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Formar professores para aprender a refletir sobre a sua prática

CAPÍTULO 2 – FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

2.2. Formar professores para aprender a refletir sobre a sua prática

As políticas educativas e o complexo mundo do ensino fizeram com que houvesse uma reorientação da formação inicial. De facto, antigamente teve:

(…) implícito o pressuposto de que o professor é um profissional que trabalha isoladamente numa sala de aula com os seus alunos, mais do que um profissional que trabalha colaborativamente com outros profissionais dentro de uma organização complexa (Formosinho, 2002, p.11).

Nesta perspetiva, a formação passa a centrar-se na escola e não somente na sala de aula, uma vez que o contexto da escola é considerado fulcral para o bom desempenho profissional do professor.

No entanto, como defende Garcia, o currículo da formação inicial de professores “(…) tem vindo a caracterizar-se por se centrar quase exclusivamente na aquisição de conhecimentos profissionais (pedagógicos, psicológicos, científicos) por parte dos professores em formação” (1999, p.91).

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Garcia defende ainda que, a tendência geral na formação inicial de professores “(…) consiste em apresentar aos professores em formação o conhecimento como algo já dado, objectivo, absoluto, indiscutível, por oposição a uma concepção do conhecimento como problemático: construído, provisório, por tentativas”(1999, p.96).

Por essa razão,

cada vez mais se vem afirmando a necessidade de incorporar nos programas de formação de professores conhecimentos, competências e atitudes que permitam aos professores em formação compreender as complexas situações do ensino. Enfatiza-se especialmente o estimular nos professores atitudes de abertura, reflexão, tolerância, aceitação e proteção das diferenças individuais e grupais: de género, raça, classe social, ideologia, etc (Garcia, 1999, p.91).

Em idêntica linha de pensamento Perrenoud sublinha que:

Former de bons débutants, c’est justement former des gens capables d’évoluer, d’apprendre au gré de l’expérience, en réfléchissant sur ce qu’ils voulaient faire, ce qu’ils ont fait, ce que ça donne. Pour cela, la formation doit préparer à réfléchir sur sa pratique, thématiser, modéliser, exercer une capacité d’auto- observation, d’autoanalyse, de métacognition et de métacommunication (1996, p.6).

Neste âmbito, também Adler refere que é necessário,

implicar os estudantes num processo de reflexão crítica consistente que os estimule a questionarem o que se assume como natural, a desvelar as suposições ocultas, a observar sob novas perspetivas . Significa questionar os estudantes não só através de perguntas de “como”, mas “o quê” e “para quê”. Significa ajudá-los a desenvolver a capacidade de tomar decisões sobre o ensino e a aprendizagem que permitam tomar consciência das consequências éticas e políticas e das possibilidades alternativas (cit. por Garcia, 1999, p.92).

Além disso, o ordenamento jurídico da formação de professores (Decreto-Lei nº43/2007 de 22 de Fevereiro) também define que a componente de prática pedagógica deve ser concebida “(…) numa perspectiva de desenvolvimento profissional dos formandos visando o desempenho como futuros docentes e promovendo uma postura crítica e reflexiva em relação aos desafios, processos e desempenhos do quotidiano profissional” (art.º 14ª alínea d).

No mesmo sentido se pronunciam alguns autores como, Formosinho (2002), Ponte (2000), Schön (1987) e Zeichner (1996) ao considerarem que essa componente de investigação deve centrar-se no envolvimento do professor em formação no questionamento da sua própria prática. Este questionamento deve ser orientado pelo supervisor, que acompanha as práticas do núcleo de estágio, sendo assim valorizado pela partilha no grupo.

Após as situações enunciadas, entendemos que a formação inicial de professores ficaria limitada se resultasse apenas de observações e repetições por parte dos professores estagiários. Deve, sim, constituir um espaço de participação ativa, de colaboração e reflexão, criticando construtivamente ações da prática pedagógica, de forma a ser possível promover

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um processo de desenvolvimento pessoal e profissional. Só assim será possível obter uma educação de qualidade.

Ora, nesta ordem de ideias, para Joyce e Clift o objetivo da formação inicial é:

preparar os candidatos para: a)o estudo do mundo, de si mesmo, e do conhecimento académico ao longo da sua carreira; b)o estudo continuado do ensino; c) participar em esforços de renovação da escola, incluindo a criação e implementação de inovações; e d) enfrentar os problemas gerais do seu local de trabalho (a escola e a classe…. A capacidade para aprender e o desejo de exercer este conhecimento é o produto mais importante da formação de professores (cit. por Garcia, 1999, p.81).

