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A PROPRIEDADE LUSITANA NA IDADE MÉDIA E AS SESMARIAS COMO ORIGEM DA PROPRIEDADE NO

No documento O DIREITO DE PROPRIEDADE (páginas 50-57)

3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL

3.1. A PROPRIEDADE LUSITANA NA IDADE MÉDIA E AS SESMARIAS COMO ORIGEM DA PROPRIEDADE NO

BRASIL.

Com a invasão dos muçulmanos à Península Ibérica, inicia-se o período que se convencionou denominar de Reconquista, que se estendeu desde o Século VIII até o Século XIV.

No decorrer do período de reconquista cristã, surgiram, na Península Ibérica, os Reinos de Astúrias, Leão, Castela, Galiza, Navarra, Aragão e Portugal.

O Reino de Portugal se origina de uma região, inicialmente, integrante do Reino de Leão, conhecida por terras portucalenses54, tendo como seu primeiro Rei

54 O primeiro reconhecimento sobre a existência das terras portucalenses, que depois viriam a originar o Reino de Portugal, ocorre em 925, quando Ramiro II, então disputando o trono de Leão

D. Afonso Henriques, que assim se declara em 1139, embora, somente no reinado de Afonso VII, haja o reconhecimento desta independência, com a assinatura do Tratado de Zamora em 1143, época em que conseguiu, também reconquistas importantes em face dos muçulmanos.

Como resultado deste período de lutas para a reconquista dos territórios ocupados, as terras reconquistadas eram consideradas propriedade régia, sendo que o rei reconhecia a legitimidade do apossamento de terras pelas armas (presúria), em virtude da necessidade de povoamento e ocupação econômica de terras reconquistadas.

Sobre a legitimação da posse pelas armas, é oportuno transcrever o que escreve LUIZ ABLAS55, tratando das presúrias portuguesas e das encomiendas

espanholas:

“Nos dois casos, embora a presúria se constituísse em um ato de tomada de posse pelas armas, havia, na maioria dos casos, uma espécie de "autorização real", tomada quase no sentido de intervenção, que servia para reconhecer como legítimas as presúrias, isso tanto para o território astur-leonês como para o de Portugal. Esse sistema de aquisição de terras só foi possível em épocas e regiões em que prevalecia, por um lado, o estado de guerra, dando origem à possibilidade de uma "reivindicação" territorial por parte dos conquistadores, e, por outro, uma baixa densidade populacional originando certa porção de terras ociosas passíveis de serem ocupadas”.

com o rei Afonso IV, declara-se rei das terras portucalenses. Em 931, Ramiro II sobe ao trono de Leão, abrangendo ao território deste reino, as referidas terras.

55 Sesmarias e Encomiendas como pré-requisitos da propriedade fundiária na colonização ibérica na América. Disponível na internet no sitio: <http://www.eco.unicamp.br/nea/mterras/ablas.doc>. Acesso em 23.07.2007.

Os Senhores Lusitanos, por sua vez, concediam as terras já conquistadas aos camponeses, para que as cultivassem, mediante a paga de rendas, o que possibilitava aos referidos senhores, manter os direitos sobre as terras já conquistadas e, ao mesmo tempo, partir em busca de novas conquistas.

Portanto, também em Portugal, na Idade Média, o direito de propriedade não se centrou no sujeito, mas sim na res, baseando-se num princípio de efetividade, elevando a utilização econômica da coisa como fato legitimador das diversas formas de domínio.

A manutenção dessa estrutura de propriedade sobre a terra era garantida pela transmissão dos direitos sobre a terra por herança, ou seja, os descendentes recebiam causa mortis os mesmos direitos que os ascendentes falecidos.

A esse respeito, vale ressaltar o ensinamento de ERIVALDO FAGUNDES NEVES56:

“Em Portugal, a partir do século X, as propriedades mantiveram o princípio de herança, permanecendo o domínio da terra com o ocupante e seus descendentes. (...). Além desse recurso, também o cultivo originava domínio sobre a gleba, distinguindo-se, portanto, na Idade Média Peninsular, pelo menos dois fundamentos de Direito Agrário. (...)”.

56 Sesmarias em Portugal e no Brasil. Revista Politéia: História e Sociedade, Vol. 1, Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2001, p. 114.

Encerradas as reconquistas portuguesas em 1249, a independência do reino é colocada em risco, em razão dos seguidos embates com o Reino de Castela57, exigindo o recrutamento dos homens do campo para a batalha. Nesta mesma época, a epidemia de peste bubônica, contribui para a dizimação da população.

Tais circunstâncias acarretam crises sociais e econômicas, em especial, a desocupação e falta de cultivo das terras e, por conseguinte, o desabastecimento e a fome.

