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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE.

No documento O DIREITO DE PROPRIEDADE (páginas 160-180)

8. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL.

8.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE.

Antes do advento do novo Código Civil, predominava a concepção de proteção da situação possessória em razão do direito de propriedade, pois segundo lição de SILVIO RODRIGUES “ a posse obtém proteção por ser uma exteriorização do domínio. Assim, protegendo a posse, está o legislador, no mais das vezes, protegendo o proprietário, porque este é quem, no geral desfruta a posse”.212

No entanto, com o advento do novo Código Civil, esta concepção se mostra insuficiente para abranger todas as situações possessórias, sobretudo, pela consagração do princípio da socialidade.

Por outro lado, manteve-se, na lei no 10.406/02, um conceito de posse que guarda relação com o exercício do direito de propriedade, ou seja, a posse, tal como prevê a lei, caracteriza-se pela revelação, de fato, dos poderes inerentes à propriedade.

212 Op. Cit., pp. 54/55. O trecho foi retirado de obra já atualizada segundo a Lei nº 10.406/02. Em nosso entendimento, a posse assumiu nova roupagem que, embora não tenha retirado o caráter de proteção ao proprietário, mas em razão da socialidade, outros valores que ensejarão um novo perfil também à questão da proteção possessória.

Note-se que a proteção possessória, em si mesma, não está condicionada pelo cumprimento da função social, conforme esclarece ERNANI FIDÉLIS DOS SANTOS213:

“Tampouco se admitem questionamentos sobre a posse em circunstâncias que importarem descumprimento de determinações legais sobre o uso do bem possuído, não se podendo questionar, por exemplo, a defesa possessória do molestado sobre a produtividade do imóvel, conforme condicionada pela lei.

A posse é fato puro, bastando que se apresente pelo exercício de poderes inerentes à propriedade em posição normal da coisa, por ela própria revelada, sem questionamentos sobre cumprimento de obrigações e deveres impostos por leis de exigências de ordem pública, como seria a hipótese de aproveitamento determinado do imóvel. Ainda que tal aproveitamento não ocorra e, mesmo que se desatendam normas de proteção do solo ou do ambiente, respeita-se a posse como tal”.

A socialidade, então, se faz sentir, no âmbito do código civil em vigor, através da consagração de uma espécie de posse diferenciada da posse como exteriorização da propriedade, qualificada por requisitos determinados na lei e, portanto, externos.

A falta de previsão expressa da função social da posse na Constituição Federal tem conduzido a doutrina ao entendimento de que a função social da posse constitui princípio constitucional implícito, fundado em princípios como o da

Neste sentido, assim escreveu ANA RITA VIEIRA ALBUQUERQUE214

“A função social da posse como princípio constitucional positivado, além de atender à unidade e completude do ordenamento jurídico, é exigência da funcionalização das situações patrimoniais, especificamente para atingir às exigências de moradia, de aproveitamento do solo, bem como aos programas de erradicação da pobreza, elevando o conceito da dignidade da pessoa humana a um plano substancial e não meramente formal. Ë forma ainda de melhor concretizar os preceitos infraconstitucionais relativos ao tema possessório, já que a funcionalidade pelo uso e aproveitamento da coisa juridiciza a posse como direito autônomo e independente da propriedade, retirando-a daquele estado de simples defesa contra o esbulho, para se impor perante todos.

(...). Justamente em um sistema jurídico que tem por fim a pessoa humana, daí resultando a natureza teleológica dos argumentos sistemáticos, não se pode deixar de ter incluída, implicitamente, como princípio constitucional positivado, a função social da posse”.

Parece-nos, entretanto, que podemos até admitir que a função social da posse se revele pelos princípios invocados pela ilustre autora, mas, neste caso, assim como ocorre em relação ao princípio da função social da propriedade, caberá ao legislador infra-constitucional pré-estabelecer, quais sejam os requisitos de que a posse deve se revestir para que nela se reconheça o cumprimento da função social, bem como as conseqüências jurídicas decorrentes desse cumprimento.

