada,

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a mais importante, fosse a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secun- dário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades (AZEVEDO et al., 2006, p. 200).

O fragmento anterior, extraído do célebre Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, datado de 1932, dirigido ao povo e ao governo, dá visibilidade nacional ao frágil panorama da educação brasileira, reivindicando a democratização da educa- ção pela instauração do ensino laico, gratuito e para todos.

Ao defenderem uma organização científica da escola, atribuíram a formação de professores, preferencialmente, em nível superior, como condição da promoção da modernização da sociedade brasileira. Por coincidência ou não, na mesma data em que o Manifesto tornou-se público (19 de março de 1932), Anísio Teixeira, um dos seus mais influentes signatários, ocupa- va o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública e, por meio do Decreto nº 3.810, reorganizava o ensino normal, fazendo sua transposição para o ensino superior. Criava, no mesmo disposi- tivo legal, o Instituto de Educação na Universidade do Distrito Federal (UDF), marcando em nossa história, a primeira experiên- cia em formar professores do ensino primário, em nível superior.

Importa sublinhar que, em seu projeto original, o Instituto de Educação, do Distrito Federal, dirigido por Lourenço Filho, sob a administração de Anísio Teixeira, na Instrução Pública/ Departamento de Educação do Distrito Federal (1931-1935), nasce sob o auspício de uma nova ordem pedagógica para os cursos de

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formação de professores. Tratava-se de um investimento nas práticas docentes baseado no

[...] exercício disciplinado do olhar. Saber observar, analisar em profundidade situações vividas, experiências e textos [...] suportes de uma prática laboratorial que transformava o aluno em pesquisador e em objeto de pesquisa, e o ensino em técnica e permanente crítica (VIDAL, 1996, p. 239).

A preocupação em promover uma formação de profes- sores articulada aos saberes e práticas constitutivas dos coti- dianos escolares encontra-se presente no discurso proferido por Lourenço Filho, por ocasião da inauguração, em 1932, do Instituto de Educação:

Necessitamos do maior cuidado em que o plano de estudos da Escola de Professores seja um plano real que atenda imediata- mente às necessidades mais prementes de nossa organização escolar, em tudo quanto diga respeito à formação técnica e social dos mestres. Assim, pois, tais cursos, trazendo à escola, professores que manejam a realidade das escolas dos nossos morros e praias, estarão sempre a ‘revitalizar’ o endereço que devem ter os nossos estudos (LOURENÇO FILHO, pi 32.04.05, apud VIDAL, 1996, p. 240).

Na esteira das pesquisas realizadas por Vidal (1996), pode-se compreender que o Instituto de Educação, idealizado por Anísio Teixeira, reunia, em um único espaço formativo, todo o sistema de educação existente à época: três anos de jardim, cinco de primário, cinco de secundário, um de complementar

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e, mais a formação docente prevista para os dois anos de magis- tério. Isto permitia

[...] não só a observação continuada da criança e do adoles- cente, nas fases de maior interesse para a educação escolar, e a experimentação, com rigoroso controle dos resultados, dos processos didáticos modernos, como também o arquivo de dados objetivos para o estudo do escolar brasileiro [...] (TEIXEIRA, 1935, p. 166).

Com o golpe de 1937 e o fechamento do Congresso até 1945, as instituições de ensino superior sofreram fortes repres- sões e, por consequência, as propostas de formação de profes- sores que vinham sendo desenvolvidas pela Universidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal) e pela Universidade de São Paulo, foram desmontadas logo após a implantação do Estado Novo. Na esteira destes acontecimentos, o Decreto-Lei nº 1190 de 4 de abril de 1939, que dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia, institui as bases de formação de professores no Brasil a partir do formato curricular que ficou conhecido como “Esquema 3+1”, em que a lógica de organização era a de 3 anos para os cursos de bacharelados, mais um ano para o curso de Didática, como condição de obtenção da licenciatura.

O referido dispositivo legal estrutura a Faculdade Nacional de Filosofia em 4 seções, assim definidas: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia –e uma seção especial de Didática. Categorizando os cursos em “ordinários” e “extraordinários”, cada uma das seções previstas para a Faculdade Nacional de Filosofia, agrupavam cursos ordinários a serem desenvolvidos, com exceção da Pedagogia, que previa um único curso corres- pondente ao próprio nome da seção. A pedagogia obedecia a

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mesma racionalidade que os demais bacharelados, seguindo inclusive o esquema 3+1.

Sua matriz curricular possuía uma seriação de 15 disci- plinas, distribuídas nos 3 anos previstos pelo curso. Destas, 4 disciplinas: Psicologia educacional; Administração escolar; Fundamentos biológicos da educação e Fundamentos socio- lógicos da educação eram coincidentes com as 6 disciplinas previstas para o Curso de Didática, o que significa dizer que o Bacharelado em Pedagogia precisava cursar apenas 2 disciplinas do Curso de Didática (didática geral e especial) para a obtenção do licenciamento. “Formava-se, assim, o professor no bacharel” (SCHEIBE; DURLI, 2011, p. 87, grifo nosso).

Este formato, que regeu as licenciaturas até a promul- gação da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/1961), foi deveras criticado pela literatura da área, pela evidente fragmentação e desarticulação entre os cursos de formação e seus currículos hierarquizados e desco- nectados da realidade educacional em que o professor iria atuar, colocando-se como “[...] mero apêndice das diferentes formas de bacharelados desempenhando, na prática, o papel de garantir os requisitos burocráticos para o exercício do magis- tério” (SCHEIBE, 1983, p. 32).

