• Nenhum resultado encontrado

NOSSO POSICIONAMENTO.

No documento O DIREITO DE PROPRIEDADE (páginas 135-142)

6. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.

6.4. NOSSO POSICIONAMENTO.

Há uma tendência daqueles que entendem que a função social da propriedade é elemento interno do direito de propriedade, compondo-lhe, portanto, o conteúdo, de buscar apoio na doutrina italiana.

Entretanto, é oportuno salientar que a Constituição Italiana, mesmo tendo incluído a garantia do direito de propriedade com princípio das relações econômicas e não como direito fundamental, consagrou a lei como instrumento para estabelecer os limites (e não o conteúdo) do direito de propriedade, com o objetivo de assegurar a função social, como se depreende de seu texto:

“Constituzione Italiana - Articulo 42:

191 Op. Cit. p.108. 192 Op. Cit., p. 427.

La proprietà privata è riconosciuta e garantita dalla legge, che ne determina i modi di acquisto, di godimento e i limiti allo scopo di assicurarne la funzione sociale e di renderla accessibile a tutti.

La proprietà privata può essere, nei casi preveduti dalla legge, e salvo indennizzo, espropriata per motivi d'interesse generale.

La legge stabilisce le norme ed i limiti della successione legittima e testamentaria e i diritti dello Stato sulle eredità”.

Socorre-nos, neste entendimento, por uma perspectiva diversa, PIETRO BARCELLONA193, para o qual o entendimento de que a função social modificou o fundamento das atribuições dos poderes proprietários é conseqüência análise equivocada da Constituição Italiana:

“(...) ritenere che la funzione sociale abbia mutato il fondamento

dell’attribuizione dei poteri proprietari e abbia reso positivamente orientabile anche il potere decizionale del privato, à probabilmente la conseguenza della mancata analisi e approfondimento del patto sociale que sta a fondamento della Costituizone (...). I termini costitutivi di questo compromesso sociale (...) non sono (...) diretti a negare l’autonomia decisionali dei privati (...). Il contenuto del patto tende piutosto a ridefiniri i termini del rapporto tra Stato come sistema politico e sfera delle relazioni economico sociali, e più in particolare a stabilire le regole di coesistenza (...) dei diversi soggetti sociali e politici”.

193 Proprietà (tutela costituzionale), in Digesto delle discipline provatistiche, Sezione Civile, XV, 1997, p. 466.

Não custa lembrar, ainda, que, em nossa Constituição Federal, o direito de propriedade é garantido não só como princípio da ordem econômica, mas também como direito fundamental do cidadão, ao contrário do que ocorre na Constituição Italiana.

Em nosso entendimento, o princípio da função social da propriedade não é elemento interno estrutural do direito de propriedade, uma vez que o direito de propriedade, em função da garantia constitucional, mantém um conteúdo mínimo e invulnerável, que consiste no direito de usar e dispor da coisa.

Ao inserir o princípio da função social também dentre os direitos fundamentais, é evidente que a Constituição não estabeleceu que a função social devesse sobrepujar o direito de propriedade, determinando o seu conteúdo, nem tampouco que os interesses sociais prevalecessem sobre os interesses do proprietário.

Admitir que o conteúdo do direito de propriedade seja determinado em relação a um interesse externo que em nada se compatibilize com o interesse do proprietário, significa, de fato, a supressão completa da garantia prevista na Constituição.

É certo, pois, que a Constituição pretende que haja uma convergência entre os interesses particulares do proprietário e os interesses sociais, mas não se pode olvidar que somente a lei será capaz de delinear as bases e o alcance desta conciliação, definindo quais os deveres a serem impostos ao proprietário, para que o exercício de seu direito atenda ao interesse coletivo.

legalidade, ou seja, caberá a lei estabelecer os contornos definitórios do perfil da função social da propriedade.

O conteúdo da função social da propriedade, portanto, é determinado pelo conjunto de normas conformativas do exercício do direito de propriedade pelo seu titular, não sendo possível admitir, por inconstitucionalidade, quaisquer normas que tendessem a abolir o direito de propriedade em sua substância.

Também não partilhamos o pensamento de que existe distinção entre a atividade limitativa ou restritiva do direito de propriedade e a atividade conformativa do direito de propriedade.

Segundo aqueles que a defendem, as limitações e restrições ao direito de propriedade seriam elementos externos ao seu conteúdo, enquanto a imposição ao proprietário de atividades conformativas para o cumprimento da função social da propriedade, por determinarem ao proprietário a obrigação de perseguir a realização do interesse constitucionalmente relevante, constituiriam elemento interno do direito de propriedade.

