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NO DESENHO INFANTIL

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A partir do material coletado e organizado surgiram muitas questões, mas duas delas sobressaíram-se e, retomando as perguntas que fecharam o capítulo 1, inicio este capítulo de análise formulando-as novamente. Pensando que os livros de Derdyk são escritos para professores e que esta pesquisa objetiva também produzir material para o docente, questiono: o que pode implicar para a prática do professor, seja ele polivalente ou especialista em artes visuais, ao ler as obras de Derdyk, identificar o seu reconhecimento sobre a influência dos aspectos sociais e culturais como fatores de mudança no grafismo infantil, mas entendê-los como algo negativo? E o que pode implicar para a atividade docente desse mesmo professor a percepção de que a autora aponta o uso da imagem como referência para o aprendizado do docente na área, mas não menciona essa prática como benéfica ao processo de construção do desenho infantil?

Pensando, portanto, em explorar estas questões para aprofundar a compreensão do material por ela construído, formulo as seguintes categorias de análise: 1) quais são os fatores promotores das mudanças gráficas observadas no processo de desenvolvimento do desenho infantil na proposta teórica de Derdyk e; 2) quais são os usos das imagens nos livros estudados e, especialmente, os tipos de informações que a autora extrai e/ou agrega a elas.

Visando atingir o objetivo da pesquisa, qual seja, pensar as publicações de Derdyk em termos de base teórica para um trabalho inclusivo1 de ensino de artes visuais que auxilie nas

1 Considera-se aqui globalmente a questão da inclusão, dê-se ela por motivos sociais, econômicos ou por necessidades

dúvidas e entraves do desenho infantil, preocupou-me explorar aspectos, em meio as várias questões suscitadas pela pesquisa das publicações, que tocassem em pontos nevrálgicos do percurso de construção do desenho infantil, e que também se ligassem diretamente ao processo de ensino e aprendizagem em artes visuais.

Os pontos centrais de uma reflexão sobre ensino de artes visuais devem levar em consideração, segundo Iavelberg (1995, p. 3), “tanto os processos de aprendizagem do aluno quanto a natureza dos objetos de conhecimento que constituem as disciplinas do currículo”. Já que pensar a ação pedagógica, segundo autores e educadores construtivistas2 (base para a

pesquisa de Iavelberg) não se trata só de olhar o objeto de ensino – como no Ensino Tradicional –, nem de atentar somente para o desenvolvimento da criança, deixando o objeto em segundo plano – como na Escola Renovada3 –, mas implica em compreender “as questões

da interação direta da criança com os objetos de conhecimento e, ainda, os aspectos sociais envolvidos nessa interação”4. Portanto, segundo este ponto de vista, cabe ao professor pensar

concomitantemente as circunstâncias da criança – e da produção de seu desenho – e as lógicas operativas das artes visuais. Para que desta forma, novamente segundo Iavelberg, seja possível gerar “propostas de ensino adequadas à natureza intrínseca dos objetos artísticos e aos seus modos de construção”5

Acredito, portanto, que a análise mais aprofundada destes dois aspectos poderá contribuir para um trabalho inclusivo nas aulas de artes visuais em relação às dúvidas, dificuldades e angústias das crianças em relação aos seus desenhos.

Neste sentido, em relação aos conhecimentos sobre a criança e seus modos de aprendizagem e produção, analiso a seguir o que Derdyk escreve sobre os fatores promotores de mudanças no desenho infantil. Mas antes, considero necessário uma definição sobre o que seja este termo.

A palavra fator, segundo o dicionário Houaiss (2001), significa aquilo “que determina ou executa algo; qualquer elemento que concorre para um resultado”, ou seja, um fator promotor de mudança no desenho infantil significa um elemento que provoca uma alteração no grafismo da criança. Mudança perceptível pela constatação de que anteriormente tal característica não existia ou estava presente de outra forma. De acordo com vários autores6 que 2 IAVELBERG, 1995, p. 3

3 Ibid., p. 3 4 Ibid.,, p. 3 5 Ibid., p. 4 6

LUQUET (1927/1969); LOWENFELD e BRITTAIN (1947/1972); PIAGET (1975); ARNHEIM (1954/1997); READ (1982); FREINET (1964/1977); GOODNOW (1979); KELLOG (1969); MÈREDIEU (1974/2004); OSTROWER (1978); PILLAR (1996-a,1996-b); IAVELBERG (1995, 2008); MARTINS,GUERRA E PICOSQUE (1998); WILSON e

estudaram o desenho infantil, as mudanças são evidentes. O que não parece tão óbvio e consensual são os fatores que promovem as tais transformações, já que estas acontecem sob condições muito variáveis e nem sempre acessíveis a quem não acompanha o processo. A percepção da mudança no desenho infantil, observável independentemente do ensino formal, instiga a curiosidade sobre quais elementos promovem essas transformações.

