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CAPÍTULO 3. MULHERES ADULTAS “ANALFABETAS” E/OU POUCO

3.4 As expectativas das mulheres

3.4.1 O que gostariam de ler e escrever

3.4.1.1 O que gostariam de ler

O quadro abaixo expõe os textos ou gêneros textuais que as mulheres gostariam de ler:

Quadro 11: O que as mulheres gostariam de ler

MULHERES CATEGORIA

Eva, Rebeca, e Rute A Bíblia

Raquel A Bíblia e uma “lista de supermercado”

Sara Tudo, especialmente a Bíblia

117 O que se percebeu foi a presença da Bíblia como texto fundamental a ser lido por todas elas. Pelo fato de serem cinco delas evangélicas e uma católica, revelaram um profundo apego ao texto bíblico e estarem envolvidas em eventos diversos no espaço da igreja, com menos frequência Rute. Raquel e Ana sempre expressaram, além da Bíblia, o desejo de ler a “lista de supermercado” e o Hinário da sua igreja, respectivamente. Se utilizarmos, no entanto, como referência a frequência, com que elas mencionaram os materiais alvos de suas leituras tem-se o seguinte:

Quadro 12: Material que cada uma das mulheres gostaria de ler

ALUNA MATERIAL

Eva Bíblia

Sara Tudo

Rebeca Folhetos evangelísticos Raquel Lista de compra de supermercado

Ana Hinário

Rute Livro

A leitura da Bíblia: sentimentos, crenças, sentido de vida e participação em

eventos

No caso das mulheres da pesquisa, a leitura da Bíblia nem sempre foi uma expectativa da maioria delas, como o era agora. Isso ocorreu após elas se tornarem evangélicas61. Ana disse que

achava que nunca ia precisar [ir à escola], entendeu? Eu achava que nunca ia precisar [...], mas chega um tempo, que depois que eu fui crente, aí foi aonde eu achei a necessidade de saber ler, entendeu? Foi aonde eu achei, depois que eu fui crente. Aí eu ia [...] pra igreja e quando chego lá na igreja, eu escuto o culto todinho. Eu vejo as crianças, eu vejo aquelas mulheres, as senhoras lá [...]. Se eu quero ir pro meio daquelas senhoras, o que eu vou fazer ali, se eu não sei [ler]? Tá entendendo? (Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).

Em uma das aulas, Ana incentivou as demais alunas da sala a aproveitar os oito meses que elas teriam [fazendo o PBA] para “aprender”. Ela afirmou: “vamos logo, temos que aprender em oito meses. Não é possível que a gente não aprenda!”. Ana considerou

61No “mundo evangélico” a Bíblia é o texto fundamental ou, como se diz, a ‘regra de fé e prática’ da vida das

pessoas. Ela é levada para os encontros da igreja, é lida, é interpretada, discutida e aplicada, cujo objetivo, dentre outros, é a prática diária de suas orientações.

118 inconcebível ela e as suas colegas não aprenderem em oito meses. Na mesma aula Eva acrescenta que o aprendizado é essencialmente “pra ler a Bíblia” (Aula 2 – 18/10/2011).

Não saber ler para Ana era algo tão expressivo que a privava não só de ler a Bíblia, mas a desestimulava a levar a própria Bíblia para os encontros da igreja, pois, segundo ela, não fazia sentido levá-la, sem saber lê-la:

eu não levo nem a Bíblia [...] para a igreja. Se não sei ler, para que levar? (Ana – Aula 1 – 11/10/2011).

De qualquer maneira elas expressavam sentimentos e crenças pela Bíblia, tinham expectativas quanto ao seu envolvimento em práticas de letramento na igreja e, mais do que isso, a leitura do texto bíblico era algo que dá sentido à própria vida delas.

Os sentimentos e crenças pela Bíblia vão desde expressões de “amor” (Eva), de que era algo “bonito e interessante” (Sara), de que era “a Palavra do Senhor” (Rebeca), de que ela era “linda”, tornava alguém “bem-aventurado” e dava “alegria” (Raquel), de que eram “palavras [...] que Deus deixou” (Ana) e de que era a “verdade” (Rute).

