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DA RAZÃO DIALÉTICA

3- OS GRUPOS E A HISTÓRIA

3.2 Função, estrutura e organização: a razão dialética constituída

O movimento espiral da Crítica apresentou, a princípio, dois tipos de ação inteligível, quais sejam, a translúcida e abstrata práxis individual e a rudimentar práxis do grupo-em-fusão. Mas, a partir do desafio posto à sobrevivência e à permanência do grupo, a liberdade, enquanto práxis comum, inventou um novo vínculo de sociabilidade mediante o juramento e sua estrutura de fraternidade-terror. No mesmo movimento, porém, diante das circunstâncias externas (a escassez) e dos desafios de consolidação do grupo, surgem novas demandas e novas relações. A alteridade ameaça renascer e o grupo já não está mais em todas as partes. Começam a aparecer, de fato, as primeiras diferenciações práticas em seu interior. Instaura-se uma divisão de funções e a organização grupal ganha em complexidade. O grupo se torna organizado.

Cada função como relação minha com tal Outro ou com todos os Outros se define

negativamente como limite recíproco (direto ou indireto) de competências e

positivamente como ação que requer e permite minha ação. Mas a função é o indivíduo comum ou o ser-no-grupo de cada um. No nível da organização, o ser-no- grupo não é mais uma determinação abstrata e polivalente das relações humanas: é a relação organizada que me une a cada um e a todos. Mas essa relação humana, exprimindo concretamente um ser, recebe dele a rigidez inerte636.

A função fornecida pelo grupo organizado a cada um de seus membros, como limite inerte da liberdade de cada terceiro, é baseada na violência-terror; a não-práxis, o poder do processo predomina sobre o homem. Sartre lembra das diferentes funções exercidas dentro

635 SARTRE, 1985, p. 536. 636

de um time de futebol, que representam totalizações diacrônicas da tarefa e do campo prático. “A ação é um irredutível: podemos compreendê-la se conhecemos as regras do jogo (ou seja, a organização do grupo a partir de seu objetivo), mas não podemos de forma alguma reduzi-la a essas regras” 637. Por isso, à medida que a práxis individual ultrapassa por sua temporalização concreta seu estilo específico, o indivíduo grupal em si é retrospectivamente modificado por cada outra práxis. Mas, sua práxis não será necessariamente validada pela de outrem. Ao passar a bola para um companheiro de equipe, o jogador o faz com uma determinada expectativa de jogada que pode ou não ser a que o outro executará.

A experiência crítica revelou, até o momento, que o grupo organizado é “uma circularidade complexa de reciprocidades mediadas, diretas e indiretas” 638. Agora, não há mais invenção espontânea de relações, mas sim uma inércia recíproca determinada pela divisão funcional. Encerrado em sua própria solidão, cada indivíduo tem garantias e imperativos, direitos e obrigações, que se definem por sua função. Paradoxalmente, porém, essa reciprocidade inerte pode se transformar em uma afirmação contra o vazio e a separação, pois apresenta uma materialidade inorgânica da liberdade. Evidentemente, no entanto, por ser atravessada o tempo todo pela práxis grupal, cada reciprocidade mediada está sujeita a um perigo constante de modificações por reações secundárias, redistribuição ou reavaliação de tarefas. “O grupo organizado só é prático e vivente como síntese progressiva de uma pluralidade de campos recíprocos. Dito de outro modo, toda organização comum é

multidimensional” 639.

Certamente, diz Sartre, existem tais multiplicidades recíprocas, e com grande complexidade, mas ainda seria possível saber se e em que medida estão presentes no grupo organizado independente do seu passado e de seu objetivo concreto. Com efeito, diante da necessidade de sobreviver, o grupo viu-se obrigado a transformar a alteridade em vias de ressurgimento em uma divisão prática de funções subordinadas à realização de um objetivo comum. Tratava-se, assim, de criar uma nova síntese capaz de unificar as múltiplas reciprocidades mediadas, uma estrutura.