Entendo que seja importante compreender quais são os fatores promotores das mudanças, para que o professor, consciente daquilo que pode alterar com maior ou menor grau de relevância o curso do desenhar da criança, possa atuar com mais eficiência, sensibilidade e precisão. Busco um modo de o professor auxiliar nas dúvidas, dificuldades e, quem sabe, até evitar um fenômeno igualmente consensual entre os teóricos7: o esmaecimento da produção

gráfica infantil por volta dos 8 ou 9 anos ou entorno do início da alfabetização.

Diante das várias perspectivas adotadas para se estudar o desenho infantil, como o motivo que origina a vontade de desenhar ou o que faz com que a criança desenhe as formas como desenha, alguns autores se preocuparam também com a investigação desses fatores que promovem as mudanças do desenho da criança. Além de Florence Mèredieu (1974/2004), que é a principal referência de Derdyk, procurei refletir a partir de outros autores que tivessem pesquisado os mesmos fatores8 encontrados em Derdyk, como Arnheim (1954/1997), que

também prioriza fatores internos – como a capacidade motriz e a maturidade psíquica – ; e Wilson e Wilson (1987, 1997) e Iavelberg (1995, 2008) que, reconhecem o lugar dos fatores internos, mas investigam o papel dos fatores externos – relações sociais e culturais – como promotores das mudanças.

Rudolf Arnheim (1904-2007)9 autor de nacionalidade alemã ligado à psicologia da

Gestalt, considerava que as afirmações dos teóricos e educadores de sua época não explicavam suficientemente o porquê dos desenhos infantis se transformarem de forma tão natural. Pesquisou profundamente os elementos perceptivos que contribuíam para cada transformação gráfica infantil. Reconhece, no entanto, que os fatores de natureza emocional também contribuem para as transformações e alerta para a necessidade de se enxergar o desenho nestes dois âmbitos de forma equilibrada. Não organiza seu pensamento por faixas etárias, mas por capacidades perceptivas e figuras surgidas nos desenhos, ambos frutos do amadurecimento

WILSON (1997).

7 LOWENFELD e BRITTAIN (1947/1972); ARNHEIM (1954/1997); MÈREDIEU (1974/2004) entre outros. 8

A autora traz para o leitor os aspectos internos e externos de mudanças no desenhar infantil, mas desenvolve apenas os internos. Portanto, considero que ela tenha apresentado ambos, mas aprofundado apenas os internos.

9

físico e psíquico da criança. Entende o desenho infantil como ato espontâneo10.

Florence de Mèredieu, autora francesa11, reconhecia o valor e a primazia das pesquisas

de Luquet sobre o desenho infantil e utilizou várias de suas ideias, mas além de criticá-lo pela nomenclatura ligada a noção de realismo, o criticou justamente porque achava que a teoria do renomado autor “não explica o nascimento da representação figurativa e, tampouco, a passagem de um estágio para o outro. Particularmente não se fica sabendo por que o desenho, em certo momento, acaba por empobrecer-se e desaparecer”12. Sua abordagem leva em conta,

além dos fatores perceptivos, a valorização da gestualidade infantil (usando como parâmetro as experiências da arte moderna e contemporânea que haviam rompido com o realismo) e fatores psíquicos. Entende o desenho infantil como meio de expressão e ato espontâneo, trabalhando a partir de formas surgidas nas imagens e não por faixas etárias, o que implica em entender que determinadas formas podem aparecer em faixas etárias diferentes ou uma mesma idade pode produzir grafismos diversos.

