2.3 Requisitos legais
2.3.4 Verossimilhança da alegação
A verossimilhança das alegações pode ser analisada no juízo de
probabilidade a ser realizado pelo julgador no tocante aos fatos que fundamentam o direito
invocado, observada a prova inequívoca destes ou ao menos a possibilidade de
comprovação.
Para Bueno
19, a prova inequívoca consiste no meio para que o magistrado
alcance um estado de verossimilhança da alegação. “Verossimilhança no sentido de que
aquilo que foi narrado e provado parece ser verdadeiro.” Não que o seja, mas nem precisa;
mas tem aparência de verdadeiro. Aduz ainda o autor que:
[...] o adjetivo “inequívoca” relaciona-se à prova; a “verossimilhança” é da
alegação. Basta isso para afastar, de pronto, críticas mais apressadas ao texto
do art. 273 no sentido de que o legislador teria aproximado duas situações
absolutamente inconciliáveis (se é inequívoca é porque é muito mais do que
verossimilhante). Não, nada disso. É a prova que é inequívoca (prova
contundente, prova bastante, prova forte, prova muito convincente por si só,
independentemente da apresentação de outras), e, como toda e qualquer prova
(e a teoria da prova não se prende, apenas e exclusivamente, à tutela
antecipada), ela nada mais é do que um meio para convencer o magistrado de
alguma coisa. Aqui, pela própria dinâmica do instituto em análise (cognição
sumária), basta convencer o magistrado da verossimilhança da alegação.
Haverá oportunidade, no procedimento (a fase instrutória), para que ele vá
além da verossimilhança, para que ele se convença de que as coisas, para ele
ao menos, realmente aconteceram e que elas devem dar ensejo a determinadas
conseqüências jurídicas. Mas, para fins de antecipação da tutela, suficiente a
verossimilhança da alegação. Por essa razão, aliás, é que me parece importante
sempre entender, compreender, interpretar e aplicar as duas expressões em
conjunto: é a prova inequívoca que conduz o magistrado à verossimilhança da
alegação.
2019 BUENO, 2007, op. cit., p. 38. (grifo do autor). 20 Ibid. p. 38-39. (grifo do autor)
Ainda neste ponto, o autor defende que os requisitos para concessão da
tutela antecipada são mais “incorpados” do que o fumus boni iuris das ações cautelares. E
relata, de forma didática, a diferença de intensidade aparentemente existente entre o fumus
boni iuris, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o fundamento relevante
(conceito utilizado no mandado de segurança). Digo aparente porque, ainda na opinião do
referido autor, por nós ora avalizada, não é possível medir o grau de intensidade de
convencimento que se forma na cabeça do magistrado a partir da narração dos fatos ou
apresentação dos documentos pelo autor.
[...] é daí que vem a brincadeira usual de que o fumus da cautelar é
“fuminho”, enquanto o da tutela antecipada é “fumão”, no sentido de pouca
ou muita fumaça, respectivamente, que fique muito bem entendido. A
imagem pode ser bonitinha, mas, com todo o respeito, nem sequer para fins
didáticos deve ser utilizada. É que, isso eu aprendi de uma aluna de
graduação da PUCSP, absolutamente coberta de razão, quanto mais densa
ou espessa a fumaça, mais difícil será ver o outro lado, o que está atrás
dela. Se a figura do fumus veio justamente para descrever que o magistrado
consegue ver o direito “turvo” ou meio desfocado em virtude da cortina de
fumaça que existe entre ele e o “direito” (o fato jurídico, bem esclarecido),
a solução didática é, rigorosamente, a oposta. O “fuminho” deve se atrelar
à noção de tutela antecipada, porque é aí, justamente pelo “maior rigor de
seus pressupostos”, que o magistrado enxerga com maior clareza (não
absoluta, entretanto) o que está atrás dela, “do outro lado”. Para alguns,
contudo, a ressalva não merece acolhida. Para eles, a dicotomia entre
fumus mais ou menos intenso deve ser entendida no contexto do velho
adágio de que “onde há fumaça, há fogo” e, conseqüentemente, quanto
maior a fumaça, maior a probabilidade de se encontrar fogo. Neste sentido,
o “fumão” seria indicativo de um “melhor direito”, mais próximo daquilo
que, realizada a cognição exauriente pelo juiz, ele encontrará a final. Como
até nisto há divergência em se tratando de direito processual civil, não
custa nada propor outro recurso didático, melhor do que falar em “fumaça”
seria falar em miopia, hipermetropia ou astigmatismo: dependendo do grau
de miopia, da hipermetropia ou do astigmatismo, o juiz terá mais ou menos
dificuldade de enxergar, com precisão e nitidez, o “direito”. Somente com
a prescrição adequada das lentes corretivas é que ele terá condições de ver
tudo de forma muito clara. A “prova inequívoca”, nesta figura, significa
que o juiz precisa de lentes com graus menores do que no “fumus” da
cautelar, porque, em se tratando de tutela antecipada, ele consegue ver o
direito (o fato) com precisão e nitidez maiores, mesmo sem as lentes. Do
mesmo modo, é comum ouvir e ler que a prova inequívoca que resulta na
verossimilhança da elgação é menos intensa que o “fundamento relevante”
que o art. 7º, II, da Lei n. 1.533/51 exige para a concessão de liminar em
mandado de segurança. Aqui, também, canto em uníssono com o coro.