A função como práxis vivida encontra sua objetivação na estrutura da organização. Em outras palavras, a estrutura é a objetivação da função. Mas, então, caberia indagar: há uma estrutura inerte da organização fora do campo prático e dialético, detentor de algo como uma necessidade inorgânica? Qual seria a inteligibilidade da estrutura? Estaria

637 SARTRE, 1985, p. 554. 638 SARTRE, 1985, p. 566. 639 SARTRE, 1985, p. 574-5.

Sartre de acordo com a concepção de estrutura hegemônica já à época de redação da Crítica, isto é, aquela proposta por Lévi-Strauss?

Sartre trava um diálogo com Lévi-Strauss a partir da obra mais importante deste último, As estruturas elementares do parentesco640. Ao analisar a vida social de tribos originárias, Lévi-Strauss catalogou uma série de normas que se fariam presentes nas mais diversas formas de sociedade – uma espécie de conjunto inconsciente de regras que moldariam a organização da vida e o comportamento dos diversos povos, sem que tomassem consciência delas. Neste fenômeno, Lévi-Strauss enxergava a possibilidade de se encontrar uma unidade última do espírito humano, a inteligibilidade de todas as formas de cultura, cuja base seria formada por três estruturas fundamentais: a da língua (inclusive na forma de mitos), a da produção de bens (economia) e a do parentesco.

Assim, em As estruturas elementares, ao analisar as classes matrimoniais das sociedades originárias, Lévi-Strauss observa que a proibição do incesto seria o meio positivo através do qual as diversas formações sociais puderam (e podem) surgir. Com efeito, à pergunta: “há algum grupo no qual nenhum tipo de casamento é proibido?”, diz o antropólogo, a resposta só pode ser não. A proibição do incesto, ao mesmo tempo em que se verifica, em algum nível, em toda e qualquer sociedade, é objeto de interdições, sanções, normas ou leis. “A proibição do incesto possui ao mesmo tempo a universalidade das tendências e dos instintos e o caráter coercitivo das leis e das instituições” 641. Por conta dessa dupla dimensão (natural, porque universal, e cultural, porque produto da ação humana), ela representaria precisamente o ponto de passagem da natureza à cultura642.

Por isso, antes de ter um caráter negativo, restritivo, como uma leitura apressada poderia supor, este fenômeno é, para Lévi-Strauss, aquilo que permite positivamente o surgimento e a conservação de uma dada sociedade, o predomínio da cultura sobre a natureza. A proibição do incesto exige que as mulheres de um grupo sejam trocadas pelas de outro (exogamia) e vice-versa. Ao superar os laços consanguíneos pela aliança, a proibição do incesto permitiria a intervenção cultural que substitui o acaso na circulação das mulheres pela organização. Afinal, a aliança fundamenta-se na necessidade de se equilibrar o

640 SARTRE, 1985, p. 575 e ss.

641 LÉVI-STRAUSS, 2009, p. 47.

642 Com efeito, explica Lévi-Strauss, a proibição do incesto constitui “o passo fundamental graças ao qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza à cultura. Em certo sentido pertence à natureza, porque é uma condição geral da cultura, e por conseguinte não devemos nos espantar em vê-la conservar da natureza seu caráter formal, isto é, sua universalidade. Mas em outro sentido também já é a cultura, agindo e impondo sua regra no interior de fenômenos que não dependem primeiramente dela” (LÉVI-STRAUSS, 2009, p.

“dar” e o “receber” um bem escasso (as mulheres) sem o qual a conservação do grupo – necessária à sobrevivência de cada um de seus membros – ficaria comprometida.

Por exemplo, sugere Lévi-Strauss (exemplo compartilhado por Sartre, o que justifica sua exposição), consideremos duas linhagens familiares, A e B. O casamento de um homem de A e uma mulher de B é (+) para a linha A e (-) para B, e vice-versa. A perda de uma integrante é, em geral, (-) para a linhagem da qual ela faz parte e (+) para aquela que a recebeu. Tais sinais, afirma o antropólogo, precisam ser mantidos em equilíbrio. Quando este não ocorre imediatamente – por exemplo, a linhagem B perdeu uma mulher, mas, na sequência, não recebeu nenhuma outra –, tal desequilíbrio deve ser corrigido na geração seguinte. Ainda dentro deste exemplo, o filho do marido de A e a esposa de B (que agora pertencerá à linhagem A) não poderá casar-se com uma filha de ascendência B. Uma rigorosa e complicada lógica algébrica entra em operação quando se trata de casamentos entre primos cruzados, de primeiro e segundo grau, ou de outras relações possíveis, que formam as “estruturas complexas” do parentesco, derivadas das mais “elementares”, como a que expusemos acima. Contudo, convém destacar, “é sempre um sistema de troca que encontramos na origem das regras do casamento” 643. Com efeito, “porque o casamento é uma troca porque o casamento é o arquétipo da troca, que a análise da troca pode ajudar a compreender esta solidariedade que une o dom e o contradom, o casamento aos outros casamentos” 644.