Não se pode olvidar que a posse, quando autônoma, isto é, quando desvinculada do direito de propriedade, com este convive de algum modo, nem tampouco que a garantia do direito de propriedade também é direito fundamental, expressamente previsto na Constituição Federal.

Neste sentido, diante da propriedade que, nos termos da lei, cumpra função social, a posse não poderá prevalecer, inclusive porque, nesta hipótese, o direito de propriedade também atende ao princípio da dignidade humana e às exigências de moradia e uso e ocupação do solo.

Assim, a nova roupagem do direito de propriedade decorre de sua convivência com o valor da função social da propriedade, mas também resulta da confrontação de espaço com a função social da posse, que constituem situações possessórias qualificadas por requisitos externos, determinados pelo legislador como socialmente relevantes.

Neste sentido ensina JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO215:

“O Código Civil acabou por emprestar efeitos significativos à posse, quando a essa posse estejam somados outros valores (extrínsecos à posse, propriamente dita, à luz do conceito que está no art. 1.196 do Código Civil), tendo-o feito, o legislador, em detrimento do direito de propriedade; ou, mais precisamente, em detrimento de uma situação da propriedade em relação à qual o legislador terá vislumbrado um não exercício ativo do que pode ser feito a partir da posse (inércia,

214 Da Função Social da Posse e sua conseqüência frente à situação proprietária, Lúmen Júris, 1a Edição, Rio de Janeiro, 2002, p. 40

Oportuno destacar que a função social da posse, ao mesmo tempo em que constitui elemento integrante da própria noção de função social da propriedade, colide com o direito de propriedade, no sentido de que é causa de estabilização do mesmo direito em novas mãos, que cumprem a função social, não havendo, portanto, uma sobreposição entre os conceitos de função social da propriedade e função social da posse.

Uma vez mais, convém transcrever as palavras de JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO, referindo-se ao posicionamento da função social da posse em nossa ordem jurídica:

“A função social da posse, nos quadros do sistema normativo, é um subproduto de uma das facetas da função social da propriedade e, dentro desta se abriga. Essa a razão de termos presente, que os fatos ocorrentes como função social da posse, são tendentes a desembocar na aquisição do direito de propriedade, cessando, para o caso, por isso mesmo, situação possessória e passando a existir situação de direito de propriedade, com a perda dessa titularidade, ou desse direito, pelo precedente proprietário”.216

Colocadas estas questões, mister se faz analisar acerca dos dispositivos legais contidos na Lei nº 10.406/02, que guardam pertinência com o tema ora abordado.

O primeiro, e talvez o mais polêmico, dispositivo que evidencia o principio da função social da posse é o artigo 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil217.

Antes de qualquer coisa, cumpre ressaltar um aspecto de fundamental importância para a operacionalidade do instituto, referente a um dos requisitos exigidos, para a aquisição do direito de propriedade em razão da função social da posse.

O parágrafo 4º do artigo 1.228 da Lei nº 10.406/02 exige a posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos218. No entanto, na prática, parece difícil a

caracterização da posse de boa-fé, quando um número considerável de pessoas ocupa extensa área, na medida em que, em regra, aos possuidores caberá provar

217 O Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal, na Jornada de Direito Civil de sezembro de 2002, editou o Enunciado 83 que afasta a aplicabilidade dos dispositivos às ações reivindicatórias movidas pelo Poder Público.

218 O artigo 2.029 do Código Civil alonga para 7 (sete) anos o lapso temporal necessário para a aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária e ordinária com prazos atrofiados, prevista, respectivamente, nos parágrafos únicos dos artigos 1.238 e 1.242, durante os primeiros dois anos de vigência do Novo Código Civil. O artigo 2.030 estende a dilatação ao tempo necessário para a aquisição da propriedade, por meio da “desapropriação” prevista nos §§ 4º e 5º do artigo 1.228. Estamos de acordo com o Prof. Arruda Alvim, no sentido de que este aumento de 2 (dois) anos no prazo, no primeiro biênio de vigência do Código Civil, constitui uma chance derradeira para que o proprietário abandone a sua inércia, destinando seu bem ao cumprimento da função social ou promovendo a sua realização por outrem.

