• Nenhum resultado encontrado

2 FUNDOS PÚBLICOS E O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

2.1 Fundo s Públi co s: Definiçã o, Su rgi men to e Di sputa s

O Fund o Públi co d e um a n ação é fo rmad o de recursos o riun dos do pagam ent o d e im post os, con tri bui çõ es e t ax as est ab el ecido s p el as l eis. To da a popul ação, s eja p o bre o u ri ca, d ev e proced er obri gato riam ent e a es ses pagam ent os. Tais recu rso s serv em p ara fin an ci ar a bu ro cracia do Est ado e pod em diri gi r-s e a d uas v ert entes: s ocial e econ ômica.

De aco rdo com Oliv eira (19 88 ), o Fu ndo Público é utiliz ado na v ertent e soci al , qu and o os recu rso s são destin ad o s ao fin an ciamento de p ro gram as e proj et os d iri gido s a edu cação, s aú de, saneam ent o, h abit ação, assi stên cia soci al , salário -d es emprego et c. e, n a área econôm ica, fin anci a os s ubsí dios para a agri cu ltu ra, instalação d e fáb ri cas, juros su bsidi ad os em em prést imos

com l on ga carên ci a, recu rs os p ara “sal v am ento ” d e bancos, renún ci a fis cal et c.

Na p ers p ecti v a d e Amaral (20 03 ), os Poderes Ex ecutiv o e Legisl ati vo dispõ em d e m ecanis mos efi ci ent es a em pregar em relação ao Fund o Públi co , se res olv erem opt ar por políti cas s oci ais . Para ess e p esq uis ad or, a alt ern ati v a é co nstit uir fun dos esp eci ais, cont en do um volum e d e recursos fin ancei ros dest in ado s p ara s e realizar ati vid ad es d e fins s oci ai s.

Gemaqu e (2 004 ), ao realiz ar estud o es pecí fico s ob re os fundo s, par a fin an ci ar a edu cação , ex pri me o seguin te con ceito :

[ . . . ] c o n c e n t r a ç ã o d e r e c u r s o s d e v á r i a s p r o c e d ê n c i a s p a r a me d i a n t e f i n a n c i a me n t o s , s e p r o mo v e r a c o n s o l i d a ç ã o o u o d e s e n v o l v i me n t o d e u m s e t o r d e f i c i t á r i o d a a t i v i d a d e p ú b l i c a o u p r i v a d a . N e s t a p e r s p e c t i v a , o s f u n d o s s ã o v i s t o s c o m o u m me c a n i s mo p o t e n c i a l me n t e c a p a z d e s u p r i r a s d e f i c i ê n c i a s d e d e t e r mi n a d o s e t o r , p o d e n d o s e r c o n s t i t u í d o s p o r r e c u r s o s d e d i f e r e n t e s p r o c e d ê n c i a s e d e s t i n a d o s a u m fi m e s p e c í fi c o . ( p . 3 2 ) .

Concordando com as defini çõ es d os auto res menci on ad os, p o sici on amo - nos no s enti do d e co nsid erar o Fund o Pú blico com o um pod eros o mecanism o que, d ep en dendo d as fo rças polí ticas , pod e servi r à vert ent e so ci al, ben efi ciando a m aio ria d a po pul ação, m as cont radit óri o, j á qu e s erve t am bém às cl ass es d et ent oras do po der, qu e t ent am apri sion ar o s recu rso s p ara fin an ci ar o at ual d esen volv imento capi t alist a. Po rt anto , o entend emos como refl ex o d a l ut a d e cl asses qu e p erm ei a a s oci ed ad e.

No camp o d as fi nan ças p úbli cas, s empre ex isti u a p reo cup ação com os efeit os econ ômi cos da t ri but ação , o u s eja, de qu an to o Gov erno deve tom ar em im post os e p ro v er em d esp es as . Geralm ent e est a p reo cu pação, po r p arte dos gov ernos , t em si do acomp anh ada de um po sicion am ent o mais no rm ativo2, gerencial , q ue an alisa as d esp es as govern am ent ais com o ex ó gen as ou det ermin ad as po r fo rças est ranh as ao sis t em a econôm ico.

