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OS PROPÓSITOS GERAIS DAS POLÍTICAS PARTICIPATIVAS 5.1 A participação popular

TERCEIRA SEÇÃO PARTICIPAÇÃO POPULAR E POLÍTICAS DE ESTADO

OS PROPÓSITOS GERAIS DAS POLÍTICAS PARTICIPATIVAS 5.1 A participação popular

O alcance da participação popular é apresentado nos mais diversos autores como que girando em torno de três perspectivas teóricas determinantes desta prática política, que ora se combinam, ora se conflitam de acordo com a opção e prática política inerente à produção teórica (Cf. Althusser, 1978:18; e 21; e Lênin, 1977:96-97). Com isto, é possível vislumbrar o que pode ser obtido com a participação popular a partir da perspectiva teórica dos que analisam os processos de participação. A primeira perspectiva teórica nega a possibilidade da efetiva participação popular nas decisões de governo. A segunda perspectiva teórica apresenta a participação popular circunscrita aos limites da (des)ordem social vigente. A terceira perspectiva teórica apresenta a participação popular como portadora de um potencial transformador da sociedade atual e a relaciona com a utopia de uma sociedade sem classes.

Consideraremos as reflexões sobre a participação popular partindo de dois aspectos que consideramos complementares que são: o lugar teórico e o lugar social de produção das mesmas.

O lugar social de produção teórica constitui da clareza com que a reflexão apresenta posicionamentos em favor ou contra uma classe social que compõe uma determinada sociedade. Estar a favor de uma classe social implica em assumir seus projetos políticos fundamentais. Assim, optar pelas classes populares leva a assumir suas lutas imediatas e históricas em busca de uma nova ordem social. Grande parte das reflexões apresenta-se como se não tivesse uma teoria explícita, ou relega a teoria a um segundo plano. Desconsiderar a relevância da teoria é permanecer em um nível pragmático sem a possibilidade de crítica elaborada a alguns elementos centrais do contexto em que as políticas são efetivadas, inclusive a política orçamentária.

Neste trabalho assume-se que o lugar teórico, ou seja, os instrumentos de reflexão que compõem uma teoria no conjunto do conhecimento humano, - que também é um espaço de conflitos - é o que possibilita o exercício de uma crítica e autocrítica mais consistente. Sem o exercício da crítica, muitas vezes, perde-se a visão dos objetivos pretendidos e realizam-se atividades que contribuem para reproduzir o que se pretende superar. Sem postura crítica, fica difícil perceber e avaliar o alcance de uma crise. Toda teoria é produzida por pessoas situadas num mundo em conflitos que podem conduzir a impasses com variadas repercussões (Cf. Bourdieu, 1983:16). Esta crise contém pelo menos dois elementos relevantes que são: a falta de apoio popular e a escassez de recursos, ou, em outros termos: trata-se de uma crise de legitimação e uma crise fiscal. E, pior: a experiência perde o seu rumo no próprio ato da sua execução, se o contexto social, político e econômico for desconsiderado. Se a opção política do agente das políticas é a reprodução da ordem social, a legitimação de sua prática política fica com um problema em relação ao contingente populacional envolvido, pois, admite-se a escassez de recursos diante das necessidades da população. Chega-se novamente à crise (talvez com outros elementos) que se procurou superar. Assumir uma postura teórica é definir o lugar ocupado dentro dos conflitos sociais e políticos na produção dos conhecimentos e suas repercussões no contexto social em que esses mesmos conhecimentos são elaborados (Cf. Oliveira, 1995:23-37).

5.1.1 – A participação popular e a divisão do trabalho político

A participação popular nas definições de políticas orçamentárias representa uma oportunidade de interferir em um aspecto muito caro da burocracia estatal que é o do planejamento e aplicação de recursos coletados na sociedade. Estas políticas geram a possibilidade de novas forças sociais participarem da disputa na definição dos rumos das políticas de Estado. Está, neste aspecto, uma oportunidade de transferência do poder político para a classe trabalhadora (Cf. Genro & Souza, 2001:24).

