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Fundamentos pedagógicos e filosóficos da integração

No documento Renata Nicizak Villela (páginas 40-44)

3. ENSINO MÉDIO INTEGRADO AO TÉCNICO PROFISSIONALIZANTE

3.1 Fundamentos pedagógicos e filosóficos da integração

Os fundamentos da proposta político-pedagógica na integração entre educação profissional e educação básica apontam para conceitos como politecnia, trabalho como princípio educativo e formação integral. Tais concepções estão relacionadas a uma educação de caráter socialista, que surgiu no contexto das lutas de proletariados contra a exploração burguesa, principalmente no século XIX, e podem ser buscadas

no pensamento de autores como Marx, Engels e Gramci (CARDOSO, 2008; ORTIGARA, 2014). Ferretti (2009) frisa que

[...] tanto Marx quanto Engels, e depois Gramci, não pensaram a educação numa perspectiva meramente técnico-pedagógica, mas eminentemente histórico-política, a qual tem por referência principal o embate de classes na sociedade capitalista (p. 110).

O conceito de politecnia preconizado por Marx associa educação e trabalho, conhecimento e prática. O autor referiu-se pela primeira vez à educação politécnica no bojo da primeira revolução industrial, criticando a participação de crianças no trabalho produtivo sem vínculo com a prática educativa (FERRETTI, 2009; ORTIGARA, 2014). Para ele, a articulação entre trabalho fabril e estudo consistia no elemento central da educação dos filhos da classe operária (FERRETTI, 2009). Nessa perspectiva, a ideia de politecnia relaciona-se à superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual.

Retoma-se, então, a necessidade de pensar a educação como um todo, uma formação integrada, que tenha como objetivo a formação plena dos educandos, uma educação que contribua para a formação de sujeitos autônomos, capazes de compreender o processo histórico do conhecimento e de intervir conscientemente na realidade.

O processo educativo, para garantir a formação humana integral, deve aproximar todas as dimensões da vida, ou seja, o trabalho, a ciência e a cultura.

O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilitam o contraditório avanço das forças produtivas; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade (PACHECO, 2012, p. 59- 60).

No atual Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do Instituto Federal de São Paulo (IFSP, 2014a), o trabalho é entendido como uma práxis que possibilita criar e recriar a existência humana. Essa ideia se aproxima da compreensão do trabalho, em sua dimensão ontológica, como princípio educativo. O documento aponta a formação para o “mundo do trabalho”, e não para o “mercado de trabalho” como um de seus principais objetivos e insere a educação profissional nesse contexto.

Sob essa perspectiva ontológica o trabalho não se limita apenas à atividade laborativa ou ao emprego, mas à produção de todas as dimensões da vida humana. Frigotto (2012) aponta que diferentemente dos animais “os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho, a sua própria existência” (p. 58), respondendo, assim, às suas necessidades culturais, sociais, estéticas, simbólicas, lúdicas e afetivas. Por outro lado, os seres humanos precisam produzir, por meio do trabalho, bens e serviços necessários à manutenção de suas vidas; e no decurso da história essa dimensão do trabalho assumiu formas diversas: servil, escrava e assalariada.

O trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres humanos precisam produzir meios para sua subsistência, a partir de suas relações com a natureza, figurando, assim, em um direito e um dever. Dever de ser aprendido e socializado; e direito de recriar e produzir a existência humana. Frigotto (2012) sublinha que o trabalho como princípio educativo “não é, primeiro e sobretudo, uma técnica didática ou metodológica no processo de aprendizagem, mas um princípio ético-político” (p. 60).

No contexto dessas discussões, a educação profissional se insere de maneira fulcral, pois possibilita compreender o processo de produção integralmente, por meio da associação entre trabalho produtivo e educação intelectual. Trata-se, portanto, de uma educação não dicotômica, mas mediadora do processo de produção e do processo político, ideológico e cultural.

A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho, entre trabalho manual e trabalho intelectual. Trata-se de superar a quase exclusividade de preparação para o trabalho operacional, mas garantir ao educando o direito a uma formação completa que garanta uma leitura crítica do mundo e promova sua atuação como cidadão integrado à sociedade política (CIAVATTA, 2010). Uma formação integral deve possibilitar dialeticamente “isto e aquilo”,12 mediante uma formação omnilateral e politécnica.

