• Nenhum resultado encontrado

Michael White é psicólogo, norte-americano (estadunidense) e atua clinicamente na perspectiva que intitula de narrativa. Para White, o fundamento do enfoque narrativo reside em compreender que as narrativas fazem parte da vida das pessoas e que não há espaço para posicionamentos morais, uma vez que estamos todas submetidas à mesma teia cultural e não há um relato melhor que outro. O principal interesse desse enfoque é perceber e escutar a forma pela qual a história constitui a vida das pessoas e produz efeitos sobre elas. Segundo o autor, não há narrativa livre de ambigüidades, contradições e contingências e há riscos quando a psicóloga procura assumir os relatos dominantes.

Para White (2002, p. 21), a psicóloga pode promover uma mediação ativa com vistas a “sacudir velhas certezas e introduzir às pessoas experiências alternativas do eu e da

diversidade”. Ele questiona: “é possível que o desenvolvimento das pessoas diante das

tecnologias das comunicações esteja desvinculado da ideologia? É possível que estas tecnologias amenizem a supremacia das ideologias dominantes?” (p. 22). O autor responde

que não e sinaliza o perigo da cultura midiática, principalmente televisiva, de produzir uma monocultura internacional, “reduzindo a liberdade cultural e pessoal dos seus receptores”.

A perspectiva narrativa proposta por White aponta para a importância de localizar nas narrativas das pessoas a perspectiva cultural que as atravessa, distanciando-se da idéia de codificação ou classificação e aproximando-se da experiência da pessoa sem categorizá-la.

White (2002, p. 56) faz uma reflexão interessante sobre as codificações e, para exemplificar o seu pensamento, expõe o atendimento feito a um veterano da Guerra do Vietnã, que chegou a seu consultório com um vasto repertório de classificações. A esse respeito afirma que as descrições psicopatológicas funcionam como uma desculpa e “um

modo de nos desculparmos” diante da situação provocada pela sociedade, numa nítida idéia de reparação frente ao caos que submetemos as pessoas.

Retomando os pressupostos do enfoque narrativo, o autor diz que existe uma “[...]

preocupação com a reprodução de uma cultura dominante no exercício do assessoramento psicológico na terapia”. E acrescenta: “tem se questionado até que ponto os terapeutas têm

tentado moldar as pessoas e as relações para que se ajustem as estruturas e idéias que sustentam a ideologia dominante” (WHITE, 2006, p. 23).

É a partir dessa visão crítica, feita de fora para dentro da profissão, uma vez que recorri a outras leituras, tais como antropologia e sociologia, que se tornaram possíveis outros questionamentos e principalmente o de evidenciar que os aspectos políticos foram estrategicamente obscurecidos da teoria e da prática psicoterapêutica.

Segundo o autor, a cultura dominante opera e governa os pensamentos, as formas de se relacionar, a compreensão sobre si mesma e sobre nossos corpos. Nesta perspectiva, o autor também chama a atenção para a perspectiva de gênero e de classe como componentes estruturais dessa forma de ser e agir no mundo.

Evidentemente que essas reflexões não excluem a individualidade e a capacidade de agir e interagir das pessoas, muito pelo contrário, elas apenas sinalizam que existem maneiras disciplinares que operam sobre os corpos e pensamentos das pessoas, tendo em vista os processos de adoecimentos, tais como as anorexias nervosas e psicoses em ex-combatentes de guerra. Poderíamos incluir muitos outros, principalmente processos de adoecimento em mulheres em situação de violência conjugal, como a fibromialgia, a depressão, a síndrome do pânico etc.

White descreve duas paisagens que formam a trama narrativa: uma seria a paisagem de ação, que são os acontecimentos seqüenciais e temporais, e a outra é a paisagem de consciência, significados, o que está relacionado com as interpretações que se faz dos eventos experienciados nas paisagens de ação. O trabalho do autor, a partir do enfoque narrativo, reside em promover o intercâmbio entre as paisagens “refletindo sobre o que poderia significar os acontecimentos alternativos” nas paisagens (WHITE, 2006, p. 36).

O autor introduz o conceito “conversación externalizadora”, que consiste no modo em que a fala expressa o que entende como problemático. Segundo ele, o importante é externalizar o discurso internalizado, uma vez que este último segue a narrativa dominante e aprisiona as pessoas em processos de adoecimento e sofrimento. O objetivo dessa intervenção politizada é de desestabilizar os discursos hegemônicos que associamos como “verdades” e promover uma atividade que questione essas reproduções que ditam nossas vidas, nossa forma de nos relacionarmos e de existir. White afirma que existem maneiras culturais de falar, pensar e agir e que esses discursos, ao serem internalizados, promovem a cegueira diante da própria vida. Esse processo expropriou a relação dos aspectos políticos com a experiência subjetiva, tornando-a intimamente particular e individual. Aqui reside um dos problemas da

violência conjugal, que é entendê-la unicamente como um problema da esfera íntima, privada, e desprovida de qualquer reflexão política.

O autor assume uma reflexão crítica e questiona, entre outras coisas, a relação hierárquica da terapia e a dependência das pessoas que pedem ajuda sob a égide da autoridade do terapeuta. Segundo ele, trabalhar o efeito das narrativas dominantes sobre as pessoas, e as formas como elas vivenciam essas narrativas, exige uma forma comprometida e emotiva, tal como sugere a epistemologia feminista, uma vez que não é possível um posicionamento neutro e livre de emoções. White (2006, p. 19) alerta para a responsabilidade das psicólogas no que se refere aos efeitos que tem nossa interação sobre a vida das pessoas, uma vez que somos seres humanos construídos pelas narrativas e influenciados por elas.

O desafio é saber como utilizar as emoções em prol do processo de re-significações, abrir mão do lugar de poder e das assimetrias do consultório, manter uma reflexão crítica permanente sobre os discursos hegemônicos que permeiam as teorias e as manifestações de adoecimento e se implicar verdadeiramente no processo de reconciliação das pessoas com elas mesmas.

Por fim, o autor expõe:

Creio que as investigações feministas têm liderado a exploração e exaltação de outras formas de organização social e, como terapeutas, creio que já é hora de deixarmos de renunciar a nossa responsabilidade e em troca começarmos a ter um rol mais ativo: em outras palavras, é hora de somarmos a elas nesta importante tarefa (WHITE, 2002, p. 22).