2.3 Requisitos legais
2.3.5 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
A sistemática de análise da possibilidade de dano irreparável ou de difícil
reparação não configura novidade no Código de Processo Civil (CPC), na medida em que
podemos afirmar a sua identidade com o periculum in mora típico das cautelares (tutelas de
urgência). Numa e noutra situação, o que se busca proteger é a efetividade do processo,
consubstanciada na obtenção de efeitos concretos na defesa do direito passível de lesão.
Conforme defendemos anteriormente em artigo publicado na revista Juris
Plenum
24, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação aparece como um
risco que pode ser considerado palpável, no sentido de que a demora da prestação
jurisdicional possa conduzir a uma injustiça, de forma que, não se restabelecendo o
equilíbrio, nem fazendo cessar a lesividade, logo que possível e quando necessário,
resultaria daí uma decisão inócua, que nada resolveria.
Nas palavras de Humberto Theodoro Junior
25:
[...] receio fundado é o que provém de simples temor subjetivo da parte, mas que
nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o
juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de
prejuízo grave. Os simples inconvenientes da demora processual, aliás,
inevitáveis, dentro do sistema do contraditório e ampla defesa, não podem, só
por si, justificar a antecipação da tutela. É indispensável a ocorrência do risco de
dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a
satisfação do direito subjetivo da parte .
Referido no item 2.3.1, é possível a concessão da tutela antecipada antes da
formalização no processo do contraditório (citação), afastados, num primeiro momento, os
princípios do contraditório e do devido processo legal. Dizemos isto porque tais princípios
24 COSTA, Yvete Flávio da; SOUZA, Peterson de. Antecipação da tutela na concessão de benefícios previdenciários. Juris Plenum Trabalhista e Previdenciária: doutrina, jurisprudência e legislação, Caxias do Sul, ano 3, n. 12, p. 111-115, jun. 2007.
25 THEODORO JUNIOR, Humberto. Tutela antecipada. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord). Aspectos
serão oportunamente aplicados no decorrer do processo, possibilitando que a parte adversa
comprove a eventual inexistência do direito sustentado pelo autor.
No entender de Bueno
26:
[...] como são princípios jurídicos, devem eles, consoante as situações
concretas de cada caso que se apresente para solução, amoldar-se e incluir
de forma relativizada para que outros valores (outros princípios)
constitucionais incidam na espécie. No caso da tutela antecipada, referidos
princípios devem ceder espaço aos princípios da efetividade da jurisdição e
da racionalização da prestação jurisdicional. Sem a antecipação da tutela, é
este o pensamento que é correto, o processo tende à ineficácia. Se não há
tempo hábil sequer para a citação do réu para que se manifeste sobre a
petição inicial, sobre o pedido de tutela antecipada e sobre os documentos
que o embasam, isso, por si só, não é óbice para o deferimento da medida
em estreita consonância com os princípios destacados, forte no art. 5º,
XXXV e LXXVIII, da CF.
Se, entretanto, houver tempo hábil para a citação do réu, o caso não é de dano
irreparável ou de difícil reparação, e deve ser indeferido por esse fundamento.
Quem sabe haja necessidade de tutela antecipada mais tarde, com o contraditório
já instalado, mas não liminarmente. Tudo como sói acontecer com o direito,
dependerá do exame das circunstâncias de cada caso concreto.
Contextualizando o receio de dano, leciona Friede
27que:
[...] o denominado receito de dano há, pois, que ser objetivamente fundado
(ainda que não necessariamente limitado a um tipo de dano de impossível ou
difícil reparação, como na tutela cautelar), calculado, de forma a mais
precisa possível, pelo exame das causas já postas em existência, capazes de
realizar ou operar o efeito indesejado que deve ser, por conseqüência,
afastado. A comprovação de seu fundamento, não obstante não omitir, por
sua própria natureza, a certeza, deve permitir, no mínimo, a plausibilidade
(justificação), sem que o juízo restritivo de probabilidade acabaria, no
exercício da prática, transmutando-se no genérico e amplo juízo de
possibilidade. A avaliação da plausibilidade para a aferição do próprio juízo
de probabilidade na apreciação da presença ou não do requisito em questão,
não ensejando a certeza (prova irrefutável), evidentemente permite ao
magistrado uma determinada margem de discricionariedade, mas jamais
verdadeiro arbítrio que o constituiria através da utilização do referido juízo
amplo da possibilidade de dano que, assim, estaria apenas subjetivamente
fundado, calculado de uma forma absolutamente imprecisa. Por outro lado,
como adverte José Alberto dos Reis, não faria sentido que o juiz, para efeito
de certificação do direito à antecipação da tutela, houvesse de realizar um
exame tão refletido como o que efetua no processo de plenitude exauriente.