Brent e Marjorie Wilson, pesquisadores norte-americanos13, instigados por suas

observações sobre a forma espontânea como a criança procurava copiar desenhos para aprender a desenhar14, pesquisaram a partir da década de 1970 “qual é o papel que a imitação

desempenha no processo de aprendizagem do desenho”15 e procuraram também entender

“como as imagens são desenvolvidas, modificadas e adotadas”16 nos desenhos infantis. Para

esta dupla de autores norte-americanos os fatores sociais e culturais são peças fundamentais no processo de transformação pelo qual passa o desenho infantil. Eles pesquisaram crianças de todas as faixas etárias, mas especialmente as de 8 anos em diante, e não estabeleceram fases etárias ou etapas, mas trabalharam com uma hipótese de base para explicar um funcionamento geral do processo de construção do desenho. O que não implicou em homogeneizá-lo, já que reconhecem que em cada momento da vida a criança dispõe de um tipo de condição motora e psíquica para desenhar, mas apontam uma ação estrutural que percorre todo o processo. Entendem que o desenho infantil não é arte, mas “signos configuracionais” (WILSON e

10 ARNHEIM, 1997, p. 154-59 11

É professora de Estética e Ciências da Arte na Universidade de Paris I. É autora de inúmeros artigos sobre arte que foram publicados na La Nouvelle Revue Française, Traverses, Les Cahiers du Musée d’Art moderne, Art Press, Parachute, entre outros. É também escritora de ficção e cineasta de filmes experimentais. Escreveu várias obras críticas sobre Antonin Artaud. Informações traduzidas por mim e disponíveis em < http://www.frenchpubagency.com/Author-498-Florence- Meredieu.html > e < www.florencedemeredieu.blogspot.com> Acessos em 16 de maio de 2012.

12 MÈREDIEU, 2004, p. 22

13 Brent Wilson é professor da Penn State University, Pensilvânia, Estados Unidos. É consultor do Getty Center for

Education in Arts. Marjorie Wilson também é professora da Penn State University. Ambos são autores de diversos ensaios, artigos e pesquisas. 14 WILSON e WILSON, 1997, p. 58 15 Ibid., p. 59 16 Ibid., p. 59

WILSON, 1997, p. 62) que não nascem espontaneamente nas crianças, mas são fruto de processos de aprendizagem informal e formal.

Rosa Iavelberg, pesquisadora, professora e autora brasileira17, na esteira da pesquisa

dos autores construtivistas e prosseguindo com as conclusões de Wilson e Wilson, pesquisou como os fatores sociais e culturais influenciavam nas transformações dos desenhos infantis e concluiu que a influência se dá na medida em que o contato com estas instâncias vai ajudando a criança a criar (e a transformar) concepções próprias sobre o ato de desenhar e sobre as imagens prontas. E estas concepções seriam importantes ferramentas para a criança produzir imagens, pois definiriam as funções do desenho e o que “cabe” desenhar em cada momento. Acredita, portanto, que “o desenho da criança transforma-se também em função dos modelos visuais de seu meio ambiente”18. A autora trabalha com momentos conceituais que

correspondem aos tipos de relação que as crianças possuem com o objeto cultural desenho, não se tratando de uma sistematização por faixas etárias ou pelo surgimento de determinadas formas nos desenhos infantis. Para ela, o desenho infantil não tem natureza artística, mas comunicativa.

Analiso, a seguir, o material identificado como os fatores promotores das mudanças nas publicações de Derdyk, seguidos por autores que pensam de forma semelhante a ela em alguns aspectos e divergente em outros.

A primeira informação importante refere-se ao caráter geral dos fatores para Derdyk, que relacionam-se com “os conteúdos vivenciais detonadores de pesquisas gráficas, e vice- versa” (DERDYK, 1994, p. 50), ou seja, os desenhos vão sendo transformados por vivências e acontecimentos necessariamente diferentes em cada momento da vida, mas há uma similaridade entre eles, já que “estes conteúdos, entretanto, correspondem, de uma certa forma, ao desenvolvimento do aparelho neurológico, físico, perceptivo e mental da criança.”19 Ou

seja, as vivências infantis são diversas, mas na proposta de Derdyk, a natureza dos fatores que promovem transformações gráficas gira, geralmente, em torno dos mesmos aspectos.

Outro esclarecimento necessário refere-se a forma como organizo a análise. A cada conteúdo vivencial apontado pela autora, pontuo os fatores promotores descritos por ela e crio

17 Iavelberg possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1973), mestrado em Educação

pela USP (1993) e doutorado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP (2000). Atualmente é professora da Faculdade de Educação da USP. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes temas: arte, formação de professores, arte na educação, currículo de arte na educação, desenho da criança e do jovem. Informações obtidas em <https://uspdigital.usp.br/tycho/CurriculoLattesMostrar? codpub=D7A2A17F259D > Acesso em 16 de maio de 2012.

18 IAVELBERG, 2008, p. 42 19

diálogos com os autores acima indicados.

