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A FORMA DEMOCRÁTICA DO ESTADO 4.1 Os fundamentos liberais da democracia

SEGUNDA SEÇÃO O ESTADO BURGUÊS E A SUA FORMA DEMOCRÁTICA

A FORMA DEMOCRÁTICA DO ESTADO 4.1 Os fundamentos liberais da democracia

As referências mais comuns à democracia se apresentam por meio de diversas expressões conceituais que, se referindo ao mesmo objeto, ressaltam aspectos diferenciados do mesmo e deixam transparecer a ideologia de seus autores e a formação social à qual ela mais se coaduna. Ela é considerada no conjunto de possíveis formas de Estado sendo ou não, ressaltada a maneira como estas mesmas formas se relacionam com uma sociedade em questão, ou então, como isto acontece no espaço e no tempo em experiências bastante diversificadas. As duas principais formas de Estado são a democrática e a ditatorial. Elas são opostas quanto à lógica operacional. Enquanto na ditadura predominância do corpo burocrático é visível e direta, na democracia há uma interferência do parlamento nas definições das políticas de Estado. As referências à democracia aparecem através de diversas expressões como: Estado democrático de direito, democracia representativa, democracia direta, governo representativo. Na sociedade burguesa, mesmo a melhor forma de Estado, que é a democracia, tem que conviver com a dominação e com a exploração de uma classe social por outra.

É o compromisso e a defesa de interesses de uma classe dominante que possibilita entender as formas de governo. Por isso, pode-se sustentar uma alta correlação entre forma de governo e a constituição da sociedade em questão, com a identificação da classe social dominante. Aristóteles sustentava a existência de “três constituições puras: a realeza, a aristocracia a república e outras três que formam um desvio destas: a tirania para a realeza, a oligarquia com respeito à aristocracia, e a democracia com respeito à república”. E delas, a melhor é a aristocracia (Aristóteles, 1966:178. A política, liv. VI, cap. II, § 1). Está aí o posicionamento político do autor clássico, que mesmo depois de apontar os respectivos desvios, acaba revelando a sua preferência pela forma de Estado onde a dominação de classe é a marca característica.

A forma de Estado que recebe a denominação de democracia e que a burguesia pode suportar está marcada por elementos que não questionam a (des)ordem social de dominação e de acumulação de riqueza. Do mesmo modo que Aristóteles recomendava a não estender a condição de cidadão a todas as pessoas de quem a cidade necessita para existir (Cf. Aristóteles, 1966:83. A política, liv. III, cap. III, § 2), a democracia burguesa exerce uma vigilância sobre os contornos da cena política de modo que a hegemonia das tomadas de decisões seja mantida em favor dos interesses capitalistas. Deste modo, existe uma parte da sociedade que não dispõe do uso pleno de mecanismos de interferência nas decisões políticas.

Expoentes do pensamento liberal contrapõem poder e liberdade. Aparecem no

interior deste pensamento dois pólos na discussão que trata da liberdade no âmbito das condições da vida civil ou social e, partindo daí, procura definir os limites do exercício do poder social sobre o indivíduo. Assim, há uma necessidade fundamental de que o indivíduo tenha uma proteção diante dos possíveis atos de tirania. Ela é encarada com terror. Os atos despóticos (e tirânicos) são ainda mais graves quando transcendem os atos dos magistrados e se enraízam na opinião e no sentimento social predominante. Numa situação desta, a liberdade individual está sob uma ameaça inaceitável. O que fazer para garantir um limite às interferências de qualquer natureza sobre a liberdade de cada pessoa? Para alguns, a liberdade precisa ser absoluta em dois aspectos. “Ela abrange, primeiro, o domínio íntimo da consciência (...). Em segundo lugar (...), a liberdade de gastos e de ocupação (...) de associações entre os indivíduos. (...) Nenhuma sociedade é completamente livre se nelas essas liberdades não forem absolutas e sem reservas” (Stuart Mill, 1991:45-56 e 83).