Limitar a política participativa a “um mecanismo institucional que acaba contribuindo para uma tomada de decisões mais legítimas e democráticas” nada mais

faz do que legitimar a ordem existente (Silva, 2003c:23: Cf. Faria, 1996). As lutas populares ficam restritas à competição por migalhas, em vez de exigir maiores disponibilidades de recursos da parte do Estado.

Quando há um início de fissura na burocracia de Estado pelos efeitos da política participativa, logo aparecem defensores da ordem qualificando estes agentes em prol da participação popular como sendo totalitários. Assim despontam posicionamentos afirmando que “o denominado Orçamento Participativo (...) busca solapar e esvaziar a autoridade, já fragilizada, dos corpos legislativos (...). Ora, na democracia constitucional, o governo da lei tem precedência sobre o governo do povo (...). Cada representante em particular e a assembléia representativa (...) lhes incumbe definir, e não à vontade dos eleitores” (Tavares, 2000:146-147, 159). Para esta visão, o orçamento participativo como uma forma de participação popular na definição de política de Estado, é uma representação distorcida da sociedade no aparelho político. Vêem nessa política participativa a expressão de um totalitarismo que querem evitar (Cf. Lorenzoni, 2000:127).

Conforme a perspectiva deste teor a representação política, tanto a executiva quanto a legislativa, está imbuída de um caráter eterno e possuem lógicas internas de funcionamento que são imunes às interferências populares. Para um raciocínio deste tipo, a expressão da vontade popular termina com o final de cada eleição. Deste modo, a burocracia de Estado e o governo representativo vieram para ficar. Estas duas instituições não podem sofrer questionamentos que as coloquem em risco de destruição das fronteiras entre o Estado e a sociedade. Sendo assim, para esta perspectiva, a participação popular nas decisões de Estado está revestida de uma impossibilidade substancial de ser efetivada diante do modelo de governo vigente e predominante no mundo.

A segunda perspectiva procura superar este limite que aprisiona as decisões governamentais no interior dos gabinetes da burocracia e dos procedimentos parlamentares. Assim, a implementação do orçamento participativo confronta o autoritarismo da cultura política predominante que cultiva na população “uma visão delegativa do poder, em que se espera que o Estado apresente e implemente soluções aos problemas da cidade” (Pontual, 1994:65). Busca-se melhorar as relações entre o

aparelho de Estado e sociedade onde as políticas terão suas repercussões. Portanto, os agentes da participação popular têm a necessidade de questionar o Estado enquanto responsável pela efetivação de políticas. Tanto assumindo uma postura progressista de reprodução da ordem burguesa (superação do tradicionalismo, racionalização), quanto procurando a sua superação sem uma teoria adequada aos desafios colocados pela luta de classes (limitação às questões em torno da democracia burguesa), corre-se o risco de estar sendo levado para a situação de barbárie que o capitalismo tende a criar, em razão da sua tendência de queda na realização dos valores privadamente acumulados e na persistência em continuar perseguindo esse objetivo, mesmo que para isso, frações da própria burguesia acabem sendo eliminadas da apropriação dos produtos do trabalho coletivamente realizado (Cf. Mandel, 1990:10-15).

O entendimento da participação popular na definição das políticas orçamentárias como limitadas ao grau de consulta implica acatar a (existência da) burocracia como algo inevitável e imprescindível à vida coletiva, como divisão de tarefas entre as propriamente políticas e outras pertinentes às organizações sociais. Assim, é a afirmação de que “a idéia de maximizar a participação política é inteiramente válida, desde que ressalvada a hipótese de (não) se reportar ao homem total que pesca pela manhã, participa das instituições políticas durante à tarde, para à noite, debruçar-se sobre a filosofia” (Goulart, 2002:174). A postura deste autor sintetiza os dois eixos da questão da participação popular. A quebra da rigorosa divisão social do trabalho pode ter como conseqüência a destruição da barreira existente entre governantes e governados. Este é um dos elementos constitutivos da transição socialista (Cf. Martorano, 2002:195).