Assim sendo, a proibição do incesto “é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obrigaria a dar a outrem a mãe, a irmã, ou a filha. É a regra do dom por excelência” 645. Sua finalidade é “garantir, pela proibição do casamento nos graus interditos, a circulação total e contínua desses bens do grupo por excelência que são as mulheres e suas filhas” 646.

Não obstante, como assinalado logo no início – e neste ponto se concentra a divergência maior de Sartre – Lévi-Strauss defende que essa regra não se efetivaria de modo aleatório, mas através de uma intricada álgebra ordinal que acompanharia a capacidade de nossa própria realidade cerebral (que operaria sempre a partir da relação entre pares opostos). Esta álgebra, delimitando de modos diferentes, mas sempre passíveis de redução àquelas estruturas elementares, o espaço de inter-relações dos membros de uma determinada

643 LÉVI-STRAUSS, 2009, p. 521.

644 LÉVI-STRAUSS, 2009, p. 526.

645 LÉVI-STRAUSS, 2009, p. 524-5.

sociedade, conformaria, de modo “inconsciente”, uma estrutura de organização com o intuito de preservar o equilíbrio e a preservação do grupo.

Assim, teríamos uma estrutura definida de modo ignorado pelos integrantes do grupo, mas que se impondo sobre eles, obrigaria-os a agir desta ou daquela maneira, permitindo a conservação ou a renovação de determinados setores, ou mesmo da sociedade como um todo, na medida em que elas próprias se efetivam647. Contudo, os elementos identificáveis dessa estrutura só fariam sentido quando relacionados aos demais648.

Uma relação não pode ser isolada arbitrariamente de todas as outras, e também não é possível que o indivíduo se mantenha aquém ou além do mundo das relações. O meio social não deve ser concebido como um quadro vazio no interior do qual os seres e as coisas podem ser ligados, ou simplesmente justapostos. O meio é inseparável das coisas que nele habitam. Em conjunto constituem um campo de gravitação onde as cargas e as distâncias formam um conjunto coordenado, e onde cada elemento, ao se modificar, provoca a alteração do equilíbrio total do sistema649.

Com efeito, dentro dessa lógica, “os locais num espaço puramente estrutural são primeiros relativamente às coisas e aos seres reais que vêm ocupá-los; primeiros também em relação aos papeis e aos acontecimentos sempre um pouco imaginários que aparecem necessariamente quando são ocupados” 650.

Para Sartre, como pode se supor, tudo se passa de outro modo. A filosofia da História delineada na Crítica, é sempre importante lembrar, visa decifrar sua inteligibilidade, mas de tal forma a assegurar os direitos do sujeito individual diante de todo e qualquer elemento que possa anular sua liberdade de ação, isto é, de fazer sua história (ao modo como Sartre compreende este fazer). Nesse sentido, diz o filósofo, é fato que todo indivíduo que nasce em um grupo juramentado se depara com uma situação na qual os juramentos já foram feitos em nome de seu interesse. No entanto, segundo Sartre, a álgebra ordinal lévi- straussiana, longe de denunciar, através desse fenômeno, estruturas inconscientes atuando sem a intervenção prática de cada membro do grupo, só poderia se tornar inteligível quando considerada em termos de juramentos, compromissos, preceitos, direitos, obrigações, ritos, cerimônias etc. interiorizados e exteriorizados pela práxis destes membros. Sartre denomina

647 Do mesmo modo que as regras linguisticas próprias a uma determinada língua se impõem sobre seus falantes

sem que eles tomem consciência de seus mecanismos, ou que reflitam sobre elas no momento de executá-los. 648 Por isso, explica Deleuze, o estruturalismo “não é separável de uma filosofia transcendental nova, onde os lugares prevalecem sobre aquilo que os preenche”. Com efeito, complementa o filósofo, “pai, mãe etc. são antes lugares numa estrutura; e, se somos mortais, é entrando na fila, vindo a tal lugar, marcado na estrutura segundo esta ordem topológica das vizinhanças (mesmo quando antecipamos nossa vez)” (DELEUZE. In: CHÂTELET, 1974, p. 277).