Eva, que exprimia mais clara e intensamente esses sentimentos e crenças, dizia que amava a Bíblia, que

é uma Palavra. Eu tenho um amor muito grande por essa Palavra, de Deus (Eva – Entrevista 1 – 12/05/2011).

É possível perceber que as mulheres viam a busca da leitura da Bíblia como algo que alcançariam com ‘fé’: “[...] Eu quero aprender é ler a Bíblia. [...] Tem que ter fé, mulher [se dirigindo a Sara, que havia dito que Ana era “firme”]!”, e com a ajuda de “Jesus”: “Tenho que aprender [a ler e escrever] em nome de Jesus”, é o que afirmavam respectivamente Ana e Sara na mesma aula (Aula 5 – 25/10/2011).

As mulheres também afirmaram que a leitura da Bíblia tinha uma relação estreita com o sentido de suas vidas, como dissemos acima. Eva e Raquel diziam o seguinte:

É a Palavra mais importante da minha vida, é a Palavra de Deus, Jesus. [...] Essa é a importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia. Se eu aprender a Bíblia pra mim, eu aprender essa Palavra e morrer pra mim oi [gesticula, mostrando que tudo mais não tem importância] (Eva – Entrevista 1 – 12/05/2011).

Ah, meu Deus! Eu abrir a Bíblia [em casa e na igreja] e ler versículos todinho que tem na Bíblia sozinha [dá risadas]! É o mais importante que eu acho na minha vida (Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).

119 Além dos sentimentos e crenças e o que a Bíblia representava para elas, a prática da leitura do texto bíblico, para elas, proporcionaria a participação de eventos no espaço da igreja e fora dele.

As mulheres acreditavam que a prática da leitura da Bíblia ajudaria na leitura pública da própria Bíblia (Eva), na evangelização (Rebeca), ajudaria a fazer leitura pessoal em casa e na igreja (Raquel), “conhecer mais” ou “conhecer [...] a verdade do Livro” (Rute), a “ver as Palavras [...] que Deus deixou escrita ali, que eu não entendo” e “cantar hino” (Ana) e simplesmente “abrir” e “ler” a Bíblia (Sara).

Pelo menos quatro das mulheres (Eva, Rebeca Raquel e Ana) destacaram explicitamente essas expectativas [de se envolverem mais plenamente em eventos na e fora da igreja].

Rebeca era frequente nos encontros da igreja e a que mais se envolvia com as atividades evangelísticas fora do espaço da igreja (nas ruas, em conjuntos habitacionais e em residências do bairro e assim por diante).

Quando eu fosse evangelizar, já estava ali [...] eu quero falar do meu jeito [...] o que o Senhor manda, me dê sabedoria, que eu vou embora pra rua [...] a gente se dá com o público assim, pra falar a Palavra de Deus, tem que ser Jesus na frente [...]. Pra aquele que sabe ler vai ler diretamente e tal. [...] Tem gente que tem aquela sabedoria, sabe ler o livro [da Bíblia] e fica com aquela coisa [...], aquela coisa lenta, com aquela preguiça [...]. Comigo ia ser diferente, porque eu tenho vontade [de ler a Bíblia]. [...] Tem pessoa que sabe ler e nem tá aí e outro já não sabe [...] fica assim como mudo ou surdo, quer falar e não pode, não consegue só o gesto [dá risada], a mesma coisa sou eu [...]. Eu queria tá lendo, assim, a Palavra pra passar mesmo, assim, [...] o amor de Deus (Rebeca – Entrevista 1 – 09/10/2011).

Algo que Rebeca mencionava também é que, mesmo reconhecendo suas limitações em relação à leitura e escrita, pessoas da vizinhança reconheciam que ela fala da Bíblia como alguém que sabe ler. Ela explicou que isso era um cumprimento das promessas de Deus em sua vida, que lhe dava condições de ouvir, aprender e falar da Palavra dele [de Deus].