Outra tormentosa questão que devemos enfrentar a respeito do dispositivo sob comentário, consiste em determinar a natureza jurídica do instituto.

EDUARDO CAMBI220 entende que o instituto constituiria uma espécie de usucapião coletivo, posicionamento que, a nosso ver, encontra obstáculo intransponível, por que a perda da propriedade se dá mediante o pagamento de justa indenização, o que é incompatível com o instituto da usucapião.

De outro lado, situa-se corrente que defende que o dispositivo cria nova espécie de desapropriação, dentre os quais MARCO AURÉLIO S. VIANA221, que afirma que “estamos, aqui, diante de uma desapropriação indireta em favor do particular”, fundamentando seu posicionamento no fato de o proprietário ser privado da coisa esbulhada, mediante recebimento de indenização222.

219 Embora não seja requisito para a aquisição da propriedade nos termos do artigo 1.228, §§4º e 5º, havendo justo título, o que, repise-se, não é necessário, haverá presunção de boa-fé, nos termos do artigo 1.202 do Código Civil.

220 É uma espécie de “usucapião especial ou coletivo”, cujos requisitos são: a) área extensa; b) posse ininterrupta e de boa-fé por mais de cinco anos (se, porém, a posse tiver início antes da vigência do NCC, o prazo de cinco anos será acrescido de mais dois anos; art. 2.030); c) número considerável de ocupantes; d) realização conjunta ou separada de obras e serviços que o juiz entenda serem de interesse social e econômico. (Aspectos Inovadores da Propriedade no Novo Código Civil - http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto452.htm

221 Op. Cit., p.49.

222 No mesmo sentido: “ À primeira vista, a figura acima plasmada parece caracterizar-se como autêntica desapropriação, pois não se aparenta à aquisição negocial (compra e venda), nem ao usucapião, que prescinde de contrapartida econômica. Muito menos pode ser equiparada à acessão. A referência à necessidade de pagamento de justa indenização aproxima a novidade legislativa ao modelo expropriatório, mais precisamente em sua modalidade indireta, o que é reforçado pela circunstância da aquisição do domínio ocorrer de forma compulsória. (A posse e a Propriedade no Novo Código Civil. Edílson Pereira Nobre Júnior, RDP 15/22, Julho-Setembro 2.003). No mesmo artigo, o autor crítica a concentração das decisões nas mãos do magistrado, sem qualquer controle

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA entende que elas são inconstitucionais, seja porque a desapropriação é matéria constitucional, não podendo ser instituída nova hipótese não prevista na Constituição Federal, por meio de lei ordinária, seja porque embora preveja o pagamento de justa indenização, não requer que esta seja prévia. Além disso, também não estabelece quem seria responsável pelo pagamento da referida indenização.223

A nosso ver, outros pontos são relevantes. No caso das desapropriações, a transferência compulsória da propriedade particular, se dá em favor do Poder Público expropriante, o que, no caso em tela, não ocorre, já que a sentença constitui título para o registro da propriedade em nome de particulares (possuidores).

Saliente-se, outrossim, que, se tomarmos a questão como desapropriação, não há como negar que ao juiz caberia, nesses casos apreciar o juízo de conveniência e oportunidade para a desapropriação, que é vedado pela legislação própria, mais especificamente pelo artigo 9º do Decreto Lei nº 3.365/41.224

Por fim, resta mencionar que nossa legislação já contemplava a desapropriação de terrenos urbanos ocupados por mais de 10 (dez) famílias, que

do Executivo e do Legislativo, bem como afirma que não é razoável que a indenização seja imposta ao Poder Público, em razão do mesmo não ter integrado a relação jurídica processual.