No caso da integração curricular entre o ensino médio e a educação profissional, não pode haver separação ou hierarquia entre conteúdos propedêuticos e conteúdos técnicos, mas sim uma unidade. A formação integrada implica superar essa dualidade e incluir outras práticas pedagógicas, como a ética, a economia, a

12 Cecília Meireles.

filosofia, o trabalho em equipe, a pesquisa científica, o desenvolvimento de projetos, as avaliações integradas, entre outras.

Um dos grandes nós da educação nos dias atuais é o distanciamento entre a realidade e as instituições escolares; sendo assim, torna-se imperioso que problemas do cotidiano e questões sociais sejam incorporados aos currículos escolares, pois somente a partir da compreensão crítica da realidade concreta os sujeitos poderão atuar sobre ela.

A organização dos conteúdos em áreas do conhecimento e disciplinas não é objeto de reflexão e questionamento, é aceito como algo a priori (SANTOMÉ, 1998); porém, em cursos que se propõem a articular a educação básica com a educação profissional, essa reflexão torna-se imprescindível. Essa reflexão se expressa na práxis no sentido empregado por Freire (1987): “práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (p. 7).

Bernstein define o currículo integrado como “ideia, tema ou ‘supradisciplina’ que governa a relação entre diversas matérias, quando a disciplina deixa de ser dominante para subordinar-se à ideia que rege uma forma particular de integração” (apud CASADEI, 2010, p. 55). Para Machado (2010), o objetivo dos currículos integrados deve ter como eixo de proposta de trabalho a constante relação entre conteúdos tipificados estruturalmente como diferentes; seguindo essa ideia, Ramos (2012) defende que os conhecimentos só se distinguem metodologicamente, mas epistemologicamente formam uma unidade, ou seja, o real é apreendido como uma totalidade histórica e dialética; para ela o currículo integrado afirma “a educação como meio pelo qual as pessoas se realizam como sujeitos históricos que produzem sua existência pelo enfrentamento consciente da realidade dada, produzindo valores de uso, conhecimentos e cultura por sua ação criativa” (p. 125).

Partimos do pressuposto de que o currículo não é estático, mas sim um projeto inacabado que exige reflexão crítica, trata-se de uma “arena política” (MOREIRA; SILVA, 2001, p. 21), um artefato social e cultural, que deve ser analisado dentro de sua constituição histórica. Ainda mais, para Abromowicz (2006) o currículo é concebido como construtor de identidades, de professores e alunos, dado que com os conteúdos escolares vão-se construindo valores, crenças e percepções que estruturam personalidades. Assim, a educação tem o propósito de contribuir com a capacitação dos educandos para que eles assumam responsabilidades e se tornem

pessoas autônomas, solidárias e democráticas; e isso deve orientar o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação dos currículos (SANTOMÉ, 1998).

No relatório da Unesco para a educação do século XXI, Delors (2006) propõe que a educação se assente em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Indica, também, que a educação não pode ser fragmentada, mas concebida como um todo e que essa ideia deve orientar a implementação de programas e novas políticas pedagógicas.

No entanto, a sociedade capitalista desenvolveu formas de fragmentar o conhecimento, e o taylorismo representa o vértice dessa fragmentação, o que dificulta que os agentes envolvidos na educação participem de processos de reflexão crítica sobre a realidade e facilita manifestações autoritárias e currículos tecnicistas.

Freire (1987), ao discorrer sobre a “concepção bancária da educação”, denuncia esse tipo de relação assimétrica entre professor e aluno, em que o professor é aquele que narra, que sabe, que pensa e que tem a autoridade de escolher os conteúdos, enquanto os educandos são os que não sabem, os que escutam, tornando-se meros objetos que nada sabem. Contrariamente, a educação problematizadora supera a contradição educador-educando, tendo no diálogo “a indispensável relação ao ato cognoscente, desvelador da realidade” (p. 41).

Moura (2010) aponta que, em virtude da falta de estudos que permitam levar à prática a integração curricular entre ensino médio e educação profissional, os cursos são muito mais justaposição de conteúdos do que um novo campo construído pela integração entre eles. Assim, entende-se que há um enorme campo aberto para pesquisas e para uma práxis libertadora e emancipatória, que contribua para a superação dessa dualidade estrutural entre formação intelectual e formação para o trabalho ou entre uma formação para as elites e outra para as classes mais desfavorecidas.

No documento Renata Nicizak Villela (páginas 40-44)