Mas é preciso estabelecer condições. Há que se organizar a vida coletiva e garantir as diversas expressões de idéias, pois “nunca podemos estar seguros de que a opinião que procuramos sufocar seja falsa e, se estivermos seguros, sufocá-la seria ainda um mal” (Stuart Mill, 1991:53). Mas a pretensão de infalibilidade, que é uma ousadia que se arroga em decidir qualquer questão por outros, é reprovável. Muitas ações efetuadas na história não tiveram este devido cuidado. As argumentações não são abrangentes. Geralmente elas se restringem a um lado da questão e desconsideram completamente o outro. Deste modo, encontramo-nos num paradoxo e, como tal, diante

de um nó logicamente não desatável que leva às práticas pendulares que vão de um extremo a outro, isto é, do poder à liberdade. A liberdade individual só deve sofrer interferência individual ou coletiva se esta interferência tiver por finalidade a proteção de outro indivíduo ou a autoproteção. Aumentar demasiadamente o poder é um perigo que se deve evitar. Mas, essa contraposição à burocracia dispõe de lugar destacado na teoria do Estado? E, ainda, isto pode ser aplicado a todos os casos? A teoria é incondicionalmente defendida?

A proposição da liberdade e a conseqüente pluralidade de opiniões e práticas sociais compõem o contraponto a um poder defensável realizado sob o comando da burguesia. A pluralidade social exigiu uma pluralidade na composição do corpo político. Ao fazer o poder emanar do povo e não mais de uma divindade como era na legitimação monarquista, a burguesia acata a possibilidade da rotatividade no comando das decisões políticas. O sufrágio universal é resultante das lutas sociais. É preciso que os ocupantes de postos no corpo político sejam escolhidos dentre os membros da sociedade. As eleições vão representar a oportunidade oferecida a todos os cidadãos e cidadãs para receberem o aval dos eleitores. As frações sociais em conflito passam a fazer parte do aparelho de Estado sob a hegemonia burguesa. Mas, o poder legislativo, até hoje, necessita da sanção do executivo para que seu trabalho de legislar se complete. Este aspecto é um elemento de absolutismo que permanece sem problema para os propósitos burgueses (Cf. Carvalho Netto, 1992:23, 40, 59, 251).

Por isso, estas coletividades imaturas devem ser desconsideradas na convivência de liberdade individual soberana, para o pensamento liberal. É preciso, portanto que estes coletivos humanos passem por uma espécie de evolução social e cultural. Daí desponta, para teóricos burgueses, a necessidade e utilidade dos governos qualificados como sendo despóticos. A liberdade expressa e defendida pela teoria social e política burguesa é restrita aos limites da reprodução das condições de exploração capitalista46. A liberdade se constituiu em um tema cujos conteúdos críticos contribuíram para solapar os fundamentos da sociedade feudal, mas, após uma

46 “O perigo da liberdade antiga era que os homens, atentos, sobretudo a assegurar a participação no poder social, não renunciem muito ao bom mercado dos direitos e aos desenvolvimentos individuais. O perigo da liberdade moderna é que, centrada no desenvolvimento da nossa independência privada e em perseguir os nossos interesses particulares, nós renunciemos muito facilmente ao nosso direito de participar do poder político” (Constant, 1970:237).

reformulação substancial, tornou-se eivada de ideologia própria dos propósitos de conservação social. A disputa de espaço que a burguesia empreendeu contra a aristocracia foi formulada com argumentos que buscavam maior liberdade. Mas a substância desta liberdade era política - não somente e nem tão socialmente abrangente como se apresentava nos discursos - pois, o que mais interessava à burguesia era a liberdade47 de realizar um tipo de empreendimento econômico que lhe proporcionasse lucro privado (Cf. Soboul, 1989:11). De revolucionária, a tornou-se conservadora e defensora de uma pedagogia da dominação. "O despotismo é um modo legítimo de governo quando se lida com bárbaros, uma vez que se vise o aperfeiçoamento destes, e os meios se justifiquem para sua eficiência atual na obtenção desse resultado" (Stuart Mill, 1991:54).