Por sua vez, depois de transitar no Congresso Nacional, por quase 16 anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 4.024/1961) é promulgada. No entanto, esta é totalmente ultrapassada, e com as marcas das disputas políticas travadas no Congresso Nacional entre os liberais privatistas e os desenvolvimentistas, prevalecendo no texto legal, os interesses da igreja católica e do setor privado.

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Este dispositivo mantém basicamente a legislação ante- rior no que concerne à organização e à estruturação dos cursos de formação de professores. Conforme consta no Artigo 59:

A formação de professores para o ensino médio será feita em Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, e a de professores de disciplinas específicas de ensino médio técnico em cursos especiais de educação técnica (BRASIL, 1961, documento onli- ne sem paginação).

Um ano após, o Conselho Federal de Educação, através do Parecer 292 de 1962, eliminou, pelo menos, no texto do Parecer, o “esquema 3+1” e determinou que os cursos de bacharelado e de licenciatura tivessem o mesmo período de duração. Extinguiu, também, o Curso de Didática. No entanto, embora o Parecer determinasse que os conhecimentos específicos e os conhe- cimentos pedagógicos fossem trabalhados em concomitância, sugerindo uma possível articulação entre estes campos, esta orientação, conforme aponta Durli (2007, p. 89)

[...] não chegou a se concretizar, permanecendo o ofereci- mento dos cursos fortemente vinculados a uma organização curricular consoante ao esquema 3 + 1: o bacharelado prepa- rando o técnico em educação, e a licenciatura formando o professor para o magistério no ensino secundário e normal.

Avançando na agenda deste texto, a Lei n. 5.540/68, que trata da Reforma Universitária (BRASIL, 1968), não apresentou grandes avanços. No que diz respeito ao currículo dos cursos de formação de professores, este dispositivo não trouxe estratégias pedagógico-curriculares que potencializassem mudanças na

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forma como os conhecimentos eram organizados e distribuídos. A desarticulação entre as disciplinas da formação específica e as da formação didático-pedagógica permaneceu e consolidou a hierarquização dos saberes das áreas específicas sobre os peda- gógicos, mantendo-se, conforme observou Candau (1987, p. 32), “[...] o caráter eminentemente teórico dos cursos de formação de professores, apesar da Reforma”.

Na sequência, a Lei n. 5.692, de agosto de 1971, fixou Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, conforme a nova terminologia para os antigos cursos primário, ginasial e colegial e não faz qualquer menção à educação superior que continuou regida pela Reforma universitária de 1968. Em termos de redimensionamentos curriculares para o 1° e 2º graus, a Lei determinou que o currículo fosse constituído por um núcleo comum obrigatório em nível nacional e por uma parte diversi- ficada. Atribuiu também ao Conselho Federal de Educação (CFE) a incumbência de fixar, para cada grau de ensino, as matérias relativas ao núcleo comum, definindo-lhes os objetivos e a ampli- tude (Cf. Lei n. 5692/71, art. 4º). Já a parte diversificada, sob o controle e supervisão dos Conselhos Estaduais de Educação, ficaria, a critério das escolas, a escolha de quais disciplinas, no rol de disciplinas selecionadas pelos Conselhos Estaduais de Educação, seriam incorporadas nesta dimensão curricular. Sendo que, educação moral e cívica, educação física, educação artística, programas de saúde e ensino religioso, este obrigatório a oferta nas escolas, mas facultativo para os estudantes, deve- riam, em caráter obrigatório, compor os currículos escolares.

A organização dos conhecimentos escolares e das práti- cas pedagógicas proposta pela LDB/71 foi analisada de forma mais minuciosa pelo Conselho Federal de Educação, no Parecer n. 853/71, aprovado em novembro do mesmo ano, e aponta para

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uma compreensão de currículo que apresenta matrizes dife- renciadas em relação às propostas em curso, até então. Em seu Art. 5, lê-se: “As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das matérias fixadas na forma do artigo anterior, com as disposições necessárias ao seu relacionamento, ordenação e sequência, constituirão para cada grau o currículo pleno do esta- belecimento” (BRASIL, 1971b, documento online sem paginação).

No entanto, embora as disposições legais sugerissem uma certa flexibilidade, abertas pela parte diversificada, e pela possi- bilidade de integração disciplinar, na medida em que as

matérias fixadas, diretamente e por seus conteúdos obri- gatórios, deverão conjugar-se entre si e com outras que se lhes acrescentem para assegurar a unidade do currículo (CEF\Resolução nº 8, dez. 1971).

Nessa perspectiva, em termos curriculares, ao manter as secretarias de educação como mecanismos de controle, super- visão e avaliação das práticas escolares e de seus sujeitos, as contribuições da Lei para a educação básica favoreceram tão somente a determinação que ampliou a escolaridade obrigatória de 4 para 8 anos, no chamado ensino de 1º grau, integrando primário e ginasial. Por outro lado, destruiu o caráter prope- dêutico do ensino de 2º grau, elitizando ainda mais o acesso às universidades públicas (Cf. GERMANO, 1994, p. 190).

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Licenciaturas Interdisciplinares:

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