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CAPÍTULO 3. MULHERES ADULTAS “ANALFABETAS” E/OU POUCO

3.4 As expectativas das mulheres

3.4.2 Por que as mulheres voltaram à escola?

Finalmente, as mulheres disseram o porquê de terem iniciado ou retornado à escola, o que se confunde com as expectativas do tópico anterior, quanto ao desejo de ler e escrever.

Ler era o motivo principal enfatizado por todas as mulheres. Seja “ler tudo” (Sara) ou “ler bem muito” (Raquel) ou “ler mais coisa também” (Rebeca), indicando que alguma coisa ela já consegue ler ou “só [...] mesmo aprender a ler” (Rute), como motivo exclusivo de voltar a estudar.

Essa ênfase de Rute na exclusividade da leitura tinha relação com a sua idade e, portanto, com aspirações mais essenciais, que, para ela, era tudo:

ele [se referindo a juventude em geral] vai querer estudar, ter um estudo melhor, fazer uma faculdade, né? E eu, que já estou com idade avançada, só quero mesmo aprender a ler [...]. Tudo isso, só que eu quero. (Rute – Entrevista 16 – 08/11/2011).

124 O desejo de ler das mulheres, no entanto, estava estritamente associado a “ler a Bíblia” ou “ler [...] as Palavras de Deus” (Raquel) ou “aprender a ler versículo na Bíblia” (Ana), sem o qual tudo o mais é secundário. Eva, mesmo após o término do PBA, relembrou o motivo principal que a havia feito retornar à escola, que ainda não se concretizou:

foi pra ler [dá uma risada], tudo o que eu quero é ler a Bíblia. Tudo, sempre no começo eu só queria aprender pra ler a Bíblia. A primeira coisa que eu queria fazer é ler a Bíblia (Eva – Entrevista 33 – 05/06/2012).

Eva acreditava que, iniciando seus estudos e aprendendo a ler a Bíblia, ela alcançaria “sabedoria” e “inteligência”, que se concretizaria com o ato de ler. É o que Eva reafirmou após a conclusão do PBA:

Esse ato de ler, almejado pelas mulheres, ao ingressarem na escola, apontava, na verdade, para a ampliação de outras práticas em espaços diversos. Uma prática destacada por uma delas era simplesmente a leitura de “algumas palavras”, por exemplo, num “livro” (Rute). Outra era “cantar o hino” (Raquel) ou, além de cantar um hino, “cantar na frente como os outros canta [m] [na igreja], que eu não sei” (Ana), ou, ainda, como falou Raquel que queria ler para “quando for fazer compra não perguntar a ninguém” e, por fim, porque “quer viajar, quer saber o endereço”, ou seja, fazer isso sozinha (Ana).

Outro motivo, de caráter secundário, que motivou o retorno ou início dos estudos foi o “escrever”, seja carta ou o nome, conforme já mencionado no tópico anterior desse mesmo capítulo.

Sara enfatizou que já tinha uma prática em relação à escrita, que era a de escrever “palavras fácil”, mas ela queria avançar nessa prática.

É. Meu sonho [...] É ler, escrever, que também, escrever também eu não sei essas coisas todas não, só se for as palavrinhas fácil (Sara – Entrevista 31 – 03/10/2012). Extrato da 47a entrevista com a aluna Eva: por que voltou a estudar? - 01/10/2012.

Pesquisador: A senhora acha que a leitura da Bíblia vai trazer o quê para a senhora?

Aluna: Oxente! Tudo de bom: sabedoria, inteligência (risada). Fazer com que eu entenda o que (...) significa

a Bíblia cada dia mais.

Pesquisador: Mas sabedoria e inteligência a senhora (...) tem.

Aluna: Eu tenho, mas, tenho, mas eu não tenho tanto como eu, não sei saber ler. (...) Se eu soubesse ler era,

125 Pelo que foi dito até aqui, as mulheres vieram de famílias do interior, de pais ligados à agricultura e analfabetos. Elas tiveram uma vida escolar fora da relação idade - série e assistemática e começaram os estudos, propriamente dito, na idade adulta ou idosa. Quanto ao fato de serem analfabetas ou não, após o término das aulas, as mulheres figuraram em dois grupos: as que não se achavam analfabetas e as que ainda se consideravam analfabetas.

