• Nenhum resultado encontrado

Conforme aponta Silva (2006, p. 13), a Fraseologia é uma disciplina nova. O autor comenta que Charles Bally, discípulo de Saussure, desenvolveu o pensamento de seu mestre que, entre tantas abordagens acerca da língua, tratou das locuções feitas como elementos pertencentes ao sistema linguístico. A partir disso, Bally emprega, pela primeira vez, o termo phraséologie em obras como Précis de Stylistique (1905), Traité de stylistique française (1909) e também Linguistique générale et linguistique française (1932), com o intuito de tratar do conjunto de fenômenos sintáticos que, por um lado, dão lugar às séries fraseológicas e, por outro, às unidades fraseológicas.

Segundo Silva, a teoria fraseológica de Bally atravessou fronteiras, sendo introduzida na Linguística soviética, a qual contribuiu com sugestões importantes para a teoria de Bally, fundamentada na Linguística francesa saussuriana. A respeito de tais informações, Klare (1986, p. 356) afirma que o ponto de vista soviético entende que a fraseologia deve ser vista como disciplina autônoma, excluindo-a da lexicologia, equiparando-as, uma vez que os fraseologismos, tais como as locuções, também possuem suas próprias particularidades e, portanto, suficientes para a investigação fraseológica. Dessa maneira, instaurou-se, em 1956, a escola russa de Fraseologia que, de acordo com Rodriguez (2004, p. 16), começou a desenvolver estudos com base na descrição sincrônica, contrastiva e histórica.

Silva (2006, p. 14) relata que, com o passar do tempo, a Fraseologia soviética foi introduzida na Espanha por meio das investigações de Casares (1950). Sua pesquisa se propôs a classificar as unidades fraseológicas (UFs) em modismos e locuções, excluindo os provérbios de tal classificação. Anos mais tarde, Zuluaga (1980) foi o responsável por alterar a proposta de Casares, classificando as UFs em locuções e enunciados, o que possibilitou o estudo dos provérbios.

Entre os autores com relevância significativa para a Fraseologia, mencionamos Corpas Pastor (1997) que, ao publicar um manual fraseológico em língua espanhola, abordou especificamente os enunciados fraseológicos, entre os quais as fórmulas rotineiras e as unidades fraseológicas (UFs), que abrangem as colocações e as locuções.

No tocante ao percurso histórico da Fraseologia francesa, iniciado com as obras de Bally, destaca-se a pesquisa de Rey e Chantreau (1997), que publicaram um dicionário

fraseológico intitulado Dictionnaire des expressions et locutions. No âmbito da Fraseologia sincrônica francesa, tem-se o manual La Phraséologie du Français (2002), publicado por Isabel González Rey. De acordo com Rodriguez, a referida obra aborda uma visão geral não apenas da Fraseologia, em geral, mas também da Fraseologia francesa, à medida em que distingue três domínios básicos: as parêmias, as expressões idiomáticas e as colocações.

Segundo aponta Silva (2006), os estudos fraseológicos contemporâneos estão fundamentados no conceito do “discurso repetido”, proposto por Cosériu (1977). A abordagem teórica do referido discurso trata de “tudo o que tradicionalmente está fixado, por exemplo: as frases feitas, as locuções cujos elementos constitutivos são substituíveis ou recombináveis segundo as regras atuais da língua” (SILVA, 2006, p. 15).

1.4.1 Unidades fraseológicas: conceituação e características

Considerando que o objeto de estudo da Fraseologia são as unidades fraseológicas (UFs) (RODRIGUEZ, 2004, p. 9), muitos pesquisadores possuem opiniões distintas ao proporem definições e conceituações acerca das mesmas.

Um exemplo para tal afirmação é apontado por Orenha-Ottaiano (2004), que listou algumas definições, as quais destacamos:

x “blocos pré-fabricados” (BOLINGER, 1976)

x “unidades lexicais multivocabulares” (multiword lexical units) (ZGUSTA, 1967)

x “expressões feitas” (ready-made utterances) (LYONS, 1979)

x “unidades lexicais multipalavras” (multi-word lexical units) (BIBER, 1995) x “tijolinhos fixos e por vezes fossilizados” (KJELLMER, 1987)

x “agrupamentos linguísticos” (AZEVEDO, 1986), entre outras.

Mesmo em meio a uma pluralidade conceitual com relação às UFs, Orenha-Ottaiano (2009, p. 51), com o intuito de justificar tal diversidade de opiniões, vale-se das considerações de Cabré, Lorente e Estopà (1996) que explicam, por sua vez que, enquanto alguns autores compartilham de um ponto de vista restrito com relação aos fenômenos fraseológicos, outros entendem que qualquer estrutura superior à palavra também são fraseológicas.

combinações lexicais convencionalizadas, frequentes, recorrentes e que apresentam certo grau de lexicalização. [...] são armazenadas em nosso léxico mental e que, ao construirmos um discurso, seja na língua materna, seja em uma língua estrangeira, são resgatadas de modo automático em um só bloco [...], conforme o grau de competência linguística.

Ao considerarmos que as UFs são combinações lexicais essencialmente convencionais ou blocos armazenados em nosso léxico mental, o processo de tradução para tais combinações torna-se uma tarefa complexa.

Refletindo acerca da questão da convencionalidade das UFs, percebemos que tudo ao nosso redor também é caracterizado por diversos tipos de convenção, uma vez que vivemos em sociedade. Os estudos de Saussure (1916) já haviam mencionado que a língua, como convenção social, não é capaz de existir sem que os contratos sociais entre os membros de uma comunidade sejam estabelecidos. O linguista também propôs a teoria de arbitrariedade do signo linguístico, a qual observa que um mesmo objeto pode ser nomeado de maneiras diferentes, de uma língua para outra (cadeira, em português; silla, em espanhol; chair em inglês). Nesse sentido, a arbitrariedade do signo linguístico é caracterizada pela convenção ou contrato social: à medida em que não há elo entre o signo (significado e significante) e o objeto nomeado, o sistema de convenções é o responsável por nomear todas as coisas.

Vale destacar que o termo convencionalidade, conforme aponta Fillmore (1979, apud TAGNIN, 1998), trata da coocorrência de elementos linguísticos, a qual não pode ser explicada com base na sintaxe ou semântica. Nesse sentido, a posição dos elementos dentro de uma UF pode ser explicada pela convenção, uma vez que a gramática não possui subsídios necessários para explicar, conforme aponta Orenha-Ottaiano (2004), a razão pela qual se usa o adjetivo antes ou depois de um substantivo em língua portuguesa – casa linda / linda casa – enquanto que, em língua inglesa, são usados antes deste – beautiful house.

Considerando as questões acima discutidas, Orenha-Ottaiano e Rocha (2012, p. 297) destacam que a Fraseologia está inserida dentro da convencionalidade, haja vista que seu foco de estudo são as combinações recorrentes da língua, entre as quais encontram-se as UFs. Os referidos autores (2012, p. 298) também observam que as UFs, além de serem recorrentes, também são cristalizadas em maior ou menor grau, isto é, seus elementos podem coocorrer com frequência, mas não sempre, e abarcam as coligações, expressões idiomáticas, binômios, provérbios, marcadores conversacionais, colocações, entre outros.

Com relação às características que distinguem as UFs de outros tipos de unidades lexicais, Corpas Pastor (1996, p. 20) menciona seis aspectos a serem tratados a seguir:

1. Frequência – os elementos que constituem uma UF como um bloco devem aparecer com mais frequência do que individualmente.

2. Institucionalização – tal aspecto diz respeito à aceitação de uma UF por meio de seu uso repetido.

3. Fixação – com relação à sua institucionalização, a UF é fixa semântica e formalmente.

4. Variação – embora uma UF seja fixa semântica e formalmente, há a possibilidade de variação em sua estrutura interna, sem comprometer o sentido global. Entretanto, nada impede que o falante, em pleno uso de sua criatividade, proceda com modificações na estrutura de uma UF.

5. Idiomaticidade – entende-se, por tal aspecto, a impossibilidade de que um dos elementos de uma UF tenha um significado capaz de indicar a sua significação como um todo. Segundo a autora, o fenômeno é um indício de que a especificação semântica da UF atingiu o nível mais alto.

6. Gradação – aspecto concernente à existência de uma escala gradual em todos os outros cinco, acima mencionados. Em outras palavras, a autora explica que nenhuma UF possui uma estrutura totalmente fixa.

Zuluaga (1980) destacou a idiomatiticidade e a fixação fraseológica em seu estudo. Para o autor (1980, p. 126), a idiomaticidade diz respeito ao fato de que cada elemento de uma UF não possui conteúdo semântico em si mesmo. Dessa maneira, não é possível extrair o significado de uma determinada combinação apenas levando em consideração seus elementos isoladamente. Como exemplo de idiomaticidade, a combinação “sacudir a poeira” em seu sentido global significa o ato de superar alguma dificuldade. Entretanto, nenhum de seus elementos isolados pode indicar tal ideia.

No que concerne à fixação fraseológica, o autor (1980) destaca que as UFs são criadas por meio da fala e que, devido à repetição, tornam-se elementos pré-fabricados, disponíveis para futuros atos de fala, ao contrário das combinações livres que são menos frequentes em uma comunidade de falantes. Nesse sentido, as UFs pertencem à língua entendida, por sua vez, como instituição social e não como um sistema.

A repetição, segundo Zuluaga (1980, p. 25) é um fator importante para o desenvolvimento de uma cultura, assim como de um sistema linguístico. No caso das UFs, o autor (p. 17) enfatiza que o processo contínuo de repetição de refrãos, locuções e ditos célebres, por exemplo, é o que realmente constitui uma UF.

A fixação também é estudada por Ruiz Gurillo (1997), que listou cinco características concernentes às UFs:

x Componentes léxicos invariáveis – os componentes de uma UF não sofrem alteração de número, de gênero, de determinante, de pessoa, e de tempo verbal.

x Componentes léxicos não comutáveis – não é possível substituir um dos componentes de uma UF por outro correspondente. Exemplo: “pedir a mão”, no sentido de pedir alguém em casamento e nunca “pedir o pé”.

x Componentes não permutáveis – os componentes de uma UF estão disponibilizados em ordem fixa, não sendo possível mudar a ordem. Exemplo: “dar murro em ponta de faca” e não “em ponta de faca, dar murro”.

x Componentes léxicos não separáveis – impossibilidade de acrescentar um elemento a uma UF. Exemplo: dar murro em ponta de faca afiada. Da mesma maneira, não é possível omitir qualquer componente. Ex: “ficar cara a cara” e nunca “ficar cara”

x Fixação transformativa – impossibilidade de passar uma UF para a voz passiva. Exemplo: joguei a toalha, no sentido de desistir de algo e nunca “a toalha foi jogada por mim”. Também existe a impossibilidade de uso da nominalização. Exemplo: “farol vermelho” e nunca “a vermelhidão do farol”.

Os exemplos de UFs acima, apesar de indicarem a natureza fixa de seus componentes, não dizem respeito às colocações especializadas, especificamente. Dessa maneira, abordaremos algumas conceituações do referido tipo de UF, tratando também das colocações de língua geral.