Não enfrentar esta questão, significa limitar a participação popular a demandas apresentadas ao governo para que a burocracia de Estado redefina os conteúdos propostos de acordo com as prioridades institucionais. Assim, a competência que a burocracia estatal reserva para si é conservada a qualquer custo deixando-a na incumbência de decidir as questões que envolvem conflitos de classes, o que contraria a concepção de cidadania plena. Por outro lado, o ato de descartar a referência “ao homem total” comporta a recusa da concepção de uma nova sociedade e a defesa de uma concepção de cidadania que não supera os limites da reflexão de Aristóteles na medida em que, após indicar a substancialidade cidadã como a participação nas decisões

administrativas e judiciárias de forma alternada entre as pessoas como meio generalizar esta condição social e política, e depois reserva este caráter a uma classe privilegiada da sociedade. (Ver capítulo I. O Estado pré-burguês).

5.1.2 – A participação popular e a utopia de uma sociedade sem classes

Acatar a divisão social do trabalho e, conseqüentemente, a do trabalho político como atividades exclusivas e aprisionadoras dos seres entre quem ordena e que obedece, ou entre os que elaboram políticas e os que simplesmente executam-nas é fundamentar a própria ação no interior da formação social, sem vislumbrar a possibilidade de algo completamente novo, com o desmonte das bases sobre as quais a sociedade atual está sustentada e apontadas na argumentação de Marx53. Evidentemente, a sociedade atual não comporta plenamente as expressões humanas da futura organização da vida coletiva. É necessário romper as determinações da sociedade burguesa. A barreira que separa o trabalho material do trabalho intelectual há que ser destruída e a propriedade dos meios de produção há que ser transformada em coletiva para que novos seres humanos possam expressar suas potencialidades em uma nova sociedade, onde o Estado não seja mais necessário (Cf. Marx, 1985b:17; Lênin, 1978c:275)

Outra postura também conservadora repensa o conceito de revolução: “O que torna as revoluções de 1989 peculiares é a percepção de que o fim último das revoluções já não é mais a reestruturação do Estado a partir de um novo princípio, mas a redefinição das relações entre Estado e sociedade sob o ponto de vista desta última” (Avritzer, 1993:213). É como se os países do Leste Europeu compusessem a única e última forma de efetivar o projeto de uma sociedade sem classes como se o fenômeno ocorrido naqueles países representasse a vitória cabal do liberalismo no mundo. “A transição do capitalismo para o comunismo constitui toda uma época histórica. Enquanto ela não termina, os exploradores continuam a manter a esperança da

53 “Na sociedade comunista, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição” (Marx & Engels, 1980:41).

restauração, e esta esperança transforma-se em tentativas de restauração” (Lênin, 1979a:23). A falta de entendimento adequado da transição do capitalismo ao comunismo faz surgir posicionamentos que preservam a instituição estatal e procuram estabelecer e reformular as relações entre esta instituição e a sociedade como pólos permanentes. O objetivo último destas proposições fica limitado ao que já está estabelecido, senão um aprimoramento das relações políticas. Mas, qual é o alcance destas reformulações com a participação popular?

O orçamento participativo propicia “uma nova concepção de reforma do Estado, a partir de uma relação Estado – sociedade, que abra o Estado a estas organizações sociais (...) dissolvendo o autoritarismo do Estado tradicional sob pressão da sociedade organizada” (Genro, 1996:3; Idem, 1995:116-121). Mas, que resultados são postulados com o processo de participação nas gestões públicas? Os autores apresentam três observações sobre as possibilidades da participação popular em decisões de Estado. Primeiramente, as políticas participativas são vistas como inovadoras no discurso, mas não desenvolvem uma efetiva participação popular na gestão pública e mantém antigas práticas clientelistas. Em uma segunda observação, há quem defenda que a participação popular exige e efetiva uma gestão consensual dos negócios públicos. Grande parte das produções teóricas sobre a participação popular na gestão pública apresenta esta caracterização. A terceira observação de resultados vislumbra a possibilidade da construção do socialismo com a contribuição do processo participativo na gestão pública.

