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CAPÍTULO 3 CONCEÇÕES E PRÁTICAS DE SUPERVISÃO

3.2. Perspetivas e modelos no contexto supervisivo português

A supervisão teve, nos últimos anos, uma evolução considerável. O conceito de supervisão até aos anos 90 era utilizado apenas em contexto de formação inicial de professores, função atribuída ao orientador de estágio e nas escolas onde se desenvolviam as práticas de orientação pedagógica. Ora, as políticas educativas do século XXI originaram uma mudança nas medidas regulamentadas no seio da escola. Como sublinha Alarcão,

quando olhamos para o desenvolvimento do percurso da supervisão, notamos um alargamento da área da sua influência, notamos uma maior associação da supervisão ao desenvolvimento profissional. Ao falar em desenvolvimento profissional, estou a pensar não só nos candidatos a professores, mas sobretudo, no desenvolvimento profissional dos que já são profissionais e se encontram em ambiente de formação contínua em contexto de trabalho; estou a considerar uma orientação mais colaborativa e menos hierárquica (2009, p.120).

A supervisão passou, então, “ (…) a focalizar-se fundamentalmente em dois níveis: a) a formação (inicial e contínua) e o desenvolvimento profissional dos agentes de educação e a sua influência no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos e b) o desenvolvimento e a aprendizagem organizacionais e o seu impacto na vida das escolas” (Alarcão & Tavares, 2003, p.144).

Neste âmbito, Alarcão e Roldão argumentam que a supervisão:

Foi acompanhando a evolução das abordagens de educação e de formação e dinamizou processos heurístico-reflexivos de aproximação à vida profissional. Ganhou uma dimensão colaborativa, auto- reflexiva e autoformativa, à medida que os professores começaram a adquirir confiança na relevância do seu conhecimento profissional e na capacidade de fazerem ouvir a sua voz como investigadores da sua própria prática e construtores do saber específico inerente à sua função social (2008, p.15).

Nesta linha de pensamento, será importante, então, analisar a evolução dos paradigmas que sustentam as orientações da supervisão. A literatura sobre supervisão confronta-nos com

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uma multiplicidade de abordagens, as quais partem de pressupostos distintos teóricos relativamente à formação e conceitos de supervisão.

Num sistema educativo fortemente centralizado e que tradicionalmente se construiu sobre um paradigma funcionalista, a supervisão orientava-se sobretudo para a transmissão de conhecimentos e consequentemente dos saberes-fazer, onde o futuro professor era objeto passivo das orientações que recebia. Este modelo é apelidado por Alarcão e Tavares (2003) de “cenário da imitação artesanal”.

De facto, antigamente, no processo da formação de professores, “ (…) consistia em colocar os futuros professores a praticar com o mestre, o modelo, o bom professor, o experiente, o prático, aquele que sabia como fazer e transmitia a sua arte ao neófito” (Alarcão & Tavares, 2003, p.17). Nesta perspetiva, o supervisor era tido sobretudo como um modelo a seguir, como se a prática pedagógica não dependesse dos seus contextos ecológicos, sociológicos e culturais. “Subjacentes a este modelo artesanal estavam as ideias da autoridade do mestre e da imutabilidade do saber, associadas à crença na demonstração e imitação como a melhor maneira de aprender a fazer” (Alarcão & Tavares, 2003, p.17).

A supervisão era muitas das vezes vista como um processo de controlo e inspeção dolorosa das práticas pedagógicas do futuro professor. Ora, esta orientação “ (…) transformou a supervisão numa actividade altamente burocratizada e rígida” (Alarcão & Tavares, 2003, p.116).

Desta forma, o modelo de ligar a supervisão a um modelo de controlo ganhou força e “ (…) os professores continuam a sentir a supervisão como um processo hierárquico e impessoal de inspecção, domínio e controlo de qualidade” (Alarcão & Tavares, 2003, p.117).