Três das mulheres, Rebeca, Raquel e Ana (as duas primeiras menos avançadas e a última a mais avançada), em termos de leitura e escrita, permaneceram com a opinião de que não eram analfabetas e os motivos que usaram têm relação com o fato delas escreverem o seu nome, conhecerem e lerem as letras do alfabeto e/ou saberem ler alguma coisa.

As outras três mulheres, Eva, Rute e Sara, concluíram o ano escolar se considerando analfabetas, por motivos que se relacionavam ao fato de não saberem ler (ler tudo, como nomes grandes, e corretamente) e, também, escrever.

As mulheres, em sua maioria, apresentavam uma prática semelhante a respeito da leitura, antes de ingressarem na escola. Essa prática envolvia a leitura de letras do alfabeto, do seu nome e palavras já conhecidas por elas, que estavam ligadas a eventos nos quais elas se envolviam em espaços como a igreja e no uso de transporte público. Somente duas delas, Sara e Ana, liam palavras novas, pequenas ou fáceis como diziam, que surgiam nos eventos nos quais participavam ou em casa mesmo.

Quanto ao que elas escreviam, a maioria delas só sabia “fazer” o nome e mesmo assim sem segurança, faltando letras ou incompleto. Elas conseguiram escrever o próprio nome utilizando estratégias no espaço da própria casa. Uma delas (Sara) escrevia, além do nome, palavras consideradas por elas fáceis, ou seja, as que possuíam duas sílabas.

Antes de entrar na escola, as mulheres tinham como expectativa o ato de ler. Mas a motivação principal era a leitura da Bíblia. Quanto ao escrever, a escrita de carta figura como a principal expectativa das mulheres. Elas mostraram, dessa forma, consciência quanto as suas necessidades de aprender a ler e a escrever, para atender às necessidades do cotidiano delas.

O retorno à escola surgiu para concretizar esses desejos de leitura e escrita, mas no centro das suas expectativas estava mesmo a leitura da Bíblia, como algo que dava sentido à própria vida delas.

Esse ingresso na escola era algo tão significativo que se tornou um lugar prazeroso e Eva chegou a orar a Deus para nela estar:

[...] eu tô gostando de ir pá escola [...], assim [...], todo dia, assim, que eu tô indo pra a escola eu gosto [...] chega fico pedindo a Deus a hora que chegue, da hora do colégio pra mim ir (Aluna Eva – Entrevista 5 – 15/12/2011).

126 Era pela instituição escolar que as mulheres pretendiam concretizar as suas expectativas de leitura e escrita, mais do que isso, as expectativas que davam sentido as suas próprias vidas. Mas, como se verá no próximo capítulo, essas expectativas não foram atendidas.

Garcia (2006), em sua pesquisa sobre expectativas que levam jovens e adultos em processo de alfabetização e escolarização a iniciarem seus estudos ou retornarem à escola, afirma que “o adulto não retorna à escola com a intenção de recuperar um tempo perdido ou para aprender algo que não aprendeu quando criança. O que ele busca é um aprendizado para as suas necessidades atuais” (ibid., p.69). Ela conclui baseada nas expectativas colhidas em sua pesquisa, que “as expectativas dos alunos [...] em relação ao processo de alfabetização vêm, algumas vezes, desmitificar aquilo que muitas vezes julgávamos ser o mais relevante para eles” (ibid., p.90-91).

Já no referencial teórico, teve-se a oportunidade de apresentar algumas expectativas de jovens e adultos ao iniciarem o processo de alfabetização ou voltarem a este processo, elencadas pela própria Garcia, autora mencionada acima. Mas, no caso desta pesquisa, não houve nenhuma correspondência com os resultados de Garcia, pois as mulheres expressaram desejos muito pessoais e ligados a práticas e eventos nos quais já se envolviam antes do egresso na escola.

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CAPÍTULO 4: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES