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CAPÍTULO 2. FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.3 Fundamentos metodológicos

 A pesquisa qualitativa

O presente trabalho se situa no campo das pesquisas qualitativas em educação, e tem relação com os estudos do tipo etnográfico. Nessa abordagem qualitativa empregamos como

86 aportes teóricos principalmente os estudos de Ludke & André (1986), André (1995), Minayo (2002) e Moreira (2002).

Diante da crescente complexidade da educação escolar, novas abordagens metodológicas foram se desenvolvendo, avançando para além do paradigma tradicional empirista de ciência. E a pesquisa qualitativa (PQ) 56, figurando dentre essas abordagens, vem sendo de grande importância para o campo educacional.

Tanto em educação quanto nas ciências sociais, a PQ, segundo Minayo, “se preocupa [...] com um nível de realidade que não pode ser quantificado” (2002, p.22), no sentido de ênfase, mas não de achar que exista uma dicotomia entre as abordagens quantitativa e qualitativa57. Até porque se fez uso de dados quantitativos, ajudou na análise dos fenômenos empíricos, que tiveram como região de inquérito, fenômenos humanos associados à própria educação.

Autores como André (1995) e Bicudo & Esposito (1994) dizem que o suporte ou a origem mesma dessa abordagem é a fenomenologia. Para André, “o mundo do sujeito, as suas experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são [...] os núcleos de atenção na fenomenologia” (op. cit., p.18). Além disso, a PQ tem como alvo fundamental a compreensão do sentido “que os eventos têm para as pessoas que estão sendo estudadas” (MOREIRA, op. cit., p. 237). Ou seja, “o foco da investigação é na essência do fenômeno e a visão de mundo é função da percepção do indivíduo” (idem). No caso da presente pesquisa, buscou-se analisar quais os sentidos que mulheres analfabetas dão às práticas de leitura e escrita.

Para obtenção dos dados descritivos relacionados a esses significados ou percepções, estabeleceu-se um contato direto com as mulheres da pesquisa, procurando enfatizar “[...] mais o processo do que o produto [...]” (BOGDAN E BIKLEN apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 13). Ou seja, esse contato e essa ênfase permitiram experimentar outras características da PQ.

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As origens da PQ datam do século XIX, mas o seu desenvolvimento mais acentuado ocorreu na segunda metade do século XX, em países como a Inglaterra, Austrália, Escandinávia e Estados Unidos.No Brasil, segundo André (1995), a PQ começou a ser usada no campo educacional na década de 80, surgindo um número grande de pesquisas (p.40).Moreira (2002) diz, no entanto, que “a perspectiva qualitativa nas décadas de 70 e 80 era ainda marginal na área da educação e só praticada por pesquisadores considerados mais heterodoxos” (p. 236). Isso porque, segundo esse mesmo autor, “havia de fato quase consenso de que este tipo de investigação existia, mas, na verdade, este consenso era muito tímido e a pesquisa qualitativa não era muito bem aceita pelos pesquisadores convencionais” (idem).

57Para uma discussão sobre a abordagem qualitativa e sobre o debate entre essa abordagem e a abordagem

87 Uma dessas características é que esse contato se deu no espaço vivencial das mulheres ou “no [seu] ambiente natural”, como afirma Moreira (op. cit., p. 237), que, no nosso caso, correspondeu à casa de cada uma delas, à escola onde estudavam e à igreja que participavam58. A permanência nesses ambientes ocorreu durante os anos de 2011 e 2012.

Outra característica é que as mulheres puderam expressar suas perspectivas em palavras, atitudes, gestos, crenças, valores, expectativas e assim por diante, “o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, op. cit., p.22). A identificação desses aspectos subjetivos explicitados pelas mulheres exigiu do pesquisador, dentre outras coisas, experiências, conhecimentos, sensibilidade, percepção e assim por diante.

Enfim, outras características da PQ surgiram quando do tratamento dos dados em si, como se verá pormenorizadamente no último tópico deste capítulo. Não se tinha, por exemplo, “hipóteses pré-concebidas”, já que “as abstrações” foram “construídas à medida que os dados particulares” iam sendo “coletados” e posteriormente agrupados (idem). Agrupados os dados, passou-se para um processo de análise dos mesmos enfatizando muito mais a “indução”, já que “a pesquisa convencional enfatiza em grande parte a dedução” (MOREIRA, ibid., p. 237- 238)

Quanto ao caráter etnográfico da PQ, este encontra suas raízes na Antropologia. A abordagem antropológica no campo educacional tem em vista o cotidiano e os contextos vivenciais das pessoas partícipes da investigação.

Como se viu anteriormente, a PQ tem como uma das suas características a busca de sentidos dada pelas pessoas às coisas, experiências e assim por diante. E é nesse sentido que Spradley afirma que “a principal preocupação na etnografia é com o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados” (apud ANDRÉ, 1995, p.19). Mas essa concepção está estritamente relacionada à categoria “cultura”, ou seja, ao se buscar esse sentido, a cultura está, em alguma medida, sendo descrita.

Essa preocupação com a cultura já indica uma diferença em relação à pesquisa qualitativa em educação, pois esta se preocupa com o “processo educativo” (ANDRÉ, ibid., p.28). Mas segundo essa mesma autora, há “uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o que faz com que certos requisitos da etnografia não sejam – nem necessitam ser cumpridos pelos investigadores das questões educacionais”. Alguns desses requisitos destacados por

88 Wolcott são “uma longa permanência do pesquisador em campo, o contato com outras culturas e o uso de amplas categorias sociais na análise de dados” (apud ANDRÉ, idem).

Ainda para André, no estudo etnográfico, principalmente da escola, deve-se colocar uma lente na dinâmica das relações interpessoais, “identificando as estruturas de poder e os modos de organização escolar e compreendendo o papel e situação de cada sujeito nesse contexto interacional onde ações, relações e conteúdos são construídos, negados, reconstruídos e modificados” (ibid., p. 41).

No caso desta pesquisa, esse caráter etnográfico esteve mais relacionado ao espaço escolar e não tanto ao espaço da igreja. Neste espaço, as três mulheres acompanhadas já eram conhecidas e com quem convivíamos. Ao contrário do espaço da escola, porém, três das mulheres eram desconhecidas, o que permitiu certo distanciamento. E mesmo conhecendo as três mulheres da igreja, elas foram acompanhadas num espaço nunca dantes realizado.

 A posição do observador

Como observador, procurou-se atender às exigências de uma pesquisa qualitativa, como mencionado anteriormente.

Não houve nenhuma dificuldade de aproximação com mulheres sujeitos da pesquisa, senão com Ana, cujo marido não era conhecido e ela tinha certo receio disso, mas essa situação não impediu a realização do acompanhamento, das observações e entrevistas, que serão tratadas com mais detalhes no tópico seguinte. Mesmo existindo uma convivência com as mulheres (mais com as da igreja), durante as entrevistas sempre se contou com alguém por perto, seja outra mulher da pesquisa, seja alguém da igreja e/ou da família da pessoa entrevistada.