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Pressupostos da modernidade, opção civilizatória e educação

No documento Por uma formação para a docência (páginas 168-175)

Retomo o título deste texto e a provocação inicial:

A formação docente (em ciências naturais): para quê? para quem?”. O filósofo da educação Cláudio Dalbosco faz o “diag- nóstico de que o debate acerca da formação de professores tende a ser dominado pelas questões ‘o que’ e ‘como’ ensinar, relegando para segundo plano a finalidade do processo de ensino e aprendizagem, isto é, a pergunta ‘para que ensinar’ (DALBOSCO, 2010, p. 21).

Para mim, por trás do “para quê”, está escondido o “para quem” – digo: “afinal, para quem você trabalha?”. Para uma elite manter tudo como está, com verniz de mudança? Ou para formar quem possa mudar, de fato, esse quadro de desigualda- des e exclusões observado?

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Em uma era em que se acha normal (!) a mercantilização da educação15, pensar para quê e para quem se ensina é deci-

sivo para saber se a esperança emancipadora freireana pode ter alguma chance ainda ou se, após forte marketing enquanto “educação humanizadora”, no estilo “doure sua pílula e fale o que as pessoas esperam ouvir”, ela foi tragada pelo sistema e já tem ações na bolsa de valores. Isso significa não apenas ter sido cooptada pelos oportunistas de mercado como também aban- donada por educadores e pesquisadores em educação. Por isso, a fala de Áurea Cândida Sigrist, citada no início deste trabalho e que constitui um dos eixos do mesmo, é crucial: “O professor que não for subversivo não é educador!” (VOCACIONAL..., 2011, [documento filmográfico]).

Com efeito, em uma era em que a educação aceita formar as pessoas para o mercado, sem questioná-lo, nem o consumismo, nem o modelo econômico e civilizatório que adotamos, e concor- da em ter suas diretrizes ditadas pelo poder econômico, pensar para quê e para quem se ensina, além de decisivo, é subversivo!

Portanto, são profundos e atuais os dizeres daquela professora. O que há, afinal, para ser subvertido pelo educa- dor? Mais uma vez e sempre: depende do que se acredita. Quem acredita no discurso do progresso e foi seduzido pela ideologia científica e compactua com a mentalidade capitalista, é provável, então, que creia que o mundo, como está, é o melhor que poderíamos conseguir enquanto espécie animal neste planeta e que as coisas vão melhorar por si sós, tanto mais eficientemente quanto mais efetivamente cada um fizer a parte que lhe toca.

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O que tratei aqui envolveu os pressupostos da modernidade, assim como a opção civilizatória a eles vinculada. Essa opção se baseia em um sistema econômico excludente, de exploração do semelhante e do meio ambiente, fomentador do consumismo, de relações humanas oportunistas e superficiais e de mentalidades imediatistas e rasas. Vivemos as consequências de uma opção “civilizatória” baseada em um conjunto de suposições pífias e na imposição do pensamento único, o qual é fundamentado e comandado pela racionalidade cognitivo-instrumental, tão valorizada nas ciências exatas, naturais e na matemática.

Para não repetirmos nosso erro de opção, devemos

analisar o sistema-mundo [...] [nesta] época de transição, esclarecer as alternativas disponíveis e, portanto, as escolhas morais que teremos que fazer e, finalmente, lançar luz sobre os caminhos políticos que desejamos seguir (WALLERSTEIN, 2007, p. 124; grifo nosso).

Neste ensaio, argumentei que os pressupostos da moder- nidade, assim como a opção civilizatória a eles atrelada, não se sustentam mais, e que um educador digno do nome não deve ser conivente com velhacarias, sob nenhuma justificativa, e não deve compactuar em ser doutrinador de jovens almas.

Este trabalho enfatiza a necessidade urgente de se formar educadores que, ao mesmo tempo em que ensinam ciências, trabalhem, com igual zelo e ênfase, o ensino sobre ciências, seus aspectos sociológicos, imbricação com o mercado e implicações dessa aliança para a sociedade, o fato de a ciência ser construção humana e que em uma sociedade democrática as prioridades e os programas das pesquisas científicas deveriam ser definidos pela sociedade – e para realizar esse papel com competência os

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cidadãos precisam de outro tipo de educação, que os habilite a analisar e se posicionar frente as múltiplas inter-relações entre ciência, sociedade e ideologia e a agir na construção de uma sociedade igualitária de democracia participativa.

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Alessandra Santos de Assis

No documento Por uma formação para a docência (páginas 168-175)