Estamos todos de acordo. Pelo menos quando se entende a “força” do
fundamento relevante no procedimento expedito e típico do mandado de
segurança, segundo o qual, todos sabemos, o impetrante não tem outra
oportunidade que não na petição inicial para produzir provas do que alega,
ressalvada a excepcionalíssima hipótese do parágrafo único do art. 6º da
mesma lei. Daí o entendimento, absolutamente tranqüilo, do que seja
“direito líquido e certo”. Dados esses confrontos, seria possível tecer um
gráfico de intensidade de convencimento do magistrado. O fumus boni
iuris representa uma grau menos intenso de convencimento do que a
“prova inequívoca da verossimilhança da alegação”, que, por sua vez, é
menos intensa do que o “fundamento relevante” da liminar do mandado de
segurança. Isso está certo. Mas está certo no papel, porque não funciona na
prática. Na prática, não é possível ligar à mente do magistrado que analisa
uma petição inicial de ação cautelar, de ação com pedido de tutela
antecipada ou de mandado de segurança com pedido de liminar uns tantos
conectores para que seja medido o grau ou intensidade de convencimento
que ele forma a partir do que é narrado e/ou documentado pelo autor. Ou
bem o magistrado se convence suficientemente de que o requerente tem
algum direito já demonstrado (nem que seja retoricamente), e defere a
providência jurisdicional de urgência, ou não se convence, e indefere o
pleito de urgência. É evidente que, no processo de convencimento do
magistrado, mesmo no exercício da tutela de urgência, a existência de
elementos seguros, concretos, de prova (documentos, por exemplo), pode
ser decisiva, mas isso é questão que não pode, por si mesma, apequenar o
instituto, mormente quando se opta por partir de uma premissa de processo
de resultados, desejado pela Constituição Federal (art. 5º, XXXV).
21De acordo com Silva e Oliveira
22, “[...] o juízo de veromissilhança para o
deferimento ou não da antecipação da tutela reside num juízo de probabilidade, que resulta,
por seu turno, da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são contrários.”
Para os autores:
[...] se os motivos convergentes são superiores aos divergentes, o juízo de
probabilidade cresce; se os motivos divergentes são superiores aos
convergentes, a probabilidade diminui; Um exemplo elucidará melhor a
hipótese. Coloca-se cinco bolas brancas e cinco vermelhas numa caixa, é
difícil prever se vou tirar bola branca ou vermelha, porque o seu número é
equivalente (são idênticos os motivos convergentes e divergentes). É
possível que eu tire uma bola branca, mas é possível também que eu tire
uma vermelha. A situação é de dúvida. Estaria no âmbito de mera
probabilidade. Aumenta-se as bolas brancas e diminuo as vermelhas,
começo a adentrar-me no campo da probabilidade. Coloca-se seis bolas
brancas e quatro vermelhas, é possível que eu tire uma bola branca, mas é
possível que eu tire uma vermelha. À medida que vou colocando mais bolas
brancas e diminuindo as vermelhas (sete brancas e três vermelhas, oito
brancas e duas vermelhas, etc), irei elevando o grau de probabilidade,
chegando até uma situação próxima da certeza. Destarte, se coloco nove
bolas brancas e uma vermelha, é possível que eu tire uma bola vermelha,
porque ela está ali (há motivo convergindo para isso), mas é provável
(99,99%) que eu tire uma bola branca (há nove motivos convergindo para
tanto.
2321 BUENO, 2007, op. cit., p. 39-41. (grifo e destaque do autor)
22 SILVA, Maria Tereza da Flor; OLIVEIRA, Tito Costa. A tutela antecipada. 2004. 63f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Público) – Faculdade Integrada de Pernambuco, Rio Branco, 2004. p. 14.