A proceder de tal forma, a antecipação de tutela perderia sua razão de ser e
mais valeria à parte esperar pela decisão definitiva.
Nos processos de aposentadoria em regular tramitação pelo Poder
Judiciário Federal e Estadual, podemos identificar o receio de dano irreparável naquelas
situações em que o autor comprova não possui quaisquer outros meios de sobrevivência ou
26 BUENO, 2007, op. cit., p. 42-43. (grifo e destaque do autor) 27 FRIEDE, op. cit., p. 84-85.
de trabalho, sendo evidente as conseqüências surgidas da ausência de renda para o cidadão
comum. A possibilidade de difícil reparação, por sua vez, pode ser auferida nos casos de
aposentaria por invalidez em que a indevida alta médica não é acolhida pelo magistrado,
obrigando o segurado a retornar ao trabalho, ainda que comprovadamente inválido para o
exercício de qualquer atividade laboral.
Invocando a ratificação indubitável da doutrina ao seu entendimento, aduz
Friede
28, que “[...] o risco de dano deve corresponder sempre a fatos que venham a
desequilibrar efetivamente uma situação preexistente entre as partes, de modo que o perigo
preexistente ou coexistente com nascimento da pretensão realmente justifique a tutela
pretendida.” Sustenta ainda o autor que:
[...] o novo art. 273 do Código de Processo Civil, com a consciência de
estar instituindo uma arma contra os males que o tempo pode causar aos
direitos e aos seus titulares, figuram duas situações indesejáveis a serem
debeladas mediante a antecipação da tutela. A primeira delas sugere o
requisito do periculum in mora, ordinariamente posto em relação à tutela
cautelar. Reside no “fundado receio de dano irreparável ou difícil
reparação” (art. 273, I). As realidades angustiosas que o processo revela
impõem que esse dano assim temido não se limite aos casos em que o
direito possa perder a possibilidade de realizar-se, pois os riscos dessa
ordem são satisfatoriamente neutralizados pelas medidas cautelares. É
preciso levar em conta as necessidades do litigante, privado do bem a que
provavelmente tem direito e processo para obter a satisfação de um direito
não deve reverter o dano de quem não pode ter o seu direito satisfeito
senão mediante o processo (Chiovenda). No juízo equilibrado a ser feito
para evitar a transferência para o réu dos problemas do autor, o juiz levará
em conta o modo como a medida poderá atingir a esfera de direitos
daquele, porque não lhe é lícito despir um santo para vestir outro. O grau
de probabilidade de existência do direito do autor há de influir nesse juízo,
certamente. Imagine-se uma ação reivindicatória, com o domínio bem
comprovado e nenhuma controvérsia quanto à localização física do imóvel.
Não se cuida de ativar mecanismos para neutralizar eventuais riscos de
perda do direito em caso de demora. Dá-se vida ao próprio direito,
permitindo que seja exercido desde logo. A enorme probabilidade de
existência do direito à posse do bem aconselha o juiz a conceder a tutela
desde logo, antecipando-a portanto (É inevitável, em qualquer processo, a
presença do trinômio certeza-probabilidade-risco. A sabedoria do juiz
reside em dispensar os rigores absolutos de uma certeza, aceitando a
probabilidade adequada e dimensionando os riscos que legitimamente
podem ser enfrentados.
29Destarte, entendemos que a configuração do dano irreparável ocorre
quando o bem jurídico tutelado pode desaparecer ou tornar-se impossível de ser alcançado,
28 FRIEDE, op. cit., p. 85-86.
29 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 236 apud FRIEDE, op. cit., p. 41 (destaque do autor)