Para o pensamento liberal a democracia se constitui com a interação de instituições que se auto-regulam no exercício do poder “Suponhamos um corpo legislativo composto de tal forma que represente a maioria, sem ser necessariamente escravo das suas paixões; um poder executivo que tenha força que lhe seja própria, e um poder judiciário independente dos dois outros poderes; teremos então, um governo democrático, que, todavia quase não correria o risco da tirania” (Tocqueville, 1998:195). Pode-se perceber a grande preocupação do autor, depois de refletir longamente sobre a mais significativa experiência de Estado democrático conhecido em sua época. Argumenta ele que a democracia é uma tentativa de manter um equilíbrio sempre instável entre as forças sociais que tentam fazer valer suas posições e interesses através do aparelho político. Ele lembra o fato de que a democracia possibilita o exercício do poder sem uma finalidade precisa, e que este poder esteja aberto a inovações e ainda, que haja mudança permanentemente de mãos e de objetivos. Isto é o oposto da aristocracia que, por procurar mais conservar do que aperfeiçoar qualquer situação social, e por isso, ela tornou-se, por sua natureza, a garantia de maior estabilidade política. A democracia causava-lhe uma apreensão diante do que poderia surgir dos processos dela decorrentes, pois, segundo ele, o despotismo (de um só) havia sido desonrado pelas monarquias absolutas, mas era necessário ter cuidado para que as repúblicas democráticas não o reabilitassem de uma outra maneira. O seu grande temor

47 “A liberdade é uma grande palavra, mas foi sob a bandeira da liberdade de indústria que se fizeram as piores guerras de pilhagem. Foi sob a bandeira da liberdade de trabalho que se espoliaram os trabalhadores” (Lênin, 1977:86).

era o estabelecimento do despotismo da maioria que a democracia coloca a todo instante na cena política. Pelo fato de colocar o espírito de corte ao alcance de todas as classes, as sociedades democratas passam comportar “certa agitação sem finalidade precisa; reina dentro delas uma espécie de febre permanente, que se transforma em inovação de todo gênero, e as inovações são quase sempre caras” (Tocqueville, 1998:163, 165-200, 230, 534).

O posicionamento dos mais expressivos teóricos liberais não deixa dúvida sobre qual classe social deve ser favorecida na condução das políticas de Estado. Para preservar os interesses burgueses, o governo não deve estar comprometido com a maioria do povo, ou seja, com os proletários. Do mesmo modo, como um governo misto comporta forças inconciliáveis e, portanto, em dissolução e revolução, o que resta é o predomínio e direção de uma aristocracia na condução dos negócios públicos em conformidade com os seus interesses para garantir tranqüilidade na realização dos negócios. Assim está definido: a gestão do Estado precisa estar associada à garantia de privilégios da classe ou fração dominante da burguesia. O Corpo de funcionários que compõem a burocracia de Estado são pessoas destacadas da produção para tudo fazerem com o intuito de amortecer os conflitos entre as classes e impedir a revolução social (Cf. Saes, 1987:13s).

4.1.1 - As forças sociais e a democracia

O questionamento aos governos e Estados absolutos que, dispunham de uma personalidade como centro de referência, isto é, o uno, foi feito com a contraposição de outro ponto de partida para a constituição do poder político, que é genericamente apontado como sendo o demos, ou seja, o povo. Isto representou dentre outros aspectos, uma crise na aristocracia que teve de abandonar alguns de seus valores centrais. As revoluções burguesas que têm na Revolução Francesa a referência mais significativa juntamente com os acontecimentos que marcaram profundamente a vida política e social dos Estados Unidos da América, possibilitaram a formulação de um modelo de democracia que mais se conhece e que se tenta reproduzir (Cf. Anderson, 1978:49; Almeida, 2003:65).

A constituição do modelo democrático burguês fundamenta-se em preocupações sobre as forças sociais (com possibilidade de serem) organizadas em classes conforme a expressão dos principais teóricos liberais.

É próprio do pensamento liberal, mesmo admitindo que o povo seja a fonte dos poderes, sustentar como detestável a “máxima de que, em matéria de governo, a maioria de um povo tem o direito de tudo fazer” (Tocqueville, 1998:193). Já que a sociedade é composta por classes sociais, e classe que é composta por um número menor de pessoas é a que usufrui do trabalho alheio, ele detestava vislumbrar a possibilidade do exercício do poder pela maioria da sociedade, o que, para este pensamento, é o pior despotismo. A forma democrática de Estado possibilita a ocorrência deste tipo de poder ao colocar a escolha dos ocupantes do legislativo sob a escolha direta dos eleitores de uma sociedade. Foi Stuart Mill quem melhor solucionou este problema do ponto de vista burguês.