2 S o b a ó p t i c a n o r ma t i v a , c a b e d e s t a c a r o s e s t u d o s d e T u r v e y s o b r e f i n a n ç a s p ú b l i c a s , d e s e n v o l v e n d o a n o ç ã o d e ó t i mo e c o n ô mi c o , p o s t e r i o r me n t e a p e r f e i ç o a d a p o r M u s g r a v e e m F i n a n ç a s P ú b l i c a s : T e o r i a e P r á t i c a , q u e e s b o ç a “ u ma t e o r i a n o r ma t i v a o u o p t i ma l d e c o n d u ç ã o d a c o i s a p ú b l i c a ” , o r e s u l t a d o d e s t a ê n fa s e n o r ma t i v a t e m s i d o i s o l a r a d i s c u s s ã o s o b r e a a p l i c a ç ã o d a t e o r i a d o c r e s c i me n t o e c ô mi c o n o c a mp o d a s f i n a n ç a s p ú b l i c a s ( M U S G R A V E , 1 9 8 0 ) .

Fazen do o posi ção a es te p osi cio nam ento, Oliv ei ra (19 88 ) co nsi dera imposs ív el con ceb er a “formação do s is tem a capit alist a s em a u tilização de recu rs os pú blicos qu e, em d et ermin ad os casos , fu nci on aram quase como u ma “acumul ação p rimit i va. ” ” (p . 2 0).

Para ess e auto r, o v olum e e a comp osi ção d as desp es as go v ernamentais, bem como a dis tri bu ição do p eso tri but ário, não s ão m eram en te det ermin ad os por lei s d e m ercad o, mas reflet em antes con flit os econ ômi co s en tre cl ass es e gru pos . Ou, com o p ostul ou M arx , “a l ut a t ribu tári a como a mais velh a forma de lut a d e cl ass es. ” Fin an ças t rib utári as de to das as ép ocas s ão m an ei ras de ex ploração econ ômi ca, na medid a em q u e os sist em as tri but ários prot egem e en cast elam al gu mas cl ass es em d etri ment o d e o ut ras (MAR X, 1982 ).

Nas an ális es de Fran cis co d e Oliv ei ra (1 988 ), as cri ses que qu as e implodi ram o sis tem a capit ali st a no iní cio do s éculo XX l evaram à rev is ão des se si stema, com a atri bui ção d e uma n ova fun ção d e regulação ao Est ado .3 Ess a at ribui ção regulat óri a impli co u a co nformação do fun do púb lico, repres ent ando cerca de 30 a 45 % do ex ced ent e econ ômi co para s ust ent ar a agend a ci vilizató ria da so ci ed ad e in dus tri al.4

