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Função social do Direito

2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

2.1 FUNÇÃO SOCIAL

2.1.1 Função social do Direito

Para os juristas, embora alguns doutrinadores continuem se arriscando na tentativa de criar expressões novas, a função social mais comumente atribuída ao Direito é a de prevenir e solucionar conflitos de interesses, na busca pela paz social, uma vez que, sem normas de con- duta, a vida em sociedade seria inviável (Filho, 2000, p. 15). É a arte22 de regular os compor- tamentos humanos (Gico Jr., 2010).

Contudo, a elaboração e aplicação do próprio Direito dependem do contexto histórico em que viveram e vivem os criadores e aplicadores do Direito, e, portanto, dizer o que venha a ser sua função social depende da sociedade em que se inserem os juristas. Assim, realizando a análise funcional proposta acima, o papel do Direito numa sociedade será determinado por este arranjo social e, logo, essa função carrega consigo os valores da sociedade que elaborou as normas sob as quais a comunidade funciona.

Na Constituição Federal (BRASIL, 1988), o termo “função social” é expressamente mencionado sete vezes, mas, na mesma Carta, há apenas duas tentativas de delimitação da expressão, justamente no que se refere à propriedade urbana (§ 2º, artigo 182, CRFB/1988) e rural (artigo 186, CRFB/1988). O Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002) também menciona o termo “função social”, referindo-se aos contratos e à propriedade, mas não esclarece o que

22 Quando usou a palavra “arte”, ao invés de ciência, o autor, que faz tudo de propósito, se referia à Guilhotina de Hume; mais detalhes em “Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito” (Gico Jr., 2010).

venha ser este papel que o Direito deve exercer na sociedade. O problema é que, na falta de uma definição objetiva, legal, da função social do Direito, alguns magistrados têm aproveita- do a expressão para justificar decisões judiciais que se afastam dos comandos legais aos quais estas sentenças deveriam estar adstritas.

Talvez – e isso já é assunto para outra discussão – a confusão dos juristas quanto ao que venha ser o papel do Direito na sociedade se deva à conotação de distribuição de riquezas que o termo carrega consigo. Em boa parte dos 1.240 cursos de Direito cadastrados no Bra- sil23, a expressão “função social”, dotada de uma forte carga de valores (normalmente cris- tãos) da sociedade contemporânea, é empregada como justificativa para políticas e sentenças relacionadas com reforma agrária, com direito do consumidor, enfim, com todo tipo de redis-

tribuição24 de recursos. Logo, na visão dos economistas que se debruçam sobre o tema, o uso

jurídico do termo tem sido posto para realizar redistribuição, ou seja, para transferir riqueza de uma parte – supostamente – mais abastada da sociedade para os – supostamente – menos afortunados desta mesma comunidade.

Para a Análise Econômica do Direito, a função social do Direito é, inicialmente, ga- rantir a vida em sociedade, pois, em concordância com a doutrina jurídica, não seria possível para a humanidade viver em comunidade sem que seus membros soubessem as regras do jogo – segurança jurídica. E, nos casos de quebra dessas regras, o Direito serve, ainda, para diri- mir os conflitos que venham a surgir daí, evitando danos sociais mais graves que poderiam advir de outras possibilidades de soluções para conflitos de interesse humano.

Olhando de perto, um conflito jurídico de interesses é um processo de barganha (item 2.2.3.1) como outro qualquer – com a diferença de que, no Brasil, ele acontece no Poder Judi- ciário –, pois uma contenda judicial envolve partes (jogadores25), possibilidades de sentenças

23 O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo juntos. Em 2010, em território na- cional, havia 1.240 cursos de Direito, enquanto, no mesmo ano, a soma não chegava a 1.100 universidades no restante do planeta Terra. Os números foram informados por Jefferson Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justiça (IG, 2010), mas essa informação é tão-somente uma provocação para um possível estudo de oferta e demanda do recurso (advogados).

24 Embora sejam poucos os profissionais das ciências econômicas que considerem a redistribuição um dos focos do estudo comportamental diante de recursos escassos, não há um economista sequer que desconsidere a busca pela eficiência na maximização do bem-estar social. Assim, o presente estudo não tem a pretensão de tratar de redistribuição, considerando a maximização do bem-estar social, objetivo final da AED, independentemente da distribuição alcançada dentro desta sociedade.