A primeira observação constata resultados e reconhece os significativos avanços quanto à forma de gestão, mas sustenta que as gestões participativas não conseguiram superar antigas práticas que são incompatíveis com a nova proposta expressa nos próprios discursos dos seus agentes54. As mobilizações participativas ficam restritas a meros espetáculos (Cf. Moisés, 1990:17). Ou ainda, a proposta de participação popular encontra seu limite intransponível na impossibilidade dos cidadãos disporem dos elementos plenos da racionalidade argumentativa para fundamentar as deliberações (Cf. Navarro, 2003:107). Continuam sendo observados os oferecimentos

54 A experiência italiana de participação popular também apresentou contradições. “O comportamento político em certas regiões pressupõe que a política implica delimitação coletiva sobre as questões públicas. Já em outras, a política é hierarquicamente organizada e liga-se mais diretamente a vantagens pessoais” (Putnam, 2002:110).

de favores pessoais, especialmente, quando há um vínculo de tais práticas com processos eleitorais que, ao quebrar a tão propagada igualdade de concorrência, alija mais ainda a população da representação efetiva nos postos de decisão do poder de Estado (Cf. Andrade, 1997:174; e Leal, 2003:200).

Um contexto deste tipo só contribui para a manutenção de um circulo vicioso com uma lógica de dominação social e política, onde o poder político e econômico defende os interesses da classe dominante com os votos da classe dominada. Mudam-se as pessoas nos cargos públicos e procura-se garantir a continuidade da dominação burguesa. A quem interessa esta participação popular? É para legitimar medidas e políticas efetivadas por um Estado em que os setores populares ficam excluídos do uso de determinados recursos? Mas, este processo não prossegue sem a ocorrência de crises.

A segunda observação sobre os resultados da participação popular em gestões públicas gira em torna da proposição e da defesa de uma esfera pública não estatal. Constata-se que, a partir destas políticas orçamentárias, caminha-se para a “instituição de uma esfera pública ativa de co-gestão do fundo público municipal, que se expressa através de um sistema de racionalização política, baseado, fundamentalmente, em regras de participação e regras de distribuição dos recursos de investimentos” (Fedozzi, 1997:198). Esta mesma matriz argumentativa aparece em diversos outros autores com variações terminológicas sobre o mesmo conteúdo. Assim, reconhece-se no orçamento participativo uma potencialidade contraposta aos autoritarismos presentes na vida política. Neste sentido, o Programa Prefeitura nos Bairros tem como objetivo o de viabilizar a participação popular “através da criação de fóruns institucionais de entidades representativas dos movimentos sociais de bairro e que tenham como funções propor, acompanhar e fiscalizar as ações do poder público municipal” (Soares & Soler, 1992:27). Assim, o ápice da participação popular fica restrito aos atos de proposição. A participação popular, em geral, e também quanto ao orçamento participativo, possibilita o “alargamento do espaço público e a busca de nitidez nas relações entre o público e o privado” (Daniel, 1994:24-25).

É neste sentido que também despontaram as proposições de fazer o que é possível de ser feito. Isto é limitar-se aos contornos da sociedade atual, fazendo ajustes pontuais. “A saída para uma ‘utopia possível’ é a reforma, feita com uma amplitude

social e uma abertura política sincera, não meramente taticista” (Genro, 2004:97). Não resta dúvida que nestas posturas aparecem o retorno à valorização da substancialidade burguesa das instituições públicas, pois menospreza o aspecto tático que estabelece posicionamentos visando superar uma situação e, ao invés disso, passa-se a reforçar conteúdos já estabelecidos. Este processo é constantemente repetido nas lutas entre a burguesia e o proletariado. A recusa da busca de meios que concretizem o projeto de uma sociedade sem classes resulta em recuos cuja reversão se torna um grave problema para a luta dos trabalhadores. “Quando o ‘espectro vermelho’ continuamente conjurado e exorcizado pelos contra-revolucionários finalmente aparece, não traz à cabeça o barrete frígido da anarquia, mas enverga o uniforme da ordem, os culotes vermelhos” (Marx, 1978:42).