O Estado passo u a atuar en ergi camente n a econo mia (t ri buto s , is en çõ es, fo rmação p ro fis sion al, su bsí dios etc), ex ercend o o co nt rol e mon et ário, est rut uran do tod o o sistem a d e “s al ári o-in di ret o5”, ed u cação para to dos , 3 A t r a n s fo r ma ç ã o d e E s t a d o l i b e r a l q u e a t é o i n í c i o d o s é c u l o X X s e f u n d a me n t a v a e m t r ê s f u n ç õ e s b á s i c a s ( mo n o p ó l i o d a t r i b u t a ç ã o , mo e d a e f o r ç a s a r m a d a s ) , p a s s o u p e l a a mp l i a ç ã o d o f u n d o p ú b l i c o q u e s o me n t e e q u i v a l i a a me n o s d e 1 0 % d o t o t a l d o e x c e d e n t e e c o n ô mi c o ( O L I V E I R A, 1 9 8 8 ) . 4 N a q u e l a o p o r t u n i d a d e , s e m a r e a l i z a ç ã o d a r e fo r ma t r i b u t á r i a p r o g r e s s i v a s o b r e o s r i c o s , e s p e c i a l me n t e n o s g a n h o s d e r i v a d o s d a n o v a r i q u e z a ma t e r i a l r e p r e s e n t a d a p e l o c r e s c i me n t o f a n t á s t i c o d a p r o d u t i v i d a d e , p o u c o d a a g e n d a c i v i l i z a t ó r i a d o s é c u l o X X h a v e r i a d e s e r i mp l e me n t a d o . A t r a n s fo r m a ç ã o d o E s t a d o L i b e r a l d e p e n d e u d a d e mo c r a t i z a ç ã o p o l í t i c a d a s e s t r u t u r a s d e p o d e r , p r o d u ç ã o e c o n s u mo , l e v a d a s a v a n t e p o r i n t e n s a s l u t a s s o c i a i s . D o c o n t r á r i o , o r e g i me d e v i d a e t r a b a l h o d o s é c u l o X I X a i n d a s e fa r i a p r e s e n t e , d e s c o l a d o d a r i q u e z a g e r a d a p e l a me t a mo r f o s e d a s o c i e d a d e a g r á r i a p a r a i n d u s t r i a l e u r b a n a , c o m o o t r a b a l h o a p a r t i r d e c i n c o a n o s d e i d a d e , j o r n a d a s d e t r a b a l h o d e 1 6 h o r a s p o r d i a , t r a b a l h o a t é mo r r e r , a n a l fa b e t i s mo g e n e r a l i z a d o ( O L I V E I R A , 1 9 8 8 ) . 5 O s a l á r i o i n d i r e t o , g e r a d o p e l a a ç ã o d o f u n d o p ú b l i c o , a o l a d o d o s a l á r i o d i r e t o , i s t o é , a q u e l e p a g o p r i v a d a me n t e a o t r a b a l h o , e o i n d i r e t o p a g o p u b l i c a me n t e a o s c i d a d ã o s p a r a a r e p r o d u ç ã o d e s u a fo r ç a d e t r a b a l h o , t e v e c o mo r e s u l t a d o o a u me n t o d a c a p a c i d a d e d e c o n s u mo d a s c l a s s e s s o c i a i s , p a r t i c u l a r me n t e d a c l a s s e mé d i a e d a c l a s s e t r a b a l h a d o r a ; o u s e j a , o c o n s u mo d e ma s s a ( O LI V E I R A , 1 9 8 8 ) .

esp eci alm ent e aos filhos d e famíli as s em con di çõ es p riv ad as d e p ro ver n a faix a d e s et e a qui nz e ano s d e id ad e, in gress o no mercado de t rabalho ap ós 1 5 ano s, apo sentado ri a apó s três d écad as d e trabalho , jo rn ad a d e trabalho d e oi to horas e acess o à p ro t eção so ci al aos d em ais ri scos do t rab alh o.

O ch amado Est ad o d o Bem -Est ar So cial i ntro duziu a rep úbli ca ent en did a est rut uralm ent e co mo gest ão do s fu ndos públi co s, o s quais s e to rn am precond ição d a acum ulação e d a reprodu ção do capit al (e d a form ação da t ax a de lu cro) e d a repro dução d a força d e trab alh o po r meio d as des pesas so ciais. Hou ve, portanto, a soci aliz ação dos cus tos da p rod u ção e a manut en ção d a ap rop ri ação p riv ad a dos lu cros ou da rend a (is to é, a riqu ez a n ão foi soci aliz ad a) (OLIVEIR A, 1 988 ).

Dess a fo rma, o fun d o públi co está p res ente n a rep rod ução d a fo rça d e trab alho e na acu mulação do capit al , vist o qu e o lu cro capit ali st a é abs olut am ent e i nsu fi ci ent e p ara con creti zar as nov as po ssib ilidades ab ert as pel o p ro gres so t écn ico e t ecnol ó gi co, ap rop ri an do parcelas cres cent es dos recu rs os públ icos qu e t omam a fo rm a est at al. Oli vei ra (1 988 ) trab alh a com a idei a de fund o p úbli co como antiv alo r, an ti-capit al.