Nesta ordem de ideias, a emergência de uma abordagem crítico-reflexiva ou de um paradigma interpretativo-crítico tem vindo a revelar-se gradualmente nas atividades de formação e de supervisão, deslocando o enfoque do supervisor para o estagiário para que este se assuma como sujeito ativo da sua formação. Como refere Formosinho “o desenvolvimento do professor é o enfoque dominante destes novos modelos emergentes” (2002b, p. 62).

Neste sentido, Alarcão e Tavares também sustentam que:

(…) durante um tempo a supervisão punha a tónica no factor eficácia de ensino sem tomar em consideração que o professor, sendo um dos principais intervenientes no processo de ensino- aprendizagem, terá de se sentir verdadeiramente responsável por esse processo e com o poder de arriscar inovações e tomar decisões que lhe advêm de uma reflexão crítica, consciente e comprometida (2003, p.116).

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Ora, a abordagem reflexiva, de natureza construtivista, “ (…) assenta na consciência da imprevisibilidade dos contextos de acção profissional e na compreensão da actividade profissional como actuação inteligente e flexível, situada e reactiva (Alarcão & Tavares, 2003, p.35). Este “cenário” reflexivo tem uma enorme importância no desenvolvimento pessoal e profissional do futuro professor, pois desenvolve nele a capacidade de refletir sobre a sua própria prática letiva. A reflexão individual e conjunta levará o professor a questionar as suas próprias ações e atitudes e a modificá-las com o intuito de melhorar todo o processo de ensino-aprendizagem em que se encontra envolvido. Como Alarcão e Tavares sublinham:

O processo formativo inerente a este cenário combina acção, experimentação e reflexão sobre a acção, ou seja, reflexão dialogante sobre o observado e o vivido segundo uma metodologia do aprender a fazer fazendo e pensando, que conduz à contrução activa do conhecimento gerado na acção e sistematizado pela reflexão. (…) No cenário reflexivo, o papel dos supervisores é fundamental para ajudar os estagiários a compreenderem as situações, a saberem agir em situação e a sistematizarem o conhecimento que brota da interacção entre a acçao e o pensamento (2003, p.35).

Neste campo, a supervisão, enquanto palco de reflexão e colaboração, impede o isolamento do professor em formação que necessita de partilhar em grupo os seus problemas, práticas, atitudes e saberes para se autoconhecer, autoavaliar e se reposicionar quanto ao ensino e à aprendizagem, inovando as suas práticas.

Como antecedentes de uma abordagem reflexiva em supervisão encontramos o modelo da supervisão clínica, desenvolvida por Goldhammer (1980) e Cogan (1973) e que é um dos modelos dominantes no atual processo de orientação pedagógica: “a prática de ensino na sala de aula, a chamada “clínica”, era tomada como o ponto de partida sobre o qual procedia a uma análise conjunta dos fenómenos ocorridos, feita pelo professor e pelo supervisor” (Alarcão & Tavares, 2007, p. 24). A sala de aula constitui-se, assim, como o centro da reflexão e é pela análise conjunta dos fenómenos educativos neste contexto que se opera a formação.

Por outro lado, este modelo introduz-nos também o ciclo da supervisão que comporta as fases do encontro pré-observação, da observação propriamente dita, da análise dos dados e do encontro pós-observação. Estas fases podem ser subdivididas nas diversas tarefas que o supervisor deve desenvolver com o estagiário.

Em jeito de resumo, este modelo caracteriza-se pela:

colaboração entre professor e supervisor com vista ao aperfeiçoamento da prática docente com base na observação e análise das situações reais de ensino. A ideia de colaboração é um elemento chave neste modelo. A iniciativa do professor é também fundamental na medida em que deve ser o professor a tomar uma atitude activa e a pedir a colaboração do supervisor pra a análise de situações problemáticas, devendo o supervisor assumir a atitude de um colega que, como elemento de apoio, de recurso, está à sua disposição para o ajudar a ultrapassar as dificuldades sentidas na sua profissão (Alarcão & Tavares, 2007, pp.25-26).

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Ora, nos anos 90, as práticas dominantes no domínio da supervisão basearam-se neste modelo. Contudo, os esforços feitos no sentido do melhoramento do ensino e da renovação das escolas produziram vários modelos e configurações que incluem aspetos do modelo clínico, embora dele se diferenciassem.