4.1 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 1º CONTEÚDO VIVENCIAL:

“O grafismo e o gesto”20

O movimento do corpo é algo natural no ser humano e, dentro desse processo inicial de descoberta e exploração corporal, há um momento “quando a criança, lá pelos 18 meses, pega ocasionalmente no lápis e descobre os seus registros no papel”21. Ou seja, tal momento implica

numa capacidade orgânica de apreensão do instrumento e numa capacidade mental de perceber que aquilo que já consegue segurar com a mão produz uma marca. E nesse processo “a criança rabisca pelo prazer de rabiscar, de gesticular, de se afirmar. O grafismo que daí surge é essencialmente motor, orgânico, biológico, rítmico.”22 Então, segundo Derdyk, aí pode estar a

origem do desenho da criança: corpo, percepção e registro mental.

Mas e o que faz, segundo a autora, a criança começar a mudar esses rabiscos e sua relação com o desenhar? Neste primeiro momento, “a excitação motora conduz a outros gestos”23, pois a percepção de que um gesto gera uma marca, e a percepção de que essa marca

permanece, “se investe de magia e esta estimula sensorialmente a vontade de prolongar este prazer (...) É um prazer auto-gerado, diferente do prazer sentido pela obtenção de alimento, de calor, de carinho. A autoria da magia depende exclusivamente da criança.”24

No entanto, para Derdyk, os fatores promotores – prazer motor e percepção da marca – não são exclusivamente orgânicos, pois “já está implícita aí uma atividade mental, na medida em que a criança associa, relaciona, subtrai ou adiciona um gesto ao outro”25. Para a autora, o

desenho infantil já neste momento, “além de ser uma conduta sensório-motora, vem carregado de conteúdos e de significações simbólicas.26” Trata-se, assim sendo, do imbricamento de

questões físicas e psíquicas. Para a autora, portanto,

o desenho, além de ser fruto de uma ação motora, manifesta um ritmo biopsíquico de cada indivíduo, encadeado com uma repetição proveniente de uma ordem imperiosa que vem lá de dentro. A repetição visa automatizar, incorporar, dominar um gesto adquirido, um movimento inventado, um rabisco criado.27

20 DERDYK, 1994, p. 55 21 Ibid., p. 56 22 Ibid., p. 56 23 Ibid., p. 57 24 Ibid., p. 56 25 Ibid., p. 57 26 Ibid., p. 57 27 Ibid., p. 59

Seria essa repetição que possibilitaria mais oportunidades da percepção se aguçar e transformar o grafismo, pois, “quando a criança rabisca num papel em branco, este produz estímulos visuais que vão se transformando ao rabiscar.”28 E, também, os fatores orgânicos de

seu crescimento, pois, “ao experimentar novas estruturas de movimento, seus gestos vão, naturalmente, ritmando-se, arredondando-se, passando do gesto contínuo ao descontínuo, do gesto rápido ao lento.29

Os fatores promotores de mudanças neste momento são, portanto, segundo a autora, de natureza orgânica, perceptiva e psíquica, atuando de forma interligada e natural: o rabiscar, fruto de um gesto físico, produz estímulos visuais que, a partir do momento em que a criança é madura psiquicamente para perceber, promovem novos rabiscos; possíveis de serem concretizados pelo desenvolvimento natural dos aspectos motores.

Sobre este momento, é possível encontrar vários autores que concordam com a natureza motora, perceptiva e psíquica dos fatores de promoção das primeiras mudanças observáveis no desenho da criança. Assim como com o caráter já expressivo dos rabiscos. Entre eles, Mèredieu, a autora base de Derdyk, afirma que “na criança, o desenho é antes de mais nada motor; (...) e que a criança sente prazer nesta gesticulação.30” Para Merèdieu, o gesto gráfico,

“depende da apreensão do eixo corporal”31, pois, é a “expressão de um ritmo biopsíquico

próprio de cada indivíduo”32, surgindo “com a aprendizagem do andar e do sentido do

equilíbrio.”33 Também Arnheim, autor anterior a Mèredieu, afirma que

a configuração, a extensão e a orientação dos traços são determinados pela construção mecânica do braço bem como pelo temperamento e estado de espírito da criança. Aqui se encontra o início do movimento expressivo, isto é, as manifestações do estado de mente momentâneo do desenhista assim como seus mais permanentes traços de personalidade.34

Diferentemente de Derdyk, assim como de Mèredieu e Arnheim, Wilson e Wilson afirmam que desde cedo a criança já sofre influência de outros em seu desenvolvimento, mesmo havendo padrões universais de maturação35, já que “toda criança faz rabiscos da

mesma forma que balbucia”36; mas “tanto os rabiscos quanto o balbucio desenvolvem-se muito

pouco, a menos que existam modelos para serem seguidos.37” Ou seja, os autores observam 28