223 Crítica ao anteprojeto de Código Civil. Revista forense, vol. 242, abril-maio-junho/1973, pág. 21-22. 224 Art. 9o Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.

De forma mais simples, FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO226, entende que se trata de “alienação coativa do imóvel improdutivo àqueles que lhe deram destinação social”, escapando a todos os inconvenientes referentes às questões suscitadas acima.

Entendemos que este entendimento, além de não superar todas as demais questões que suscitaremos a seguir, também seria inconstitucional, pois estabelece uma restrição ao núcleo mínimo do direito de propriedade, ao obrigar o proprietário a dispor do bem, em favor de outro particular.

A definição da natureza jurídica do instituto previsto nos §§4 º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil é bastante relevante, ainda, sob outro aspecto. Aqueles que o admitirem como espécie de usucapião, forçosamente deverão acolher a soma das posses do antecessor e do sucessor, tal como previsto pelo artigo 1.243 do Código Civil. Já às correntes que sustentam se tratar de desapropriação ou mesmo de alienação coativa, a nosso ver, não restará outra alternativa, senão negar vigência à aplicação do referido dispositivo nas hipóteses do artigo 1.228, §§ 4º e 5º da Lei nº 10.406/02.

225 Art. 2º Considera-se de interesse social: (...) IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias

No que se refere à natureza da sentença referida no dispositivo, também haverá divergência entre aqueles que entendem que o instituto é usucapião e aqueles que entendem se tratar de desapropriação, ou mesmo de alienação compulsória. No primeiro caso, haver-se-á que admitir que a sentença seja declaratória, enquanto nos demais casos, a sentença deverá ser tomada por constitutiva227, na medida em que o pagamento da indenização será considerado

condição ou pressuposto para a aquisição da propriedade228.

A questão reside, sob nossa ótica, em analisar se o pagamento da indenização229 é pressuposto para a aquisição da propriedade, ou seja, analisar se,

estando presentes os requisitos (tempo, extensão, número de posseiros e obra e serviços de interesse social e econômico), os posseiros adquirem a propriedade, restando ao antigo proprietário o direito de satisfazer o seu crédito, ou se a indenização é requisito que se acresce aos demais para a efetiva aquisição da propriedade pelos possuidores.

Em nosso entendimento, o pagamento de indenização deve ser considerado requisito que se acresce aos demais para que se defira a propriedade aos

227 A aquisição do imóvel nos termos dos §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil, há que ser considerada, independentemente da natureza da sentença, modo de aquisição originária da propriedade, pois os possuidores lhe adquirem a propriedade livre de reivindicação ou de quaisquer ônus que, por ventura, recaiam sobre o imóvel.

228 O entendimento de que o pagamento é pressuposto ou condição para a aquisição do direito decorre de ter o legislador, no parágrafo 5º do artigo 1.228 do Código Civil, disposto que “pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”.

229 Ainda no que se refere à indenização, cumpre ressaltar que o dispositivo legal não estabeleceu qualquer parâmetro que o juiz deva observar quanto ao prazo para o seu pagamento por parte dos possuidores. Assim, aliás, restou sedimentado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovado na Jornada de Direito Civil, através do Enunciado 84: “A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”.

econômica.

Daí, decorreriam duas conseqüências: a) se a propriedade só se adquire com o pagamento da indenização, a sentença que serve de título para o registro é de natureza constitutiva; b) se o pagamento não for efetuado, em vez de proferir a sentença que sirva de título, o juiz deverá julgar procedente a ação reivindicatória.

Cumpre então questionar: Qual seria a situação jurídica dos possuidores, nos casos em que a ação reivindicatória fosse julgada procedente pelo inadimplemento da indenização? Haveria direito ao recebimento de indenização pelas benfeitorias e construções realizadas?