A nosso ver, não há uma distinção clara entre limitação e conformação, uma vez que toda conformação, constitui, em última instância, uma limitação. A atividade conformativa pressupõe a imposição de obrigações ao proprietário, não fazendo outra coisa, senão limitar o exercício de seu direito.

Neste sentido, mostra-se útil a passagem de GUILLERMO A. BORBA194,

para reforçarmos o nosso entendimento:

“(...) el derecho de las cosas se ha refinado cada vez más; ello no es

sino uma consecuencia del progreso de la civilización, pero la

substancia sigue siendo la misma: la necesidad del hombre de

apropiarse y servirse de las cosas creadas por la Naturaleza o por su próprio ingenio.

Las cosas y su apropiación, son pues elementos vitales para la vida del hombre, para su bienestar, para su cultura intelectual y moral. Pero ocurre que la apropiaciín y goce de uma cosa por um hombre, supone la exclusión de la apropiación y goce de esa misma cosa por los otros hombres. Y queda así planteado el problema de la distribuición de la riqueza, esencial em todo tiempo, pero que em el nuestro há tomado uma importância y um dramatismo que no podría disimularse. Em torno al derecho de las cosas gira la

organización social y política de los pueblos, su estilo de vida, su filosofia”.

Como afirma o autor, a organização social e, consequentemente, seus interesses, não são intrínsecos ao direito das coisas, mas giram em torno desses.

Deste modo, em nosso entendimento, as normas que visem atender a esses interesses coletivos são externas ao direito de propriedade, afetando-lhe o exercício, como manifestação que se faz sentir na organização social.

Entender que o princípio da função social integra o conteúdo do direito de propriedade e constitui cláusula geral, implica em admitir, que, na ausência da lei, o julgador possa preencher o conteúdo do princípio e, consequentemente, do próprio

Ainda que, por amor ao argumento, se admita que o princípio da função social da propriedade tivesse força operativa, independente de regra infraconstitucional, não haveria motivo para negar ao direito de propriedade, igual atribuição, sobretudo, em nosso ordenamento jurídico constitucional, que alinha o direito de propriedade e o princípio da função social da propriedade, tanto no artigo 170, ao tratar da ordem econômica, quanto no artigo 5º, ao prever os direitos fundamentais.

A garantia do direito de propriedade pressupõe, portanto, como já se disse, a intangibilidade de seu conteúdo mínimo, de modo que o proprietário não venha a ser expropriado, senão com estrita observância da lei e mediante prévia indenização.

Assim, a garantia do direito de propriedade não significa outra coisa, senão que este direito não pode ser afetado em suas qualidades essenciais, o que não impede que se ditem leis, que regulamentem o seu exercício, impondo deveres a serem cumpridos pelo proprietário, para compatibilizar o exercício de seu direito, com os interesses sociais, ou melhor dizendo, para atender à sua função social.

Neste sentido, pode-se dizer que o princípio da função social da propriedade é elemento externo que permeia o direito de propriedade, determinando os contornos de seu novo perfil, ou como preferem alguns autores, é o fundamento da garantia constitucional do direito de propriedade.

Quanto à aplicabilidade em relação aos bens, entendemos que, atualmente, não se pode limitar a aplicabilidade do princípio da função social aos bens de produção.

Estendemos a sua incidência também sobre os bens de uso, em que pese a reprovação de ORLANDO GOMES, pois, como veremos adiante, várias são as hipóteses em que se reconhece a função social da propriedade imóvel, que se destina ao uso da família para moradia.

Por outro lado, reconhecemos que esta incidência há de ser restrita, pois nem todos os bens de uso são naturalmente e/ou juridicamente voltados à consecução da função social.

Não se pode, por exemplo, entender que o proprietário de um automóvel, exercendo a sua propriedade sobre o bem, cumpre função social. Nem tampouco estaria cumprindo função social aquele que guarda no cofre ouro ou valores mobiliários. E se se pretende forçá-lo, contra a vontade, a desempenhar uma função social, destrói-se o seu direito de propriedade.

No que se refere aos bens consumíveis, parece-nos que o cumprimento da sua função social só pode ser concebido, no sentido de que esses bens são destinados à satisfação de necessidades do homem em sociedade, pois sob o aspecto do direito subjetivo do proprietário em si, o proprietário poderá consumi-lo, exclusivamente, de acordo com a sua vontade.

7. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E

No documento O DIREITO DE PROPRIEDADE (páginas 135-142)