O fund o pú bli co é, as sim, o antiv al or (n ão é o capit al) e é a antim ercado ria (não é a fo rça de trab al ho) e, como tal , é a con di ção ou o press upos to d a acum ulação e d a rep ro du ção d o capital e da fo rça d e t rab alho . É nel e qu e s e vem pôr a co ntradição at ual do capit alism o, isto é, el e é o press upos to n ecess ário do capit al e, co mo press upo sto, é a n egação do próp ri o capit al – vi sto q ue o fund o pú bli co n ão é capi tal nem t rab al ho6 (OLIVE IR A, 1988 ). 6 N o c a p i t a l i s mo c l á s s i c o , o t r a b a l h o e r a a me r c a d o r i a -p a d r ã o q u e me d i a o v a l o r d a s o u t r a s me r c a d o r i a s e d a me r c a d o r i a p r i n c i p a l , o d i n h e i r o . Q u a n d o o t r a b a l h o p e r d e a c o n d i ç ã o d e me r c a d o r i a -p a d r ã o , e s s a c o n d i ç ã o t a mb é m é p e r d i d a p e l o d i n h e i r o q u e d e i x a d e s e r me r c a d o r i a e s e t o r n a s i mp l e s me n t e mo e d a o u e x p r e s s ã o mo n e t á r i a d a r e l a ç ã o e n t r e c r e d o r e s e d e v e d o r e s , p r o v o c a n d o , a s s i m, a t r a n s fo r ma ç ã o d a e c o n o mi a e m mo n e t a r i s mo ( O LI V E I R A, 1 9 8 8 ) .

Para Oliv ei ra (198 8), o fun do públ ico, s ob a forma d e s al ári o indi reto , des ato u o laço qu e p rendi a o cap ital à fo rça d e trab al ho (ou o sal ário di reto ). Ess a amarra era o q ue, no passado, fazi a a ino vação t écni ca pel o cap ital s er uma reação ao cres cim ento real d e s al ári o e, d es feito o l aço, o i mpul so à inov ação t ecnol ó gi ca t ornou -s e prati cam ent e i limit ado , prov ocand o ex pans ão dos i nv estim en tos e agi gant am ento d as fo rças p rod utiv as , cuj a li qui dez é impress ion ant e, m as cujo lu cro n ão é s ufi ci ent e p ara con cretizar to das as possi bilid ad es t ecnol ó gi cas . Por iss o mes mo, o capit al p recis a de p arcel as d a riqu ez a públ ica, is to é, do fun do pú bli co , na qu ali d ad e de fi nan ci ad or d es sa con cretização.

P or out ro l ado , o lu gar o cup ad o pel o fu ndo públ ico com o sal ário indi ret o fez com qu e a força d e t rab alh o n ão p oss a s er av al iad a ap en as pel a rel ação cap ital -t rab alh o (po is n a com posi ção do s al ári o ent ra tamb ém o sal ário i ndi reto pago pelo fu ndo pú blico).

Assim , co nforme Ol ivei ra (1 988 ), a p artir d a cris e do capi talism o d a décad a d e 197 0, o fundo pú bli co fo i res pons abi lizad o pel o ex cess o d e gasto s soci ai s, t en do iní cio o d esmo nt e d es se tip o d e Est ado d e P rot eção So ci al.