25 Explicação para o termo em “Teoria da Barganha”, item 2.2.3.1.

que variam conforme o direito aplicável aos fatos da disputa (valores de ameaça26) e, no caso de um acordo, um ganho mútuo (excedente cooperativo27) que ocorre mediante flexibilidades aceitas por ambos os lados da querela. Nesse sentido, para as partes (jogadores), quanto mais claras forem as consequências da falta de cooperação (valores de ameaça), maior a possibili- dade de haver uma solução negociada (excedente cooperativo) – judicialmente, no Brasil, isso se dá mediante um pacto chancelado pelo juiz.

Superado o Estado de Natureza, o estabelecimento de direitos tem o papel de maxi- mizar o bem-estar social, independentemente dos valores culturais adotados pelos membros desta sociedade. Assim sendo, não há uma função para o Direito que não seja social, visto que, como dito acima, não cabem às ciências econômicas discussões de valor sobre o que seja “social”. Logo, função social do Direito, para a AED, é sinônimo de função do Direito na sociedade, ou seja, é o papel que cabe ao Direito na busca pelo bem-estar social. Simplifica- damente, as normas de conduta – aquilo que pode ou não pode ser feito – são as regras básicas da convivência humana. Continuando a análise, numa insinuação ainda mais simples e lúdica, o Direito poderia ser visto como um adulto que dita regras às crianças (pessoas em sociedade) e, quando necessário, intervém para evitar que estas se matem por um mero biscoito recheado (propriedade), ou por qualquer outro tipo de direito em disputa.

Todavia, é importante notar que, apesar do que possa parecer, maximizar o bem-estar social não significa, necessariamente, majorar a riqueza monetária de uma sociedade. Essa elevação do nível de bem-estar social significa, tão-somente, deixar a sociedade em melhor estado do que ela se encontrava antes, seja qual for o indicador adotado, do Índice de Desen- volvimento Humano (IDH) à quantidade de informações (supostamente sigilosas) obtidas de outros países numa situação de intensa competição internacional – ou será que há quem duvi- de que os EUA, de posse de dados valiosos sobre o mapeamento dos recursos minerais brasi- leiros28, não esteja em situação melhor que a de países que desconhecem tais informações? E é aí que reside o perigo da aplicação indiscriminada dos instrumentos de eficiência29 à cons-

26 Explicação para o termo em “Teoria da Barganha”, item 2.2.3.1 – Dixit (2004) nomeou de “negociação à sombra da lei” esse fenômeno de usar as certezas, e incertezas, de uma solução litigiosa como valores de ameaça durante as barganhas.

27 Explicação para o termo em “Teoria da Barganha”, item 2.2.3.1.

28 Em setembro de 2013, novos documentos da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), vazados pelo ex-analista da agência, Edward Snowden, indicam que a Petrobrás também teria sido espionada pelos americanos (BBC - Brasil, 2013).

29 Na Física, assim como nas Engenharias, a eficiência, ou rendimento, é relação entre a energia fornecida a um sistema, seja em termos de calor ou de trabalho, e a energia produzida pelo mesmo sistema, normalmente na

trução e à aplicação de um arcabouço jurídico, pois estas ferramentas podem ser utilizadas na alteração de quaisquer estruturas de incentivos dos agentes para, mediante tal modificação, incentivar neles alterações comportamentais em qualquer direção determinada pelos tomado- res de decisões políticas.

Para a Economia, na prática, não há diferenças entre propriedade e direitos de proprie- dade, pois, em última análise, são estes que são negociados entre os agentes. No entanto, co- mo se verá abaixo (item 2.2.1), o Direito mais ortodoxo, na classificação da propriedade como tal, considera a relação entre o detentor e o objeto, ou melhor, do possuidor sobre a coisa (iu-

ra in re), ainda que as relações entre o proprietário e os demais agentes não sejam desconside-

radas pela doutrina. Então, da mesma maneira que é necessário esclarecer conceitos do méto- do econômico para os juristas, há delimitações próprias do Direito que precisam ser compre- endidas pelos economistas que se candidatem a praticantes da AED.

2.2 PROPRIEDADE

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