É bastante peculiar a posição de Stuart Mill, que embora reconhecendo a excelência de uma sociedade pós-burguesa, volte sua atenção para a situação presente e passe a propor soluções de governo que garantam a (im)possível estabilidade da situação de dominação e de exploração de classe. Já era cristalina a percepção do antagonismo entre a classe burguesa e a classe trabalhadora e, também, a impossibilidade de impedir a difusão das idéias de igualdade social. A desvinculação entre a visão de futuro e prática concreta se revela em três aspectos predominantes. O primeiro é o reconhecimento de que a forma idealmente melhor de governo seja a que apresenta maior volume de benefícios imediatos e futuros ao maior número de pessoas - e a constatação de que só um governo completamente popular poderia reivindicar tal característica. O segundo aspecto é a convicção de que a constituição deste governo terá lugar quando as pessoas se tornarem mais altruístas e universais, vencendo o egoísmo e o localismo. O terceiro aspecto da expressão desta posição é a clareza de que o comunismo se tornará a “única forma defensável de sociedade, tornando-se realidade quando chegar esse tempo” (Stuart Mill, 1964:39-40, 82; Cf. Idem. 1996b:332-340).

Após haver vislumbrado a possibilidade da concretização de uma sociedade com base em novos valores, e com uma organização eqüitativa da produção e

distribuição de bens e serviços e, ainda, com a eliminação das formas de dominação política, o autor volta a sua prática teórica e política para o objetivo da manutenção da sociedade de classes. Ele reconhece que o despotismo a ser evitado é o governo que favorece a dominação de uma única classe que, ocupando o poder político exerce um domínio sobre a sociedade. Este despotismo pode ser monárquico, oligárquico, e do demos (do povo; democrático). A sua preocupação é a de evitar que o governo que recorre ao sufrágio popular seja constituído pela maioria numérica da sociedade e com predomínio de uma classe trabalhadora. Ele caracteriza o poder político como sendo composto de elementos fundamentais como a força (física), a propriedade (que gera riqueza), a educação (inteligência e prestígio), e a organização (classe social). Para obter o intento de eliminar o perigo do despotismo do demos, Stuart Mill defende que se há de tomar algumas providências de restrição do sufrágio. Estas medidas poderiam ser: 1) Vincular o direito de voto a um limite mínimo de contribuição com a receita pública48; 2) Atribuir maior peso ao voto das pessoas com maior grau de instrução49; 3) Promover a organização de classe social com vistas à sustentação dos rumos dados aos negócios de interesse dela por meio do poder50 (Cf. Stuart Mill, 1964:3, 88, 115-146, 186). A opção de classe deste autor fica evidente. Sua teoria revela a preferência pela comodidade de um momento presente que oferecia privilégios e na tentativa de perpetuar obtenção destes privilégios, apesar da transitoriedade percebida na situação que se tornou objeto de suas preocupações intelectuais. Deste modo, coloca-se um filtro no sufrágio popular e evita-se que a maioria social organizada por classe seja também maioria no poder político representativo. O equilíbrio na composição do poder é uma das maneiras de garantir o desequilíbrio que a burguesia propaga e defende como a ordem social. Só assim, a democracia pode ser tolerada por quem procura manter a dominação e a exploração de classe social51. Esta só pode ser uma democracia burguesa

48 “O direito de votar deve caber a todos quantos contribuem para a receita local, com exclusão dos que não o fazem” (Stuart Mill, 1964:186). Durante o império brasileiro “o eleitorado excluía as mulheres, os que não tivessem, de renda líquida anual, cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos, e os escravos, esses porque não (eram) cidadãos” (Porto, 1989:15).

49 O critério de peso educacional consistia em “proporcionar à educação, como tal, o grau de influencia superior que lhe é devido, e suficiente contrapeso ao numérico da classe menos educada” (Stuart Mill, 1964:120).

50 “É preciso ser cego a todos os sinais dos tempos para pensar que as classes médias são subservientes às classes mais elevadas ou as classes trabalhadoras dependam das classes superiores ou médias conforme acontecia há um quarto de século atrás”. Ele chamava a atenção para o perigo das pessoas votarem conforme a própria condição de classe social (Stuart Mill, 1964:136 e 139).