Dess a fo rma, s urge outro blo co eco nômi co7 com i nten çõ es hegem ôni cas (ou tot alit árias) 8 cuj a fin alid ad e era a retomada do pro cesso de acum ulação capit alist a, via reestruturação p rod utiv a, para sup erar a est agnação eco nômi c a

7 E s s e b l o c o e c o n ô mi c o t e m c o mo f u n d a me n t o o c o mb a t e à s i d e i a s k e y n e s i a n a s d e r e g u l a ç ã o e c o n ô mi c a i n t e r n a c i o n a l e o s c h o q u e s d o p e t r ó l e o d a d é c a d a d e 1 9 7 0 , g e s t a d a s n a S o c i e d a d e d e M o n t P è l e r i n , d u r a n t e o s a n o s 1 9 4 0 , c o ma n d a d o s p o r F r i e d r i c h H a y e k ( S O U S A , 2 0 0 6 ) . 8 G r a ms c i ( 2 0 0 2 ) e n t e n d e q u e a h e g e mo n i a p o l í t i c a a c o n t e c e q u a n d o a c l a s s e s o c i a l d o mi n a n t e t e m s u a c o n d i ç ã o c o n s e n t i d a p e l o s d o mi n a d o s , c o m o ( a u t o ) r e c o n h e c i me n t o d e s t e s c o mo p a r t e n a s i n s t i t u i ç õ e s e s t a t a i s d i r i g i d a s p e l o s p r i me i r o s . S o b r e t u d o n o s p a í s e s p e r i fé r i c o s , a c r i s e d o “ L e s t e ” e a e x p a n s ã o i d e o l ó g i c a d o l i b e r a l i s mo e c o n ô mi c o i n a u g u r a a p o s s i b i l i d a d e d e s e s u b s t i t u i r a d o mi n a ç ã o v i a r e p r e s s ã o p e l a d o mi n a ç ã o v i a h e g e mo n i a . P a r a o a u t o r , p o r t a n t o , a v i o l ê n c i a r e p r e s s i v a é e x p r e s s ã o d o f r a c a s s o d a h e g e mo n i a p o l í t i c a . F r a n c i s c o d e O l i v e i r a ( 1 9 9 9 ) , a p a r t i r d o me s mo r e fe r e n c i a l t e ó r i c o , fa l a e m “ h e g e mo n i a i mp e r f e i t a ” , s i t u a d a e n t r e a i n t e g r a ç ã o d o s t r a b a l h a d o r e s a o c a mp o d e s i g n i fi c a d o s b u r g u e s e s , q u e c a r a c t e r i z a a h e g e mo n i a g r a ms c i a n a , e a “ s u p e r a ç ã o ” d e s s a p r e t e n s ã o h e g e mô n i c a p e l a e x c l u s ã o t o t a l i t á r i a , p o r me i o d a q u a l s e n e g a a t é me s mo a p a r t i l h a d e u m me s mo c a mp o d e s i g n i f i c a d o s , c o m o q u e f i c a i n v i a b i l i z a d a a p o l í t i c a d e mo c r á t i c a .

inici ad a em mead os da décad a d e 197 0 e profund am ent e agravad a na d écada de 198 0.9

É, po rtanto , o p erío do ent re o s egund o pós -gu erra e a d écada d e 1 980 marcad o pela i ntens ifi cação d o Est ad o nos in vestim ento s p rod utiv os; est e momento é d em arcad o pel a as so ci ação ex plíci ta d o dinh ei ro p úbli co ao capit al indus tri al priv ado .

A d ecorrên ci a é o acel erado cresci mento d a econo mia, com ganh os con sid erávei s p ara o con junt o d os t rab alh ado res, mas est e fat o se deu ali ado à ass un ção d e um a dív ida p úbli ca ex t erna que t eri a cons eq uências m al éfi cas n o futu ro .

No Brasil, es se process o nu nca ch egou a avançar p ara o mod el o ke yn esi ano cl ássi co . Entre n ós, s e con fi gu ro u, n o mínim o , uma i ns erção con tradit ória n o cap italis mo mun di al. C omo d ecl ara Fran cis co d e Oli veira (19 99 ), a cont radi ção fun damental do Est ado do Bem-Estar e d e seus “sim ulacros ” d a periferi a do sist em a m ani fest av a-se n a im plem ent ação d e políti cas ora volt adas à “pu bli cização do p riv ad o”, o ra vo ltadas à “p riv atiz ação do pú b lico .” (p. 68 ).