KELLOG apud DERDYK, 1994, p. 61

29 DERDYK, 1994, p. 61-2 30 MÈREDIEU, 2004, p. 6 31 Ibid., p. 25 32 Ibid,. p. 25 33 Ibid., p. 25 34 ARNHEIM, 1997, p. 162 35 WILSON e WILSON, 1997, p. 61 36 Ibid., p. 61 37 Ibid., p. 61

que a existência de modelos sociais e culturais é um fator promotor de mudanças desde o início da vida da criança, sem com isso minimizarem a importância de suas condições internas, e que estes fatores externos não significam uma estagnação, mas representam, ao contrário, a possibilidade de avanço.

4.2 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 2º CONTEÚDO VIVENCIAL:

“O corpo é a ponta do lápis”38

Conforme Derdyk afirma, o segundo conteúdo vivencial é a tomada gradual de consciência de que o controle sobre as marcas está nela mesma39. E, segundo a autora, as

mudanças nas marcas, assim como na relação da criança com a ação (e a função) de desenhar, são frutos, como no primeiro momento vivencial, do seu processo natural de amadurecimento físico e psíquico. Em relação ao aspecto motor,

no seu fazer, a criança vai precisando o gesto, afirmando o corpo, combinando e ampliando suas possibilidades expressivas. A precisão do gesto no papel está ligada à apreensão e domínio corporal como um todo, à sua capacidade de encontrar apoios, entender os mecanismos corporais de equilíbrio e desequilíbrio.40

No âmbito perceptivo tal amadurecimento orgânico promove na criança a percepção de que, “tudo aquilo que está depositado no papel partiu dela.”41 E tal percepção vai mudando a

relação infantil com o desenhar, pois, permite à criança formular-se psiquicamente como autora, já que ela percebe que o traço que permaneceu no papel “não lhe foi dado, foi inventado por ela mesma. Inaugura-se o terreno da criação.”42 A repetição do gesto continua

importante para que a criança domine suas marcas, “até seu conteúdo e sua forma se esgotarem e se transformarem, dando vazão a outros interesses.43

Então, neste segundo conteúdo vivencial, o desenho infantil permanece sendo de natureza sensório-motora e os fatores promotores das mudanças se mantêm atrelados a aspectos de ordem interna, como a motricidade e a percepção. Lembrando que a percepção, para Derdyk, não é mero fator físico, mas implica também em processamento de informação.

Sobre a relação entre percepção e atividade mental, interpreto que Iavelberg concorde

38 DERDYK, 1994, p. 63 39 Ibid., p. 64 40 Ibid., p. 64 41 Ibid., p. 64 42 Ibid., p. 64 43 Ibid., p. 64

com Derdyk, mas Iavelberg explica que há algo a mais que interfere, pois, a percepção ativada significa que quando entramos num processo perceptivo

o fazemos (...) a partir de nossos esquemas assimilativos; e que o conhecimento visual não impressiona nossos sentidos como se nossos sensores fossem uma tábula rasa. A impressão das percepções envolve um quadro complexo de inter-relação entre os esquemas, o que justifica as transformações naquilo que podemos observar a cada momento do desenvolvimento, sempre influenciados pela nossa cultura. Portanto, ocorre variação neste quadro a depender da cultura do sujeito da aprendizagem.44

Portanto, para Iavelberg, o fator sociocultural intervem na atividade mental implicada no processo perceptivo e, desde o início, exerce influência nas alterações gráficas infantis, pois “desde cedo a criança observa e imita atos e formas de desenhos realizados em sua presença, incorporando-o em seu repertório por intermédio de assimilação criadora.”45

4.3 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 3º CONTEÚDO VIVENCIAL:

“A sugestão do gesto”46

Se o terceiro conteúdo vivencial trata do desenvolvimento da capacidade de encontrar formas representativas no emaranhado de grafismos que produz, ou seja, é a percepção de que o desenho poder servir para representar as coisas do mundo. Derdyk afirma que, “esta capacidade de visualizar, perceber e aceitar a sugestão que o próprio traço lhe dá, promove um grande diálogo entre a criança e o acontecimento do papel.”47 Este diálogo não acontecia desta

forma anteriormente, demonstrando o amadurecimento da criança, pois, este momento

sugere que ela observa e é capaz de reter em sua memória uma grande quantidade de informação visual. Sugere também uma intensa operação mental envolvendo a