51 “Os interesses vitais da nação colocam-se, é claro, acima da democracia e do parlamentarismo” (Weber, 1997:26).

Esta forma de conceber a democracia revela o projeto de dominação política de uma minoria sobre uma maioria. Uma classe social se organiza para exercer o poder e estabelece formas para desorganizar a classe de maior composição numérica. Deste modo, a maioria que é buscada nas votações representativas desta democracia não é o reflexo da maioria na sociedade. Trata-se de uma representação assimétrica da sociedade no aparelho político. Para este arranjo funcionar de acordo com os objetivos burgueses é preciso que a maioria não consiga organizar suas forças de modo que possa expressar politicamente. De modo semelhante ao de Tocqueville, Stuart Mill procura evitar a concretização do que foi denominado de despotismo da maioria.

Está embutida nesta posição, uma defesa da constituição de um governo (democrático) exercido pela classe dominante, no caso, a burguesa. Esta classe executaria inclusive políticas beneficiárias a quem lhe fizesse oposição exatamente para frear a sanha dos componentes de sua própria classe social, pois ela poderia colocar a situação em risco de uma revolução ao exagerar os conteúdos das próprias reivindicações diante de seus pares. Isto pode gerar animosidades que se difundiriam pela sociedade e suas conseqüências são imprevisíveis. Para Stuart Mill, existem duas espécies de perigos iminentes próprios da democracia representativa. O primeiro destes perigos é o de ocorrer uma composição predominante de representantes da sociedade por pessoas com grau inferior de inteligência. O segundo perigo que ele aponta, é o da possibilidade de elaboração de leis favoráveis à maioria numérica da sociedade, quando esta maioria se compuser de pessoas da mesma classe social, ou seja, do proletariado. Se assim é, ocorre um beneficiamento de uma parte da sociedade acarretando prejuízo para todos os outros setores de maneira permanente. Para evitar estes perigos, é necessário constituir um governo que seja representativo de todos os cidadãos individualmente e organizados em classes sociais. Trata-se, portanto, de fazer com que o corpo político garanta a satisfação dos interesses das frações presentes na sociedade e organizadas em forças políticas. É preciso ter cuidado quanto às controvérsias partidárias e realizar uma vigilância sobre os possíveis resultados destes confrontos. As controvérsias entre partidos políticos são meios de se definir qual das classes (ou fração de classe) terá mais o comando das decisões sobre as políticas do Estado (Cf. Stuart Mill, 1964:41-58, 75-86, 111).

Há algo que pode resultar destes perigos. Mantendo as classes sociais com seus interesses correlatos, a classe social dirigente deve ser a que dispõe de maioria numérica de componentes? A resposta a esta questão pode ser obtida a partir da posição tomada sobre a forma de governo e sobre o tipo de democracia.

A condução perigosa dos negócios públicos numa democracia em razão dos riscos implícitos que ela pode acarretar cedo ou tarde para a burguesia pode ser efetivada através de um governo representativo. Assim sendo, a melhor forma de governo para a burguesia não a torna imune aos riscos potenciais de uma derrocada, se considerarmos a possibilidade da renovação dos conteúdos e das direções das forças políticas pelos diversos rumos dos movimentos sociais. Diante desta constatação, a burguesia procurou alguns cuidados quanto aos rumos que podem despontar desta forma de exercício do poder de Estado.

4.1.2 – O governo representativo

A representação do conjunto da sociedade nos (principais) mecanismos de decisão que compõem o Estado pode revelar o seu caráter e que tipo de configuração ele procura efetivar. O corpo político recorre à sociedade em busca de legitimação sempre que vislumbra ou mergulha em crises e procura preveni-las ou solucioná-las. Assim é nas organizações e nas forças constituídas (ou em formulação) na sociedade em que o poder de Estado busca suas energias para vencer as resistências ao projeto que pretende manter ou implantar.

Aristóteles trilhou por semelhante caminho. Ele argumenta que é melhor estabelecer um governo e gerenciar os negócios públicos que tenha sua principal base na classe média. Isto em razão de estarem na classe média os cidadãos “que melhor se