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CAPÍTULO 1: EDITH DERDYK E SEU CONCEITO DE DESENHO

1.2 CONCEITO DE DESENHO E USOS NAS ARTES VISUAIS

1.2.3. Fundamentos e aspectos da linguagem do desenho nas artes visuais

Ao falar do desenho no campo das artes visuais, Derdyk prioriza em ambos os livros o seu caráter de “atividade perceptiva, algo que não se completa, mas que nos convida, sugere, evoca”33 e traz um conjunto amplo de imagens34 como exemplos. No livro Formas de pensar o

desenho (1994), a autora ressalta principalmente os aspectos materiais e conceituais da linguagem, e na publicação Desenho da figura humana (1990), aborda com maior ênfase algumas questões fundamentais para as artes visuais como a percepção na construção de conhecimento e na criação, a ideia de estilo como uma espécie de guia para se conhecer arte e, mesmo com o desejo da autora de pensar o desenho para além da representação fotográfica do

26 DERDYK, 1994, p. 37 27 Ibid., p. 37 28 Ibid., p. 38 29 Ibid., p. 33 30 Ibid., p. 44

31 STEINBERG citado por ROSENBERG apud DERDYK, 1994, p. 43 32 REBOUÇAS citado por BARBOSA apud DERDYK,1994, p.44 33 DERDYK, 1994, p. 43

34 No livro Formas de pensar o desenho, os capítulos dirigidos a apresentação do conceito de desenho trazem imagens de

várias áreas, épocas, sociedades e os capítulos específicos sobre artes visuais trazem imagens desta área. Porém, no

Desenho da Figura Humana, as referências artísticas e culturais se misturam, já que o livro aborda a relação entre

real, a função representativa da linguagem gráfica.

A primeira questão que Derdyk elabora em Desenho da Figura Humana (1990) refere- se a percepção como a fonte originária da construção do conhecimento e da criação35.

Conforme a autora, num processo em que os fatores culturais exercem influência definindo maneiras de ver e criando sentidos, coleta-se, por meio dos sentidos, as informações que serão processadas em interação com a consciência que, “desejosa de saber e conhecer, facilita a organização dessas sensações e percepções em formas, pensamentos, conceitos, objetos, dotados de compreensibilidade e de significação.”36 No entanto para Derdyk (1990, p. 56),

assim como a percepção é permeada pelas convenções que cada cultura cria para si, sua natureza caótica e dinâmica promove a subversão e transgressão das regras e convenções que a condicionam.

E é pelo conflito entre o que se estabelece culturalmente e aquilo que a percepção insiste em afirmar como divergente, que Derdyk entende a criação em arte, pois ela “contém esse duplo movimento contraditório e, dessa contradição, nasce o (…) gesto criador inaugural.”37 Portanto, Derdyk (1990) define a criação como um embate entre o caos da

percepção e a tentativa de organização em conceitos.

No decorrer da história das artes visuais, esse confronto desemboca num movimento duplo de construção de novas formas e da manutenção de outras. Anunciando nova questão, Derdyk (1990) afirma: “E esse continente familiar é o que denominamos estilo38. Mas, se o

reconhecimento dos estilos pode contribuir “como o índice de um livro orientando a leitura do olhar”39, é necessária atenção para que não engesse o mesmo. Pois para a autora, a fruição

estética trabalha numa dupla direção.

No momento em que algum fruidor, de qualquer lugar e de qualquer tempo, deparar com um objeto e respeitar a sua autonomia, ou a sua tradição, não pode deixar de ligá-lo o seu contexto histórico particular. Por outro lado, a inevitável interpretação aliada à percepção se encarregará de continuar produzindo História, a história de suas leituras.40

A arte contemporânea, na esteira da arte moderna, tenta escapar ao aspecto paralisante do estilo por meio “da aquisição do pensamento sobre a construção da linguagem”41, que

35 DERDYK, 1990, p. 42

36 Ibid., p. 53. E como se verá mais a frente, é assim que a autora concebe também a construção do conhecimento pela

criança. Talvez esteja aí ponto de ligação que a autora utilizou para criar paralelos entre o percurso da História da Arte com o do desenho infantil.

37 Ibid., p. 56 38 Ibid., p. 58 39 Ibid., p. 60 40 Ibid., p. 58 41 Ibid., p. 62

promove pesquisa e invenção de novas formas de arte. E talvez essa exploração de sua própria lógica se dê, segundo Derdyk, em parte em razão da invenção da fotografia ter lhe retirado o papel de principal representação da realidade.42

No entanto, apesar do papel do desenho nas artes visuais não ser mais contemporaneamente entendido como representação, a autora não deixou de pensar sobre essa importante função da linguagem gráfica. Segundo Derdyk (1990), a representação só se tornou possível quando o homem criou a linguagem, e somente quando o ser humano inventa a linguagem é que ele é capaz de se inventar e se conhecer como sujeito. E por meio do estudo da história das artes visuais, a representação torna-se também instrumento para conhecer a forma como as diferentes sociedades pensaram e operaram: “reflexos de uma determinada visão do mundo.”43

Sobre a diferença entre dois termos frequentemente confundidos, figuração e representação, Derdyk diz que o “figurativo não significa necessariamente a representação de imagens que tratem a figura humana”44 ou de outras coisas reconhecíveis, mas principalmente

como ideia visual “passível de ser materializada”45. E representação seria, para a autora, algo

mais ligado aos códigos e convenções sociais de construção da imagem.46

Em Formas de pensar o desenho (1994), além de algumas questões sobre os fundamentos do desenho nas artes visuais, a autora o aborda e define também a partir da potencialidade de significação de seus elementos formais e materiais, como a linha, “o ponto, a cor, a luz, o volume, a textura47.

Duas ideias importantes para Derdyk referem-se à “linha como o espelho do gesto no espaço do papel.”48 e à compreensão de que “a interação mão/gesto/instrumento vai propiciar a

descoberta da plena expressão da linha”, donde se pode conceber a linha como “escritura do gesto.”49 O aspecto material dos instrumentos e suportes do desenho carrega questões

conceituais que implicam em significação. Neste sentido, “tal como o papel é a representação do plano, ou o “campo da representação”, a linha é uma “convenção”, pois de fato ela não existe na natureza. A linha é um fato mental, é uma abstração50 (…) A linha imita os limites.”51

42 DERDYK, 1990, p. 69 43 Ibid.,, p. 31 44 Ibid., p. 78 45 Ibid., p. 78 46 Ibid., p. 78 47 DERDYK, 1994, p. 144 48 Ibid., p. 144 49 Ibid., p. 146 50 Ibid., p. 146 51 Ibid., p. 145