A terceira observação quanto aos resultados da participação popular nas gestões estatais (públicas) procura vislumbrar as possibilidades de ruptura com a (des)ordem atual e ressalta os elementos do processo participativo na gestão pública que apontam para a construção do socialismo como transição ao comunismo. Assim, o orçamento participativo não pode se restringir à distribuição dos recursos disponibilizados para a disputa entre os setores sociais interessados nele. É preciso que esta política orçamentária contribua para a construção de uma sociedade condizente com os interesses populares e que ela aponte para o socialismo. O orçamento participativo, apesar das investidas contrárias à sua continuidade e aprofundamento das questões que ele abarca, permanece como instrumento da autonomia e construção da “soberania popular (e procura não se limitar ao) imediato localismo das reivindicações” (Pont, 2003:21 e 27; Cf. Dutra, 2001:12).

A incorporação de setores populares na definição de políticas de Estado pode levar à superação da revolução dentro da ordem para a necessidade de uma outra ordenação social em que a exploração humana deixe de existir e a dominação se torne coisa do passado, na medida em que acontece a mudança na cena política com a presença de um conjunto populacional significativo que não havia sido reconhecido com capacidade para tanto. As políticas terão que assimilar outros conteúdos para serem coerentes com um projeto digno dos interesses das classes populares (Cf. Saes, 1984:112-137; Idem, 2001:31-34; e Harnecker, 2000b:195)

5.2 – As classes populares e suas lutas

A democracia pode constituir um elemento da via para a transição do capitalismo ao socialismo. No espaço democrático as facções em ação se defrontam com posições cujo antagonismo reclama uma nova sociedade. Nele, muitas vezes, ocorre que setores populares organizados obtêm conquistas pontuais para o conjunto da sociedade. Mas é preciso considerar os limites próprios do modo capitalista de produção, que trava a transformação do Estado que lhe é próprio, quando as políticas tendem em direção aos interesses das classes dominadas. Para isso, a burguesia não vacila em retroceder diante de suas próprias instituições e recorrer às forças repressivas na defesa da ordem vigente. Há um limite que não será permitido ser transposto: a democracia representativa possibilita modificações secundárias e mantém as condições estruturais da exploração dos produtores diretos e a acumulação privada de valores (Cf. Poulantzas, 1980:293).

Por isso, limitar-se aos aspectos formais relativos à representação é ficar no meio do caminho. A gravidade da situação exige ir além; pensar e agir, tendo em vista a superação da forma como a sociedade burguesa se encontra organizada. Uma política transformadora exige reflexão teórica. Pensar a prática política e a efetivação de políticas de Estado considerando a natureza deste mesmo Estado é uma atividade que somente pode ser bem efetivada com o recurso a uma teoria crítica das situações vividas. Políticas realmente populares, que não se restringem às necessidades imediatas da reprodução são conflitantes com a natureza do Estado burguês. É preciso um compromisso decisivo com os setores populares e suas lutas e, com isso, realizar algumas políticas que aglutinem forças alternativas à ordem que está posta pela burguesia. A democracia precisa se tornar efetivamente popular, portanto, contraditória com a ordem burguesa. Na configuração com que ela se apresenta, ela é um espaço de lutas. É necessário ir além da forma e questionar a estrutura do Estado burguês (Cf. Marramao, 1990:164; Lênin, 1979b:317).

As políticas orçamentárias participativas surgem em parte de momentos de crise do Estado burguês. Elas se apresentam em duas faces. Uma se manifesta na condução

do processo de ordenamento social que procura garantir a reprodução das condições de domínio de classe. Esta é uma crise de legitimação do exercício do governo. A crise torna-se grave à medida que setores cada vez mais amplos da sociedade expressam descontentamentos diante da condução das políticas de Estado. A legitimidade da representação coletiva é questionada, pois, suas ações não correspondem aos interesses gerais da população. A outra acontece no próprio processo de produção de riquezas, quando as mercadorias produzidas não podem ser vendidas por um preço que garanta a acumulação de valores pelos capitalistas. Esta é fundamentalmente uma crise de superprodução relativa, em outros termos, uma crise de realização. A crise adquire conotações estruturais. O Estado burguês pode suprimir a democracia para tentar superar a crise e garantir a continuidade da ordem social que lhe é própria. Com isso, os movimentos sociais e políticos elaboram suas reivindicações de forma mais consistentes e abrem diversas frentes de luta para procurar realizá-las. É quando um partido de oposição ao ordenamento social burguês ocupa uma unidade federativa e efetiva as