Às vezes a menina [vizinha dela] diz assim, tu disse aí, falasse alguma coisa aí que tá na Bíblia e tu não ler, por que tu fala assim? Porque Deus, Ele é fiel Ele é tremendo. E Ele é um homem, que um homem [...] pra mentir, não é homem que vai prometer a promessa e não vai cumprir, Ele vai cumprir sim (Rebeca – Entrevista 1 – 09/10/2011).

Eva e Raquel expressavam o mesmo desejo de realizar leituras pessoais e públicas da Bíblia. Raquel, porém, não se envolvia nos encontros da igreja como Eva e nem fora da igreja

120 como Rebeca, em virtudes das suas responsabilidades em casa. Sobre a sua expectativa, ela disse:

Ah, meu Deus! Eu abrir a Bíblia [em casa e na igreja] e ler versículos todinho que tem na Bíblia sozinha [dá risadas] (Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).

Já Ana sempre revelou o desejo de ler a Bíblia e, também, enfatizou o desejo de ler e cantar hinos do Hinário, especialmente na igreja.

Porque eu estou estudando pra isso: pra aprender [no sentido de também compreender] ler a Bíblia, pra aprender ler [...], cantar hino, tá entendendo? (Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).

Outros tipos de leituras desejadas

Como dito anteriormente, Raquel expressou continuamente o seu desejo de ler ‘lista de supermercado’, como o fez até ao final do PBA.

Eu quero aprender [a ler] só para ir ao supermercado e ler lista de supermercado e ler a Bíblia, minha fia [falando com Maria José] (Raquel - Aula 31 – 23/05/12).

Raquel é a única das mulheres que realizava compras para o mês inteiro, juntamente com o seu filho. Ela ditava os produtos para alguém que os escrevia, mas Raquel não conseguia ler a lista no supermercado, precisando sempre da ajuda de alguém.

Ana expressou enfaticamente o desejo de ler, além da Bíblia, também o Hinário utilizado em sua igreja. Desde o início das aulas Ana demonstrou o seu interesse em cantar.

Eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja (Ana – Aula 1 – 11/10/2011).

Apesar de tanta expectativa, Ana, além da dificuldade de ler e cantar os hinos cantados pela sua igreja, não levava o seu hinário para os encontros da sua igreja, pois não via sentido nisto, o que sempre a fazia chorar.

Eu não levo [...] o hinário para igreja. Se não sei ler, para que levar[ameaça chorar, mas se segura] (Aluna Ana – Aula 1 – 11/10/2011).

121 Para Ana, cantar hinos era tão crucial, que havia um sentimento de urgência em “aprender” que a levava, inclusive, a incentivar a sala, algumas vezes.

Vamos logo, temos que aprender em 8 meses. Não é possível que a gente não aprenda! [...] Quero na nossa despedida cantar um hino da harpa (Ana - Aula 2 – 18/10/2011).

Esse desejo não será concretizado, pois na despedida ela ainda não se sentia segura e, além disso, se sentia um pouco constrangida, e terminou não cantando.

Em voz alta e para toda a classe, Ana disse que a sua igreja não sabia que ela estava estudando, pois queria fazer uma surpresa à mesma. E a surpresa incluía ela cantar um hino nos cultos, diante de todos:

ninguém na igreja sabe que estou estudando. Vou fazer uma surpresa. Eu vou aprender a ler para cantar hino na igreja. Mas enquanto não sei ler eu vou levar a harpa para quê? Já tenho dois anos [na igreja] estudando e não aprendi o que queria. Tem gente que decora, mas eu não [...] (Ana - Aula 1 – 11/10/2011).

Sara, além da leitura da Bíblia, gostaria de ler tudo com que ela tivesse contato:

Eu gostaria de ler [pausa] queria ler tudo. O que tava assim na minha frente eu queria ler. E como eu já falei, a Bíblia também. (Sara – Entrevista 1 – 14/06/2011).

Esse também era um desejo que estava implícito no desejo das outras mulheres, mas não com tanta ênfase como em Sara.