Relativamente à natureza e propósitos da formação inicial de professores, Korthagen apresenta três modelos: o tradicional ou dedutivo, o prático e o realista. No entanto, o autor defende uma abordagem realista na formação de professores que,

(…) articula teoria e prática (que tem sido considerada como uma das questões críticas na formação inicial de professores), construída a partir das experiências de ensino dos próprios alunos futuros professores e das suas preocupações, e relaciona-a com “novas visões das fontes intrapessoais do comportamento do professor, incluindo as partes não racionais e inconscientes do seu funcionamento (cit. por Flores & Simão, 2009, p.10).

Na opinião de Palmer, “o bom ensino não pode ser reduzido à dimensão técnica; o bom ensino provém da identidade e integridade do professor” (cit. por Flores & Simão, 2009, p.11).

Nesta linha de pensamento, Ponte et al. defendem que a formação inicial tem de garantir o desenvolvimento de competências em diversas áreas que consideram fundamentais para um adequado desempenho profissional do futuro professor, nomeadamente:

1. A formação pessoal, social e cultural dos futuros docentes:

Esta formação pode favorecer o desenvolvimento de capacidades de reflexão, autonomia, cooperação e participação, a interiorização de valores deontológicos, as capacidades de percepção de princípios, de relação interpessoal e de abertura às diversas formas da cultura contemporânea. Pode-se argumentar que se trata de capacidades e valores essenciais ao exercício da profissão (2000, p.10).

2. A formação científica, tecnológica, técnica ou artística na respectiva especialidade: “Sem dominar, com um elevado grau de competência, os conteúdos que se é suposto ensinar, não é possível exercer de modo adequado a sua função profissional” (2000, p.10).

3. A formação no domínio educacional:

A herança da pedagogia, os contributos das ciências da educação, a reflexão sobre os problemas educacionais do mundo de hoje, as problemáticas e os contributos da investigação realizada pela

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didáctica e pelas outras áreas das ciências da educação, são, naturalmente, elementos essenciais na constituição da profissionalidade docente (2000, p.10).

4. O desenvolvimento progressivo das competências docentes a integrar no exercício da prática pedagógica:

Não basta ao professor conhecer teorias, perspectivas e resultados de investigação. Tem de ser capaz de construir soluções adequadas para os diversos aspectos da sua acção profissional, o que requer não só a capacidade de mobilização e articulação de conhecimentos teóricos, mas também a capacidade de lidar com situações práticas (2000, p.10).

5. O desenvolvimento de capacidades e atitudes de análise crítica, de inovação e de investigação pedagógica:

O professor não é um mero técnico nem um simples transmissor de conhecimento, mas um profissional que tem de ser capaz de identificar os problemas que surgem na sua actividade, procurando construir soluções adequadas, pelo que tem, ele próprio, de possuir competências significativas no domínio da análise crítica de situações e da produção de novo conhecimento visando a sua transformação (2000, p.10).

Em jeito de balanço final, Ponte et al. deixam algumas recomendações relativamente à formação inicial de professores (2000, pp.12-15):

1. A formação de um professor está longe de acabar na formação inicial, sendo esta, no entanto, uma etapa fundamental porque perspectiva e orienta muito do percurso posterior. (Tal só será possível se a formação inicial do professor for suportada por uma sólida formação ética, cultural, pessoal e social);

2.Deve proporcionar um conjunto coerente de saberes estruturados de uma forma progressiva, apoiados em actividades de campo e de iniciação à prática profissional, de modo a desenvolver as competências profissionais;

3.Tem de saber partir das crenças, concepções e conhecimentos dos jovens candidatos a professores;

4.Tem a responsabilidade de promover a imagem do professor como profissional reflexivo, empenhado em investigar sobre a sua prática profissional de modo a melhorar o seu ensino e as instituições educativas;

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5.Deve contemplar uma diversidade de metodologias de ensino, aprendizagem e avaliação do desempenho do formando. (…) de modo a desenvolver uma variedade de conhecimentos, de capacidades, de atitudes e de valores. Esta exposição a diferentes métodos também funciona como um mecanismo de aprendizagem.

Em suma, com base nos postulados destes autores, convém realçar, no entanto, que “uma formação inicial de qualidade é compatível com a diversidade de modelos de formação, por oposição à uniformidade da formação de professores (Ponte et al., 2000, p.15).

De facto, “só assim será realmente possível proporcionar aos futuros professores uma formação inicial de qualidade e propiciadora de atitudes de aprendizagem e valorização profissional ao longo da vida” (Ponte et al., 2000, p.20).

2.3. Mudanças recentes na formação inicial de professores em Portugal