Outro dos modelos que parece, de um certo modo, ser de referência, é o denominado “cenário da aprendizagem pela descoberta guiada” (Alarcão & Tavares, 2003, p. 18) que pretende levar os futuros professores a refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem, a observar outros professores, analisar a observação realizada aos outros e, a partir da teoria, desenvolver instrumentos essenciais à sua futura prática. Este modelo, que esteve na base dos estágios pedagógicos integrados desenvolvidos em Portugal nas décadas de 60 e 70, é ainda hoje uma base estruturante dos atuais estágios pedagógicos.

Outro cenário que tem vindo a ganhar força é o “cenário ecológico”. Aqui “ (…) tomam-se em consideração as dinâmicas sociais e, sobretudo, a dinâmica do processo sinergético que se estabelece na interacção que se cria entre a pessoa, em desenvolvimento, e o meio que a envolve, também ele em permanente transformação” (Alarcão & Tavares, 2003, p.37).

Assim, a supervisão deixa de estar restringida à prática pedagógica para assumir igualmente a função de permitir experiências de interação dos estagiários com o meio onde estão integrados e com as pessoas que pertencem a esse mesmo meio. Este modelo parece ser aquele que mais facilita a adaptação do professor em formação ao meio onde irá desempenhar o seu papel profissional ao longo da sua carreira. Neste cenário, a supervisão:

como processo enquadrador da formação, assume a função de proporcionar e gerir experiências diversificadas, em contextos variados, e facilitar a ocorrência de transições ecológicas que, possibilitando aos estagiários o desempenho de novas actividades, a assunção de novos papéis e a interacção com pessoas até aí desconhecidas, se constituem como etapas de desenvolvimento formativo e profissional (Alarcão & Tavares, 2003, p.37).

Além disso, com as novas exigências que são feitas aos professores e os novos papéis que eles têm de assumir dentro da escola, este modelo é aquele que deixa, definitivamente de lado a ideia do professor visto apenas como instrutor e que abraça as suas novas tarefas profissionais e envolve os estagiários nas mesmas.

Realmente, a supervisão, como era praticada antigamente, punha em relevo a interação na sala de aula com vista à eficácia em termos de aprendizagem do futuro professor. Hoje em dia:

(…) a supervisão deve ser vista, não simplesmente no contexto da sala de aula”, e normalmente a formação inicial era muito centrada na sala de aula, “mas num contexto mais abrangente da escola,

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como um lugar e um tempo de aprendizagem para todos, crianças e jovens, educadores e professores, auxiliares e funcionários e para si própria”, si própria, a escola, “como organização qualificante, que, também ela, aprende e se desenvolve” (Alarcão, 2002, cit. por Alarcão, 2009, p.120).

Ora, como podemos constatar, hoje em dia, a supervisão é pensada “não já numa perspectiva individualista e limitada ao interior da sala de aula, mas como um corpo de profissionais colectivamente empenhados no desenvolvimento e na qualidade da educação que se pratica na escola” (Alarcão & Tavares, 2003, p.131).

Outro cenário que também tem traços evidentes em algumas das práticas atuais de orientação pedagógica é o “cenário psicopedagógico”, em que “ ensinar os professores a ensinar deve ser o objectivo principal de toda a supervisão pedagógica” (Alarcão & Tavares, 2003, p.28).

É importante enfatizar, como defendem Alarcão e Tavares que “os vários cenários não se excluem mutuamente, pelo contrário, interpenetram-se”, isto é, cada um aborda a supervisão dando ênfase a diferentes aspetos, mas todos remetem para a supervisão enquanto “processo intrapessoal e interpessoal de formação profissional que visa a melhoria da educação nas escolas” (2003, p.41).

De facto, independentemente das diversas teorias e estudos sobre a supervisão e dos vários modelos de práticas, o que parece consensual entre os vários investigadores é a relevância do processo supervisivo no desenvolvimento pessoal e profissional do professor, enquanto indivíduo aprendente, colaborativo e reflexivo.