Para garanti r a acu mulação e repro du ção d o capital e da fo rça d e trab alho , o Es tado end ivid ou -s e e ent rou n um process o d e d ívid a púb lica con heci do como deficit fis cal ou "crise fis cal do Es tado ". A isso s e d ev e acres cent ar o m o ment o cru ci al d a cri se, isto é, o inst ant e d e intern acio naliz ação oli go póli ca d a p ro dução e da fin ança – m esm o as multin acion ais envi ando v ulto sas som as d as s uas fili ais às m at rizes no s p aís es de o ri gem – o Est ado do Bem -Es tar op erava com d efici ts muit o grand es , o qu e era sup rid o com a emissão d e títul os púb lico s.

Além dis so, ho uv e a jun ção d o capit al fin an ceiro, qu e com eço u a vi aj ar o mundo int ei ro, fi nanci an do Est ados d a peri feri a, a ju ro s alto s, atrai ndo a at en ção dos in vesti dores d a ind úst ri a. Assim, capit ais d e gran de p ort e com eçaram a mi grar para a es fera fi n an ceira e para os emp réstimo s às

9

C h e s n a i s ( 2 0 0 5 , p . 2 4 ) i n fo r ma c o mo “d a t a i n i c i a l d a l i b e r a ç ã o c o n t e mp o r â n e a ” o a n o d e 1 9 7 9 , ma r c a d o p e l a r e f o r ma d o r e g i me mo n e t á r i o e fi n a n c e i r o d o s E s t a d o s U n i d o s .

períferi as. Com is to , a arrecad ação est atal tend e a d ecair e assim o d efici t públi co aum en tou , vindo desembo car n uma si tu ação em q ue o Est ado nã o con segui a m ais m ant er o co mp romis so so ci al-demo crat a.

Diant e dess e limit e, o fun do pú bli co n acion al é qu e d ev e conti nu ar fin an ci and o o capi tal e a força d e trabal ho. É isso o "col aps o d a mod ern ização " e a ori gem d a políti ca neo lib eral , q ue p rop õe "enx u gar" ou en col her o Estado (OLIVE IRA, 1 999 ).

De aco rd o com Oliv eira (198 8), o qu e entro u em cris e foi o padrão d e fin an ci am ento pú bli co do Est ado do Bem-Es tar So ci al e não a “est atiz ação” (po rq ue l eva a s up or q ue a p ro priedade é cres cent em ent e est atal) o u a “int erv en ção est at al ” (po rq u e cond uz a p ensar q u e a int erv en ção s e dá d e fora para d ent ro ).

Ness e sen tido , o au t or lemb ra q ue, en qu ant o a rep ro du ção d o capit al, os aum ent os d a p ro d utivid ad e e a el evação do salário real esti veram circuns critos ao t erritóri o n acio nal, a regul ação k e yn es iana fun cio no u. S e a circularid ade p ress u punh a gan hos fis cais co rres pon dentes ao inv estim ent o e à rend a qu e o fund o públi co arti cul av a e fin an ciav a, a in tern aci on alização ret irou p arte dos ganhos fis cais, em bo ra ten ha deix ado aos fun dos públi co s nacio nai s a fun ção de cont inu ar arti cul and o e fin an ci and o a rep ro du ção do capit al e da fo rça d e t rab alho . Na cris e fis cal o u “o qu e u m ganh a é o qu e outro p erde” (THUR OW, 19 81 apu d O LIVE IRA 198 8), em ergiu a d et erio ração das receit as fis cai s e p arafis cais (p revid ên ci a s o cial , por ex emplo ), con duzin do ao d efi ci t púb lico.

Ess e qu adro ind ica qu e o fu ndo púb li co defin e a es fera públi ca d a econo mia d e m ercado so ci alm ent e regul ad a e q ue as d emo craci as

repres ent ati v as agem n um campo de lut as p o larizad o p el a

direção/ geren cim ent o do fun do públi co . É as sim q ue o n eoli beralismo ganh a fo rça, é n a verd ad e a lut a p elo fund o p úbl ico .