Essa é a conjuntura que conduz o rei D. Fernando I a promulgar a Lei das Sesmarias, datada de 28.05.1375, conforme se depreende do texto de ERIVALDO FAGUNDES NEVES58, que reproduzimos:

“Apesar do seu longo alcance, a lei posteriormente denominada das

sesmarias resultou de circunstâncias caóticas e, por conseguinte, de

ação emergencial. O Reino de Portugal se debatia, desde início do século XIV, com repetidas epidemias de pesre, que dizimavam a população; sucessivas guerras contra Castela (1334-1339, 1369- 1370; 1372-1374, 1381-1382); conflitos sociais internos; depressões econômicas e desabastecimentos, nos quais segmentos sociais de parcos recursos sofriam com a fome, que ceifava muitas vidas por inanição”.

57 As sucessivas guerras com o Reino de Castela encerram-se com o triunfo na Batalha de Aljubarrota em 1385.

obrigatoriedade do cultivo, sob pena de expropriação, que visava suprir a crise de abastecimento e mão de obra decorrente das guerras e da peste.

Para ROBERTO SMITH59 a lei das Sesmarias “visava a regular o uso e exploração das extensas terras estatais e da Igreja” e “deve ser entendida, portanto, dentro do quadro geral de um sistema produtivo que o Estado pretendia organizar, a partir de uma forma de domínio condicionado”.

Com apoio no que leciona VIRGINIA RAU60, podemos afirmar que a Lei das

Sesmarias, composta de 19 (dezenove) artigos, continha normas voltadas a facilitar o acesso à terra aos lavradores, priorizar a agricultura em detrimento da pecuária e aumentar a disponibilidade de mão de obra para trabalhar no campo.

Ao impor ao proprietário, ou quem tivesse a terra por qualquer outro título, a obrigatoriedade de plantar, sob pena de expropriação (Artigos 2e 4), significava, a um só tempo, fomentar a agricultura e facilitar o acesso à terra, na medida em que, ou bem os seus titulares promoviam a sua utilização econômica, para o cultivo de gêneros alimentícios com objetivo de prover o sustento da população (p. ex. trigo, cevada e milho), ou a concediam para quem o fizesse.

59 Propriedade da Terra e Transição: estudo da formação da propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil, Brasiliense, São Paulo, 1990, p. 117.

Além disso, a fim de evitar que os senhores (nobres e clérigos) dificultassem a concessão ou a condicionassem ao pagamento de rendas e pensões abusivas, a legislação criou a figura dos “homens bons” ou sesmeiros, aos quais cabia julgar a equitatividade das referidas pagas, em razão da extensão de terras a ser concedida (artigo 13).

Para a priorização da atividade agrícola, ao mesmo tempo em que se obrigou o lavrador que não possuía gado necessário ao emprego na produção agrícola a adquiri-lo, impôs-se àqueles que quisessem vendê-los, preços pré- fixados, em valor razoável, proibindo-se, igualmente, o desenvolvimento da pecuária, exceto quanto à quantidade de bois necessários para a lavoura das próprias herdades (artigos 3,18 e 19).

Já para fomentar a mão de obra disponível no campo, a Lei de Sesmarias previu medidas voltadas ao aumento quantitativo de mão de obra rural disponível e ao controle do valor da remuneração dos servidores.

Assim, como forma de evitar o aumento de valor do trabalho agrícola remunerado, estabelecendo taxas salariais e impondo multas para o caso de remuneração superior à fixada (Artigos 6, 7, 15 e 16).

Já para aumentar o contingente de mão de obra para a agricultura, compeliu ao trabalho na lavoura: todos os filhos e netos de lavradores; aqueles que não possuíssem bens avaliados até quinhentas libras e não tivessem ocupação útil ao bem comum, nem senhor certo que necessitasse do seu trabalho para obra de

No reinado de D. João I, precisamente através da Carta de 25/02/1427 regularam-se alguns procedimentos a serem seguidos pelos sesmeiros, para a outorga de terras improdutivas reivindicadas, determinando que se lançasse pregão ou edital por quatro ou cinco dias, para que os senhores, conferissem utilização econômica à terra, no prazo de um ano, sendo que se este não o fizesse, as terras eram transferidas àquele que se comprometesse a cultivá-las.61

As normas sobre as Sesmarias foram incorporadas às Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, sendo que, nesta última, já é possível encontrar dispositivos condenando não só o abandono, mas a subutilização do solo.

O advento do mercantilismo impulsiona a economia para exportação e promove um movimento de urbanização de mão de obra, com o êxodo de servos r pequenos proprietários rurais para as cidades, em busca de atividades assalariadas ou autônomas, iniciando-se um processo de descumprimentos da legislação das sesmarias, em detrimento do abastecimento interno.

Entretanto, quando do descobrimento do Brasil, Portugal transfere o sistema de sesmarias para a sua recém descoberta colônia, com algumas diferenças de aplicação e finalidade que serão objeto de nossas considerações a seguir.

61 Neste sentido, Erivaldo Fagundes Neves in Sesmarias em Portugal e no Brasil. Revista Politéia: História e Sociedade, Vol. 1, Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, p. 117.

No documento O DIREITO DE PROPRIEDADE (páginas 50-57)