649 LÉVI-STRAUSS, 2009, p. 526.

necessidade da liberdade “essas estruturas [de casamentos e parentesco, por exemplo – V.S.] [cuja] materialidade inorgânica foi livremente interiorizada e trabalhada pelo grupo” 651. Assim, a estrutura é praticamente vivida e renovada pela ação dos membros de um determinado grupo, formando uma relação de imanência que demarca limitações recíprocas inorgânicas entre as práxis. Essa delimitação e essa separação, porém, longe de serem produtos de formas inconscientes do espírito humano, como quer Lévi-Strauss, seriam engendradas pela própria liberdade, com o intuito de conservar a possibilidade de síntese das

práxis enquanto práxis comum, que é o objetivo do grupo. Daí, por conseguinte, se estabelecer também uma relação de poder no interior da estrutura.

O poder surge quando se produz, em cada um, a inércia que constitui o trampolim necessário da práxis. Isso porque, dentro de um grupo estruturado, as relações são, também, reciprocidades mediadas. O grupo torna-se objeto para seus membros, mas ainda permanece uma totalização, nunca uma totalidade. Apenas a práxis de outrem pode produzir qualquer modificação em outro membro do grupo, nunca a unidade de inércias que o caracteriza. Isso, bem entendido, porque a estrutura é existida por todos em e através de cada relacionamento. “A estrutura é relação específica dos termos de uma relação recíproca com o todo e entre eles pela mediação do todo. E o todo, como totalização em curso, está em cada um sob a forma de unidade da multiplicidade interiorizada e em nenhuma parte alhures” 652.

De fato, a estrutura possui para Sartre um duplo caráter: ela é “objeto inerte de cálculo, se a considerarmos como estrutura, passando em silêncio sobre a totalização, ou é poder eficaz atualizado pela práxis de cada um e de todos” 653. Para Sartre, um dos erros mais graves da abordagem estruturalista é desconsiderar o momento da práxis, da ação, da liberdade (a totalização) em nome de salvaguardar a estrutura inerte (o todo). Mas, porque é ao mesmo tempo sincrônica e diacrônica, essa dupla face da estrutura exige que a abordemos como sistema e função. Assim, explica Sartre, trata-se de questionar: que tipo de existência ou de ser marca o grupo organizado na medida em que é comunal e não na medida em que se decompõe numa multiplicidade de funções? Qual a inteligibilidade dessa ação e em que constitui sua dialética? Em suma, se a práxis individual é a dialética constituinte, o que seria a

dialética constituída?

651 SARTRE, 1985, p. 584. 652 SARTRE, 1985, p. 593. 653 SARTRE, 1985, p. 595.

A práxis organizada é caracterizada pela pirâmide de inércias que a própria

práxis moldou e que agora a constituem por dentro e por fora. Sartre lembra dos complexos industriais tomados como produtos humanos, o grupo como máquina, constituído de indivíduos dialéticos e indivíduos constituintes, que por seu trabalho inventam e produzem o mecanismo no qual se encontram encerrados. Com efeito, o ser-em-comum do grupo não deforma sua característica: o grupo permanece uma multiplicidade de pontos de vista práticos de seus integrantes. Estes, por seu turno, o compreendem como uma inércia, resultado do fracasso do primeiro momento em direção à totalidade. A práxis organizacional conjunta é, simultaneamente, práxis e processo, constituída originalmente pela práxis, mas não dela constitutiva.