Para Ch au í (1 999 ), visto sob a p erspecti va da l ut a políti ca, o neo lib erali smo n ão é a cren ça n a racion ali dade do m ercad o, não é o enx u gam ento do Est ado n em a d es ap ari ção d o fund o pú bli co. É a po si ção

hegem ôni ca, qu e em det ermin ad o mom en to d eci diu co rt ar o fundo públ ico no polo d e fin an ci ament o do s b en s e s ervi ço s pú bli cos (o u d o s al ári o i ndi reto ) e max imizar o us o da riqu ez a púb lica, nos investim ento s ex i gi dos p elo capit al, cuj os lu cros n ão est avam sendo su fi ci ent es p ara co bri r t od as as pos sibil id ad es tecnol ó gi cas.

O n eoli b eralism o foi , po rt ant o, a o pção preferencial p el a acumul ação e reprodu ção do cap ital. Is so , p orém , si gn ifi co u, tamb ém, q ue a lut a dem ocráti ca e repu b lican a das cl ass es p opul ares est av a d em arcad a como lut a pel a gestão d o fun do públ ico, opo ndo -s e à gest ão n eol ib eral (CHAUÍ, 1 999 ).

Pochm ann (2 009 ), di scut ind o a im po rtância do fu ndo pú bli co e a l uta d a teo ri a n eolib eral p el a s ua ap rop ri ação, fal a d a fo rm ação du rant e est e p erí odo – ini ciado n a década d e 1 970 – d e uma nov a casta po lítico-econ ômi ca mundi alm ent e p rivil egi ad a, q ue s e b en efi cio u dos gan hos d a financerização d a riqu ez a em es cal a p lan et ári a. Para iss o, o fundo p úbli co to rno u-se a ch av e, mais um a vez, p ara a rep arti ção d e rend a ent re o s d et ent ores do s di reito s d a riqu ez a fin an cei rizada e o s depend ent es d as polít icas so ci ais n aci on ais des poss uíd as d e s eu carát er univ ers al p ara focaliz ação as sist enci al. Ess a era a visão do s ri cos p ara m ani pul ar agênci as mu ltil aterais e rami ficaçõ es intern aliz ad as no pl ano n acio nal en gaj adas n o projeto d e soci ed ade p ara pou cos , “enqu ant o a maio ri a era l evada a con viv er n a luz d a fals a dis junt iv a ent re o des em prego ab erto ou emp rego precário .” (POUCHMANN, 2 009 , p. 2).

Conform e Po chm an n (20 09 ), a t rajet ória cons agrad a pel os pro gram as neo lib erais de aju stes est rut urais im pl em ent ad os d esd e o fin al d a d écad a d e 1970 – in ici alm en te nos paí ses do cen tro do capit alism o mundi al e, em seguid a, agl utin ad os pelo C ons en so d e Washin gto n p ara as naçõ es p eriféri cas a p arti r d a segun da met ad e dos anos 1 980 – fracasso u rot und am ent e. P or con ta diss o, ruiu o proj et o d e so ci ed ad e d e ricos e po dero sos, co nv ergent e com o process o d e gl obalização fin an cei ra m undi al.

Ess e auto r const at a que o tem po d e predom ínio do n eol iberalismo repres ent ou in egáv el es fo rço pela bu sca da acom od ação p olít ica em co ntex tos nacio nai s cres cent em ent e m arcados po r m aio r p ol ariz ação e ex clus ão so ci al.