Não nos resta dúvida que a resposta é afirmativa. No entanto, uma vez mais, surgem problemas de operacionalidade do dispositivo, pois, se considerarmos que os possuidores não podiam ignorar o vício que lhes impedia a aquisição da propriedade, caracterizada estará a má-fé, implicando no direito de indenização apenas pelas benfeitorias necessárias, ao preço atual ou de custo, segundo opção do proprietário e, sem qualquer direito de retenção (Artigos 1.220 combinado com artigo 1.222 do Código Civil).

MARCO AURÉLIO S. VIANA230, apesar da questão acima suscitada,

propugna que a restituição do imóvel ao proprietário deve ser feita, mediante o pagamento de prévia indenização, “pelas construções e benfeitorias levantadas pelos invasores, observando-se o que a respeito dispõe o diploma civil na disciplina da posse de boa-fé”, ou seja, os possuidores, segundo esse entendimento, seriam indenizados pelas benfeitorias necessárias e úteis, pelo valor atual, assistindo-lhes, ainda, o direito de retenção enquanto não recebam a indenização.

Encerrando a análise dos principais pontos cumpre analisar mais três requisitos prescritos em lei para a aquisição da propriedade, nos termos dos §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil, que destacamos, pela utilização de cláusulas gerais, ou seja, termos indeterminados, cuja aplicação dependerá do preenchimento de seus conteúdos pelo julgador.

Exige a lei que a área, além de extensa, seja ocupada por um número considerável de pessoas. Desta forma, caberá ao juiz decidir o que se deve entender por extensa área, bem como quantas pessoas são necessárias para se afirmar que os possuidores são em número considerável.

Uma vez mais invocamos a lição de MARCO AURÉLIO S. VIANA, que nos fornece alguns critérios que entende relevantes e que, portanto, devem ser sopesados para se definir o que se entende por extensa área e considerável número de pessoas:

230 Op. Cit. p. 53. O Autor argumenta que a posse só perderia o caráter de boa-fé, no momento da citação dos possuidores, pois só a partir daí é que não ignorariam o vício que impede a aquisição.

“O conceito de número considerável de pessoas deve ser examinado para cada caso concreto, porque é variável. A nosso ver, depende da densidade populacional da região, e difere em se tratando de imóvel urbano ou rural. É possível até mesmo que varie no tempo, em função das transformações operadas em decorrência do povoamento das áreas urbanas e rurais. O mesmo entendido vale para o conceito de extensa área,seja em região urbana, ou rural. É outro conceito tormentoso, e somente no caso concreto, examinando-se as circunstâncias, é que se poderá fixar com precisão a incidência do requisito legal. Uma área rural tida por extensa em determinada região do Brasil pode não o ser em outra. O pensamento tem aplicação em região urbana, também. Para que os dois requisitos sejam apreciados é indispensável o socorro à perícia, e aos conceitos e princípios fixados pelo urbanismo, em especial”.231

Não basta, porém, a posse da extensa área por considerável número de pessoas, no sentido puro que é atribuído ao instituto pelo artigo 1.196 do Código Civil, ou seja, como exercício de um dos poderes inerentes à propriedade, em caráter pleno ou não. É necessário que os possuidores tenham realizados obras e serviços de interesse social e econômico relevante, de acordo com o entendimento do Juiz.

Em nosso entendimento, portanto, não serão quaisquer obras ou serviços que ensejarão a aplicação do dispositivo, mas apenas e tão somente aquelas que atestem que os possuidores estão destinando a área, ao cumprimento da função social.

Trata-se, novamente, de critério que não deve ser uniforme, pois os critérios para o reconhecimento do cumprimento da função social variam, segundo se esteja diante de propriedade rural ou propriedade urbana, não bastando, portanto, que o bem seja empregado em alguma atividade voltada ao desenvolvimento social e econômico, mas sim que os possuidores realizem obras e serviços na forma indicada pelas leis, como adequada ao desenvolvimento da função social e à promoção do bem-estar social.

Os §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil, refletem, ainda, os novos contornos do direito de propriedade, na medida em que fundado na função social da

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