Cumpre, neste momento, demarcar aquilo que iguala e aquilo que diferencia

práxis e processo. Por um lado, explica Sartre, ambos são dialéticos; definidos por seu movimento e direção; transcendem os obstáculos do campo e do grupo comum; são definidos a partir de seus campos de possíveis, o que permite esclarecer o significado de seus diferentes momentos; e são, ambos, violência, fadiga, perpétua troca e transmutação de energia. Todavia, se diferenciam porque a práxis, livre, é revelada imediatamente por sua finalidade; a determinação futura de seu campo de possibilidades é iluminada por seu projeto original. Já no que diz respeito ao processo, embora, por um lado, ele “conserve todas as características da ação individual, posto que é constituído pela ação orientada de uma multiplicidade de indivíduos”, por outro, “essas características recebem nele a modificação da passividade, pois, pela ressurreição do múltiplo, cada aqui se apresenta como uma passividade (e implica a passividade como ubiquidade em todos os aqui) e a atividade aparece como o evanescente

alhures” 654.

Por conseguinte, há uma brecha na ubiquidade do processo que faz ressurgir a multiplicidade, a serialidade, pois

a atividade do outro, por mais evanescente e situada alhures que seja, efetua ainda assim uma dissolução da inércia que está sendo passivamente suportada aqui, porque esta atividade do outro, ao ser alterada, dissolve-se na atividade do outro para quem é outro, e isto ocorre alhures e em toda parte; e se a práxis necessária para dissolver a práxis na inércia é ela mesma novamente tornada passiva e inerte, a minha própria inércia dissolve-se mais ainda pela atividade que preciso exercer, a fim de produzir e manter essa inércia655.

654 SARTRE, 1985, p. 640-1. 655

A inércia juramentada como práxis comunal, no grupo, é a mediação entre atividades orgânicas. No processo grupal, a atividade prática aparece como algo incontrolável e fugaz. Sinto o processo como uma força subjetiva exterior a mim ou a qual sou exterior e me invade. O processo grupal é algo constante, por assim dizer, em nossa realidade. Vivemos no interior de grupos. Eles concorrem diretamente na formação (por definição, incompleta) da subjetividade e da identidade de cada um de nós. Como O ser e o nada já demarcava, o Outro (agora não apenas na esfera interpsíquica, mas também no plano social) é um intermediário necessário entre o indivíduo e seu ser. Para Sartre, o erro de tantos sociólogos seria explicar a realidade do grupo igualando práxis e processo, comprometendo, assim, sua inteligibilidade, em particular na forma de sua relação com seus membros. Na verdade, esclarece o filósofo, é necessário entender, de imediato, o processo como o inverso da práxis grupal. Isso significa que sua inteligibilidade “advém do fato que pode se dissolver e se reverter. De fato, ele representa simplesmente o momento no qual a ação interior do grupo sobre si mesmo se intensifica para lutar contra a multiplicidade que começa a corroê- lo” 656. Diante da realidade processual, é preciso, portanto, lutar novamente contra a dispersão serial que arrisca a existência do grupo.

O limite máximo da práxis organizacional é a individualidade orgânica e prática, na medida em que a última é constitutiva da primeira. É este agenciamento, característico da experiência crítica sartriana, que tornaria aquela práxis inteligível. Assim, o indivíduo não pode apreender o objetivo comum do grupo se este objetivo não é assumido como sendo seu próprio objetivo. O interesse comum implica, desde sua gênese, em uma metamorfose do indivíduo. O indivíduo torna-se mediador, terceiro regulador de todas as

práxis, uma vez que garante a unidade estrutural das funções e dos poderes no seio do grupo – e, portanto, possibilita a realização do objetivo comum que uma práxis individual não alcançaria por si só.

Há, com efeito, uma identidade última entre a ação individual, a ação grupal e a ação mecânica, posto que a práxis orgânica constitui a organização, a estrutura e o processo do grupo. Ao mesmo tempo, porém, há uma irredutível oposição entre os mecanismos do grupo e aqueles do indivíduo. De qualquer modo, é possível compreender originalmente uma

práxis comum justamente porque somos uma individualidade orgânica que realiza um indivíduo comum: “existir, agir e compreender são uma só coisa” 657.

656 SARTRE, 1985, p. 643. 657 SARTRE, 1985, p. 649.