Para Po chmann (2 0 09), a cris e atu al d o capi tali smo não cess ará com medi das ut ilizadas no p as sado, como algum as políti cas keyn esian as. Est as serv em ap en as p ara ameniz ar o ret ro cesso neolib eral. Tex tu al ment e, ele diz:

A c r i s e a t u a l é s i s t ê mi c a e e s t r u t u r a l . C o me ç o u p e l o c o r a ç ã o d o c a p i t a l i s mo c e n t r a l , q u e d e f i n e o s i s t e ma mo n e t á r i o -c r e d i t í c i o , e p a s s o u a c o n t a mi n a r p e l o mu n d o o t e c i d o p r o d u t i v o g e n e r a l i z a d a me n t e , c o m e fe i t o s s o c i a i s e p o l í t i c o s s e m p a r a l e l o n a s ú l t i ma s s e t e d é c a d a s e a i n d a n ã o p l e n a me n t e c o n h e c i d o s . P o r a t i n g i r a e s t r u t u r a b á s i c a d o e d i fí c i o s o b r e a q u a l s e e n c o n t r a e r i g i d o a s o c i e d a d e c a p i t a l i s t a , p e r c e b e - s e l o g o q u e o c o n j u n t o o fe r t a d o d e me d i d a s a t é a g o r a p e l o k e y n e s i a n i s mo b a s t a r d o , e mb o r a u r g e n t e e n e c e s s á r i o p a r a a t e n u a r e me r g e n c i a l me n t e a s a n g r i a d e s a t a d a q u e o r e t r o c e s s o n e o l i b e r a l d e a n o s a n t e r i o r e s p r o v o c o u , s e r v e t ã o s o me n t e d e r e me n d o . E m s í n t e s e , o b s e r v a - s e q u e d i fi c i l me n t e a r e p r o d u ç ã o d e me d i d a s i d ê n t i c a s à s a d o t a d a s p a r a d e b e l a r c r i s e s o u d e p r e s s õ e s p a s s a d a s t e r á s u c e s s o p l e n o t a l a g r a v i d a d e e p r o f u n d i d a d e d a c r i s e d o c a p i t a l g l o b a l i z a d o . ( P O U C H M A N N , 2 0 0 9 , p . 2 ) .

O aut or vislu mbra a poss ibili dade d e se bus car a es truturação d e políti cas u niv ers ais de p rot eção so ci al , mesmo co m to das as di ficuld ad es impost as p el a atu al cri se d o capi tal . Pochm ann apon ta a necessid ad e d e redefi nir o fu ndo pú blico. Vejamos:

I s s o r e f l e t i r i a ma i o r ê n f a s e n a d i s p u t a e m t o r n o d a r e o r i e n t a ç ã o d o f u n d o p ú b l i c o c o mp r o m e t i d o c o m a i mp r o d u t i v i d a d e d o c i r c u i t o d a f i n a n c e i r i z a ç ã o d a r i q u e z a . S e m r e s o l v e r o p r o b l e ma d a d e s i g u a l d a d e c r e s c e n t e d a r e n d a e r i q u e z a , a n o v a p o l a r i z a ç ã o e n t r e r i c o s e p o b r e s t e n d e a s e r a c o mo d a d a p o r me d i d a s f u n c i o n a i s s i mu l t a n e a me n t e à p o b r e z a e à r i q u e z a . M a s i s s o , c o n t u d o , e s t á o b s t a c u l i z a d o p e l o a p r o f u n d a me n t o d a c r i s e d o c a p i t a l g l o b a l i z a d o . ( 2 0 0 9 , p . 3 ) .

Na p rop ost a do aut o r, o fun do pú blico, dispu tado pel a lut a políti ca d os segm en tos s oci ais m ais o rganiz ado s, ho j e, d ev e s er refo rmu l ado e no vam ente vin cul ado às receit as ori gin árias, permiti ndo fav orecer t ant o a pro gres sivid ad e n a t ribu tação sob re a renda d os ri cos como a univ ers alid ad e da prot eção so ci al (gast o com s aúd e, ed ucação, pl eno em prego e ass ist ên ci a soci al ) (POC HM ANN, 200 9).

É nes se campo d emo cráti co q ue s e apres enta, com o qu est ão d e prin cípi o ,